Se você está acompanhando as eleições na Argentina certamente já ouviu o termo dolarização. Mas o que isso significa e quais os possíveis efeitos de uma “dolarização” na economia de um país?
Para compreendermos melhor essa questão precisamos primeiro falar sobre como os Bancos Centrais criam moeda atualmente. Desde o fim definitivo do padrão dólar-ouro no governo Nixon em 1971, a limitação para a criação de moeda pelos Bancos Centrais passou a ser uma questão legal, e não física.
No padrão ouro a emissão de moeda depende da existência de lastro em metal precioso, de modo que novas emissões só podem ocorrer se houver mais estoque de ouro no Banco Central, ou seja, essa é uma limitação física.
Por outro lado nos padrões atuais, em que temos a denominada moeda “fiduciária”, as emissões monetárias são decididas pelas Autoridades Monetárias, com maior ou menor influência dos Governos dependendo do grau de independência do Banco Central.
Entendida essa questão podemos nos voltar agora para a dolarização e seus possíveis impactos. De forma simplificada, podemos entender a dolarização como a substituição da moeda emitida localmente pela Autoridade Monetária do país (normalmente um Banco Central) pelo dólar dos Estados Unidos.
Mas por que uma país abriria mão de emitir sua própria moeda para utilizar a moeda emitida pelo Banco Central de um outro país?
Uma possível resposta que faz sentido é: Porque a moeda local não está cumprindo o seu papel. De fato, uma das principais funções da moeda, além de servir como meio de troca, é ser uma reserva de valor. Ou seja, esperamos que a moeda não tenha seu valor corroído muito rapidamente, ainda que alguma pequena perda de valor seja aceitável. É o que denominamos inflação: a perda do poder de compra da moeda, ou o aumento generalizado nos preços dos bens e serviços. Na Argentina, a inflação de fato tem sido um problema grave, como observamos no gráfico abaixo.
Com esse nível de inflação, que pode ser considerada uma doença da moeda, compreende-se por que surgiu a ideia de dolarização da economia argentina. Mas como seria esse processo?
Operacionalizar um processo de dolarização em uma economia relativamente grande com a Argentina (entre as 25 maiores economias do mundo considerando o PIB argentino de 2022) seria algo bastante complexo. O volume de dólares necessário para a manutenção do funcionamento da economia argentina seria enorme, exigindo um nível de reservas internacionais (dólares) extremamente elevado. Ou seja, a Argentina precisaria atrair um volume substancial de capital estrangeiro para operacionalizar o processo.
Mas ainda que o processo possa ser realizado, quais seriam os pontos positivos e negativos da dolarização? Entre os positivos evidentemente se destaca a resolução do problema da inflação. Ao tirar o poder de controle da oferta de moeda das mãos do Banco Central, ou do Governo, o controle da inflação argentina, em grande medida, passaria a ser exercido pelo Federal Reserve, que controla a oferta de dólares dos Estados Unidos.
Por outro lado, a dependência da política monetária exercida por um Banco Central estrangeiro reduz as possibilidades da Autoridade Monetária local atuar de modo a estimular a economia em momentos de crise. Isso foi exatamente o que ocorreu na pandemia de Covid-19, em que os Bancos Centrais aumentaram consideravelmente a oferta de moeda. O gráfico abaixo mostra a expansão da Base Monetária (Papel Moeda em Poder do Público + Reservas dos Bancos Comerciais no Banco Central) no Brasil.
Nesse caso observamos que a partir de março de 2020 a oferta de moeda no Brasil aumentou de forma brusca e intensa, passando de algo em torno de R$ 300 bilhões para mais de R$ 400 bilhões em aproximadamente 6 meses. Essa liberdade no controle da oferta de moeda permitiu a realização do auxílio a famílias e empresas, bem como ajudou a financiar a ampliação dos gastos públicos necessários para o combate à pandemia.
Evidentemente se o país dependesse da atração de moeda estrangeira para aumentar a oferta de moeda na economia nesse momento de crise, o processo seria bem mais complicado. De fato, se utilizada com responsabilidade, a política monetária é um poderoso instrumento de política econômica.
A questão que se coloca atualmente é justamente se as Autoridades Monetárias (e os Governos em alguns casos) tem o grau de responsabilidade necessário para a condução dessa importante ferramenta que molda nossas economias. No caso Argentino, essa tem sido justamente uma das questões mais debatidas no pleito atual.
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