Promoção de Cyber Monday: Até 60% de desconto no InvestingProGARANTA JÁ SUA OFERTA

O ouro é o novo bitcoin (ou o Plano Collor global)

Publicado 22.08.2023, 16:02
XAU/USD
-
USD/BRL
-
USD/CNY
-
GC
-
BTC/USD
-

É aquela história: "se parece com um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então provavelmente é um pato.” O (mais do que) historiador Niall Ferguson tem usado a antiga anedota para traçar um paralelo da situação atual vivida entre EUA e China com a clássica Guerra Fria.

Tal como naquele momento, há uma disputa ideológica clara entre a visão das democracias liberais (Império da Lei, respeito aos contratos, representatividade, discurso em favor dos direitos humanos etc) e a tradição marxista-leninista, menos individualista e mais coletivista. 

Existe também um embate tecnológico, sobretudo na questão do 5G, nos chips, na inteligência artificial e nos mísseis hipersônicos, a exemplo do que fora, lá atrás, a corrida espacial. 

Obviamente, também identificamos elementos econômicos stricto sensu na disputa, tendo dois pontos mais sobressalentes: i) a projeção do iuan como eventual alternativa à reserva internacional e sua total conversibilidade; e ii) a ideia de “os semicondutores são o novo petróleo”.

Por fim, chegamos à geopolítica, sendo o debate sobre uma possível invasão de Taiwan pela China o ponto nevrálgico. Se a investida da Rússia contra a Ucrânia encontraria paralelos com a Guerra da Coreia, Taiwan teria analogia no Vietnã, podendo ensejar algo semelhante a uma nova crise dos mísseis.

Não queremos imaginar quais seriam as consequências de uma guerra quente entre EUA e China. Aliás, nem precisamos, porque provavelmente não estaríamos mais aqui para prescrever recomendações de investimento. Mas há algo fundamental já acontecendo diante desse novo arranjo geopolítico.

Como não tem mais bobo no futebol, a China observa o que foi feito com a Rússia. No momento em que aquelas reservas em dólar foram congeladas, se você está em conflito, ainda que tácito com os EUA e representa seu principal antagonista, parece racional não manter suas reservas em Treasuries. Se o dólar pode ser uma arma geopolítica, precisamos de uma alternativa…

Assim, perde-se um comprador marginal importante. E isso acontece num momento de enxugamento da liquidez global, com o Fed precisando enxugar seu balanço e Janet Yellen tendo de realizar leilões sucessivos e gigantescos de títulos de dívida nos EUA. 

Aí acontece o mecanismo elementar de funcionamento do sistema de preços. Se há uma oferta grande e a demanda fraqueja, o preço cai — e as taxas de juro de mercado sobem!

Some-se a isso o afastamento da ideia de recessão nos EUA em 2023 — o Fed de Atlanta, inclusive, projeta um crescimento trimestral anualizado superior a 5%! Isso é uma enormidade para quem falava em retração neste ano há poucos meses…

Considere ainda que o Japão está flexibilizando o gerenciamento de sua curva de juros, permitindo maior elevação dos juros de longo prazo — ou seja, eles passam a competir também com o fluxo de capital internacional, dada, na margem, a maior atratividade prospectiva dos títulos japoneses.

E, por fim, lembre-se da falta de controle de gastos e da trajetória ascendente da dívida pública nos países desenvolvidos — todos eles também precisam de um novo arcabouço fiscal para chamar de seu. A ideia encontra na recente deterioração da perspectiva do rating soberano norte-americano seu simbolismo mais concreto. Como escrevi à época da preocupação com o “debt ceiling”, a discussão não deveria estar centrada na votação parlamentar sobre o aumento ou não do teto da dívida dos EUA no curto prazo, mas, sim, como se faria mais estruturalmente para tornar a relação dívida sobre PIB convergente. Caso contrário, o que tivemos recentemente no Reino Unido, cuja dinâmica passou a ser mais parecida com aquela de mercados emergentes, poderia atingir todos os demais países desenvolvidos.

Esse é o pano de fundo por trás da elevação dos yields (taxas de juro de mercado) dos títulos de dívida no mês de agosto, com consequências generalizadas para fluxo de capital internacional e apreçamento dos ativos de risco — tudo começa com a taxa dos títulos norte-americanos, considerada livre de risco. Se ela sobe, todos os demais retornos esperados precisam subir também, trazendo os preços correntes para baixo. 

