A Resolução CMN nº 5.166, de agosto de 2024, trouxe atualizações na regulamentação dos Certificados de Operações Estruturadas (COEs) no Brasil. O principal objetivo foi permitir que instituições financeiras utilizem esses instrumentos como uma ferramenta mais eficiente de gestão de risco, atrelada ao risco de crédito. Essa mudança é significativa, pois os COEs, em teoria, podem oferecer aos investidores uma combinação de proteção contra eventos de crédito e a possibilidade de remuneração variada com base em encargos ou variações no valor de mercado das obrigações de referência.
Na teoria, é assim. Na prática, é bem diferente.
Para entender completamente as implicações da Resolução CMN nº 5.166, é fundamental contextualizá-la com os mercados internacionais, em especial com os Estados Unidos. Nos EUA, produtos financeiros estruturados têm sido amplamente utilizados por décadas, e há uma base sólida de regulação que oferece mais transparência e clareza aos investidores, principalmente após a crise financeira de 2008.
Mas será que estamos pronto para isso?
A criação dos COEs no Brasil, na verdade, foi uma tentativa de adaptar esse modelo internacional para o mercado local. No entanto, a nossa realidade é muito diferente. A grande maioria dos assessores de investimento não conhece muito bem o produto até hoje e os seus clientes menos ainda. Por causa disso, os COEs ganharam certa popularidade como produtos ruins para os clientes e que pagam altíssimas comissões aos assessores.
Nos Estados Unidos, mecanismos semelhantes aos COEs incluem os conhecidos structured notes (notas estruturadas), que também combinam investimentos em renda fixa e derivativos. No entanto, um dos diferenciais é que o mercado norte-americano oferece uma estrutura regulatória muito mais rigorosa e há um preparo dos assessores muito maior, o que gera maior confiança entre os investidores. Os structured notes são utilizados tanto por investidores individuais quanto institucionais para diversificar carteiras, mas sempre com o alerta claro sobre os riscos envolvidos.
No Brasil, os COEs foram apresentados como uma forma inovadora de diversificação e proteção, mas a realidade é que muitos investidores não compreendem completamente os riscos e, sim, de fato, a maioria dos COEs apresentados apenas prejudicou os investidores, conforme, inclusive, já apontou um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (fote ao final do artigo). Esse é um ponto amplamente criticado por alguns profissionais sérios do mercado financeiro, que enxergam os COEs como um produto altamente complexo, vendido muitas vezes para clientes sem o devido entendimento. Ao contrário dos EUA, onde há uma tradição de produtos estruturados, o mercado brasileiro ainda é iniciante nesse quesito, o que aumenta substancialmente a probabilidade de desinformação e venda inadequada.
A complexidade do COE decorre do fato de que ele é um produto estruturado, o que significa que combina diferentes ativos e estratégias financeiras em um único título. Para um investidor em geral, essa combinação pode ser extremamente difícil de decifrar. Por exemplo, alguns COEs são vinculados ao desempenho de ações ou índices, enquanto outros têm suas taxas atreladas a derivativos de crédito, como é o caso da nova modalidade introduzida pela Resolução CMN nº 5.166. Embora o potencial de retorno possa parecer atrativo, os riscos subjacentes não são tão óbvios.
Um ponto relevante (ou assustador para o nosso mercado) que a Resolução CMN nº 5.166 abordou foi a integração dos COEs com os derivativos de crédito. Derivativos de crédito, como os “credit default swaps” (CDSs) nos EUA, são instrumentos financeiros que permitem às instituições mitigar o risco de inadimplência de uma contraparte sem a necessidade de liquidar ativos. Na nova modalidade de COEs, a remuneração do investidor pode ser atrelada a eventos de crédito, oferecendo proteção em casos de inadimplência de determinados ativos.
Mas, porém, entretanto, todavia…
Essa é uma área que exige extrema cautela. Nos Estados Unidos, os derivativos de crédito foram amplamente criticados durante a crise financeira de 2008, quando o excesso de alavancagem e a falta de entendimento adequado sobre esses instrumentos contribuíram para o colapso de várias instituições financeiras. O uso desses produtos no Brasil, embora incipiente, já precisa levantar muitas preocupações. A Resolução CMN nº 5.166, ao atrelar COEs a eventos de crédito, pode introduzir riscos semelhantes aos vividos nos EUA, especialmente se o mercado e os investidores não estiverem adequadamente preparados.
