Hipotética e aleatoriamente, pense que você seja convidado a ser ministro da Economia de um país qualquer, cujo presidente eleito acaba de passar por uma dita conversão liberal. Você teria carta branca para executar um choque de liberalismo e reduzir o peso do Estado na economia.
Conforme o tempo passa, se percebe uma dificuldade maior do que a anteriormente esperada para se caminhar com a tal agenda liberal e as reformas estruturantes. Em determinadas situações, o presidente hipotético parece resgatar suas velhas convicções, em outras mostra alguma inclinação ao populismo. O compromisso com a cartilha do liberalismo não era assim tão criterioso.
O que seria ético a se fazer? E o que você faria? Abandonaria o governo, preservando a sua biografia pessoal e impondo ao país o risco de uma guinada heterodoxa, intervencionista, irresponsável fiscalmente e populista? Ou ficaria lá, numa cruzada impetrada numa espécie de exército de um homem liberal só, evitando o pior, tentando garantir um zero a zero e lutando por algum equilíbrio fiscal? Ruim com o ministro, muito pior sem ele.
A ideia de ministros da Economia técnicos, comprometidos e sabedores da cartilha adequada a se adotar se associando a governos com inclinações diferentes não é propriamente nova. Gustavo Franco propõe uma investigação profunda dessa relação em seu belo e mais novo livro “Lições Amargas”. O caso mais emblemático é de Hjalmar Schacht, herói da vitória alemã contra a hiperinflação em 1923 e posteriormente recrutado como ministro de Hitler.
Gustavo Franco expõe com seu brilhantismo costumeiro o dilema ético associado a essa decisão. A quem você pode se associar tentando fazer o bem?
A história de pactos fáusticos vai muito além de Goethe, Mann, Machado de Assis e Guimarães Rosa. Mais do que referências filosóficas, éticas e literárias, ela transborda também os ministérios e o Palácio para se enfileirar no próprio âmago da sociedade brasileira.
Um pequeno passo atrás, antes de continuarmos.
O mês de julho é bastante caro pra mim. Há exatos sete anos, lançávamos o famigerado “Fim do Brasil”, metáfora para descrever a morte, com 20 anos de idade, daquele país que se iniciara com o Plano Real, também em julho (de 1994), a partir das mazelas e do descalabro da nova matriz econômica, as diretrizes da administração Dilma Rousseff.
Vivemos a maior recessão da história republicana brasileira, em um momento em que o mundo crescia razoavelmente bem. A crise vinha bem de dentro, dos porões da heterodoxia na gestão macro e do subsolo das negociatas pouco republicanas.
Como consequência, o pêndulo sociopolítico migraria necessariamente da esquerda intervencionista para a direita liberal. Depois do impeachment de Dilma e do surpreendentemente bom governo Temer, teríamos eleições democráticas. Havia, ingenuamente ou não, alguma esperança de que o novo pudesse acabar com a corrupção e, ao menos enquanto representado pelo PhD de Chicago, nos devolver o crescimento acelerado, o aumento de produtividade, o maior dinamismo da economia, a abertura, a meritocracia e o desenvolvimento.
Conforme muito bem definiu Felipe Guerra, da Legacy, entramos na última eleição presidencial tendo de escolher entre um tiro na cabeça (Haddad) e um tiro no escuro (Bolsonaro).
Escolhemos o tiro no escuro. Deu no que deu.
Há algo capcioso em relação ao tiro no escuro. Ele tem uma conotação negativa, claro. O risco de um tiro sem a capacidade de visão é enorme. A incerteza é gigantesca e as consequências podem ser trágicas. Mas o desconhecido não é necessariamente ruim a priori. Se olhado com critério, ele carrega em si alguma esperança. Traz o novo, que pode ser bom ou ruim.
A preocupação agora é de que não tenhamos sequer a esperança. A trágica morte aos 27 anos, típica dos ídolos roqueiros e dos heróis, não é do Plano Real em si, mas da esperança que havia nele contida.
O inferno é onde não há esperança. “Deixai toda a esperança, vós que entrais”, diria Dante. Neste momento, não temos sequer a prerrogativa do tiro no escuro. À esquerda ou à direita, são dois tiros na cabeça, que eliminam a chance de vermos de novo o Cristo Redentor decolando.
Ao menos, o desalento não nos traz expectativas ingênuas. A esperança pode ser também o pior dos males, conforme alerta Nietzsche, porque prolonga o sofrimento.
Sinto lhe dizer, mas o Cristo não vai decolar. Mas também sem motivos para desespero. Ele não vai cair de cara no chão. Presumo que ele continuará lá, incólume, parado, estagnado, tão estático quanto nossa condição, dos últimos anos, condenados à procrastinação macunaímica dos últimos 520 anos e à incapacidade de lidarmos com escolhas difíceis, de encararmos corporações e entregar-lhes uma negativa, sob as imperiosas restrições fiscais.
A parte boa dessa história? A Bolsa me parece barata aos 125 mil pontos. E com o yield do Treasury de dez anos pagando 1,35%, o mundo é de baixos retornos e o dinheiro terá de vir pra cá. Com tiro, porrada e bomba, o setor privado segue sendo fonte importante de geração de valor. A morte da esperança macroeconômica e sistêmica tem uma outra face: a construção de expectativas razoáveis, nos termos de Howard Marks, de perseguir-se boas histórias microeconômicas e idiossincráticas, alheias a esse barulho todo.