A dinâmica atual representa uma força estrutural bem diferente daquela observada no começo dos anos 2000, batizada por Ben Bernanke de “Global Savings Glut”, uma espécie de excesso de poupança global, que empurrava as taxas de juro para baixo. Na minha interpretação, era a versão de Economia Internacional à tese da estagnação secular de Alvin Hansen, recuperada por Larry Summers para os novos tempos. A China exportava muito, pegava esses dólares e comprava Treasuries loucamente, empurrando as taxas de juro para baixo.

O novo equilíbrio requer taxas de juro mais altas e, ainda que o dólar não deva perder seu posto de principal reserva de valor global, há uma tendência de redução de sua participação relativa. O problema é que faltam alternativas viáveis. Se a origem do problema guarda relação geopolítica, a China também não poderia contar com suas reservas em euro — no final do dia, vai acabar na OTAN. O Japão também não é necessariamente um amigo histórico confiável da China. O bitcoin, por sua vez, depois de se comportar como um “digital gold” no começo do ano, recuperou nesta crise de agosto seu desempenho mais semelhante a um ativo de risco. Voltamos à velha ideia de que o “safe haven” disponível é mesmo o ouro, em especial para eventos geopolíticos.

Entramos numa dinâmica perversa em que os países adotam uma política fiscal muito frouxa, empurrando o problema para frente e se associando a populismos baratos. Isso num momento em que não há mais os mesmos compradores de antes para esses títulos de dívida que financiarão os gastos públicos. 

Podemos até ignorar o problema e jogar a poeira para debaixo do tapete. Cedo ou tarde, porém, não haverá como escapar da aritmética elementar das contas públicas. A matemática impõe algumas das soluções: brutal elevação de impostos, redução abrupta dos gastos públicos, mais inflação, calote ou um grande confisco. Lá na frente, incorremos todos num grande Plano Collor global? Enquanto pensamos na resposta, estou indo ali comprar a minha barra de ouro.

Últimos comentários

Carregando o próximo artigo...
Instale nossos aplicativos
Divulgação de riscos: Negociar instrumentos financeiros e/ou criptomoedas envolve riscos elevados, inclusive o risco de perder parte ou todo o valor do investimento, e pode não ser algo indicado e apropriado a todos os investidores. Os preços das criptomoedas são extremamente voláteis e podem ser afetados por fatores externos, como eventos financeiros, regulatórios ou políticos. Negociar com margem aumenta os riscos financeiros.
Antes de decidir operar e negociar instrumentos financeiros ou criptomoedas, você deve se informar completamente sobre os riscos e custos associados a operações e negociações nos mercados financeiros, considerar cuidadosamente seus objetivos de investimento, nível de experiência e apetite de risco; além disso, recomenda-se procurar orientação e conselhos profissionais quando necessário.
A Fusion Media gostaria de lembrar que os dados contidos nesse site não são necessariamente precisos ou atualizados em tempo real. Os dados e preços disponíveis no site não são necessariamente fornecidos por qualquer mercado ou bolsa de valores, mas sim por market makers e, por isso, os preços podem não ser exatos e podem diferir dos preços reais em qualquer mercado, o que significa que são inapropriados para fins de uso em negociações e operações financeiras. A Fusion Media e quaisquer outros colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo não são responsáveis por quaisquer perdas e danos financeiros ou em negociações sofridas como resultado da utilização das informações contidas nesse site.
É proibido utilizar, armazenar, reproduzir, exibir, modificar, transmitir ou distribuir os dados contidos nesse site sem permissão explícita prévia por escrito da Fusion Media e/ou de colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo. Todos os direitos de propriedade intelectual são reservados aos colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo e/ou bolsas de valores que fornecem os dados contidos nesse site.
A Fusion Media pode ser compensada pelos anunciantes que aparecem no site com base na interação dos usuários do site com os anúncios publicitários ou entidades anunciantes.
A versão em inglês deste acordo é a versão principal, a qual prevalece sempre que houver alguma discrepância entre a versão em inglês e a versão em português.
© 2007-2024 - Fusion Media Limited. Todos os direitos reservados.