Outro ponto de crítica, como mencionei acima, é o incentivo à venda de COEs sem que o cliente compreenda os riscos envolvidos. Embora alguns COEs ofereçam uma aparente proteção de capital principal, isso está muito longe de ser verdade. A estrutura do produto pode levar o investidor a sacrificar sua liquidez e retorno por vários anos. Além disso, os retornos frequentemente dependem de cenários extremamente específicos que, sejamos sinceros, na maioria dos casos não se materializam.
Há muitos relatos de assessores de investimentos sendo pressionados a "empurrar" COEs para seus clientes como uma forma de aumentar comissões (fontes ao final do artigo), um comportamento que também foi observado nos EUA com a venda de produtos financeiros complexos pré-crise de 2008. No entanto, a principal diferença entre os mercados brasileiro e americano, faço questão de reforçar este ponto, é que nos EUA, após a crise, foram implementadas regulações mais rigorosas para proteger os investidores de produtos mal estruturados ou inadequadamente comercializados.
Os COEs, por serem produtos relativamente novos no Brasil, ainda sofrem com a falta de regulamentações mais robustas e com uma carência de transparência na apresentação dos seus riscos. Embora a Resolução CMN nº 5.166 traga algumas melhorias ao permitir a emissão de COEs atrelados a eventos de crédito, é necessário que os investidores tenham uma visão muito mais clara das potenciais armadilhas desses instrumentos. Por exemplo, nos Estados Unidos, após anos de uso, os “structured notes” estão sujeitos a uma série de normas e requisitos de divulgação que garantem maior transparência para os investidores, algo que o Brasil ainda está começando a implementar.
Além disso, cumpre lembrar que a natureza dos COEs e de produtos estruturados similares significa que eles não são adequados para todos os tipos de investidores. Nos EUA, produtos como “structured notes” são frequentemente reservados para investidores qualificados ou institucionais, aqueles com maior conhecimento e tolerância a risco. No Brasil, os COEs são comercializados para o público em geral, o que levanta questionamentos sobre a adequação desse tipo de produto para pequenos investidores.
Eu sei, você pode pensar que, na verdade, os COEs são apenas para investidores “agressivos” ou “arrojados”, mas sejamos sinceros, na prática, muitos assessores convencem seus clientes a preencherem formulários de perfil de forma diferente apenas para adquirirem os produtos que pagam comissões maiores, como os COEs. A prova disso é uma pesquisa realizada pela Magnet Customer (fonte ao final do artigo), que analisou 40 escritórios e 10 mil clientes para concluir que os assessores “com menos de cinco anos de carreira são mais vendedores”.
Quem ganha: Investidores ou grandes bancos?
A Resolução CMN nº 5.166, ao ampliar as opções de estruturação de COEs, tem o potencial de aumentar ainda mais a complexidade desses produtos. Para as instituições financeiras, isso será muito vantajoso, pois elas podem utilizar os COEs como uma ferramenta para mitigar riscos sem ter que liquidar suas posições no mercado.
A título de exemplo, o Itaú (BVMF:ITUB4) concluiu agora em setembro a primeira emissão de um COE referenciado em risco de crédito, no valor de R$ 500 mil (fonte ao final do artigo). O risco deste COE está atrelado à Colômbia (uma outra novidade da nova resolução é que agora é possível realizar operações atreladas ao risco de outros países). Será que os investidores brasileiros estão preparados? A resposta, para mim, é óbvia. A maioria não conhece os riscos de crédito no Brasil, que dirá na Colômbia. O investidor comum está longe de ter o preparo ideal para enfrentar essas novidades.
Em conclusão, a Resolução CMN nº 5.166 introduziu mudanças importantes no mercado, mas também trouxe desafios muito significativos. Penso que temos um cenário muito preocupante à frente. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.