Mesmo em meio à pandemia de coronavírus, demissão de ministro, crise política e alta do dólar, um assunto antigo do ambiente corporativo conseguiu conquistar um certo espaço no noticiário. Esta última semana de abril começou marcada pelo desfecho nada amigável do acordo entre a americana Boeing e a fabricante de aviões brasileira Embraer (SA:EMBR3).
As negociações começaram em 2017, depois que a francesa Airbus adquiriu os direitos de fabricação dos jatos CSeries da canadense Bombardier e agitou o setor. A Boeing se viu pressionada a fazer uma movimentação para não ficar para trás e começou a costurar um acordo que previa a criação de duas joint ventures em parceria com a Embraer. Na prática, a companhia brasileira separaria sua seção de aviação comercial das demais áreas da empresa, de jatos executivos e Defesa.
Nessa divisão, uma primeira JV atuaria no setor militar, e a divisão seria de 51% de participação para a Embraer e 49% para a Boeing, deixando o controle nas mãos da companhia brasileira. Já a segunda seria chamada de Boeing Brasil-Commercial e atuaria na aviação comercial, ficando 80% para a gigante americana e 20% para a brasileira que, por sua vez, receberia US$ 4,2 bilhões como compensação – algo em torno de R$ 23,7 bilhões.
No entanto, nada disso se concretizou e, após a desistência do acordo por parte da Boeing, as ações da Embraer (EMBR3) despencaram no pregão da última segunda-feira (27) e chegaram a ser negociadas por valores inferiores aos de 2009, registrando mínima de R$ 6,91 e recuperando-se parcialmente depois para fechar a R$ 7,66.
A história não deve acabar assim, e um longo processo judicial ainda deve ser travado entre as ex-futuras-sócias. De qualquer forma, a companhia brasileira, que tem grande parte de sua receita impulsionada pela aviação comercial, passa a ter que encarar sozinha a crise que ameaça todo o setor de aviação.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema que vem pela frente, ainda no início da epidemia, em janeiro deste ano, a IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, na sigla em inglês) havia calculado que, caso o vírus ficasse mais restrito à China, a perda de receitas das companhias aéreas ficaria na casa dos US$ 29 bilhões (4,7% da projeção de receita para esse ano), concentradas nas aéreas da Ásia/Pacífico. Isso significaria uma retração de 13% em relação à projeção de receita para a região. Já fora da Ásia, o maior efeito seria para as aéreas norte-americanas, que teriam um impacto de 0,7% nas suas receitas.
Mas, de lá para cá, muita coisa mudou e as companhias aéreas brasileiras agora lutam contra uma pandemia de proporções muito maiores. Neste contexto, de acordo com a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), ao final de março, as companhias associadas registraram retração de 75% na demanda por voos domésticos e de 95% por voos internacionais. E a previsão é de que a permanência do isolamento social e as restrições nos aeroportos continuarão afetando o setor que busca alternativas para redução de custos e manutenção das operações.
A companhia aérea Azul (AZUL4 (SA:AZUL4)), por exemplo, anunciou no dia 24 de março que esperava operar 70 voos diretos por dia, para 25 cidades, o que representa uma redução de 90% de sua capacidade total.
Já a Gol (GOLL4 (SA:GOLL4)) inicialmente anunciou uma redução de sua oferta de assentos entre 60% e 70% até meados de junho, sendo uma redução de 50% a 60% no mercado doméstico e de 90% a 95% em voos internacionais. No mesmo dia 24 de março, a companhia também comunicou que manteria apenas 50 voos diários entre Guarulhos e as capitais dos outros estados. Com essa decisão, a companhia reduziu em 92% a oferta doméstica e em 100% a internacional.
A Latam, por sua vez, anunciou uma redução de 70% na sua operação no dia 16, mas deve anunciar em breve um novo corte. Mesmo com a atuação em outros países, no Brasil ela deve ficar em linha com o observado nas outras companhias, que mantiveram apenas voos que possibilitassem que nenhuma região do país ficasse isolada durante essa crise, em acordo fechado com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Sempre visto como um setor delicado, a recuperação da aviação comercial no país deve demorar bastante. Isso porque a retomada está diretamente ligada à flexibilização do isolamento social e da retirada das restrições de deslocamento dos indivíduos. Mas, mesmo depois disso, nada garante que as pessoas não vão continuar evitando a opção coletiva de transporte por mais tempo ou mesmo evitando viagens para diversos lugares do Brasil e do mundo com diferentes estágios de contaminação.
Diante desse cenário turbulento, o pacote de socorro de R$ 10 bilhões anunciado pelo BNDES torna-se fundamental para a sobrevivência das companhias, mas também tem gerado preocupação sobre os termos. Isso porque o crédito anunciado será dado por meio de debêntures emitidas pelas três grandes (Gol, Latam e Azul) e subscritas pelo banco estatal com as ações das companhias como garantia. Neste modelo, o governo acaba por ter uma boa fatia de cada empresa, o que abriria espaço para um socorro final via estatização, o que também não é nada bem visto pelo mercado.
Já a Embraer, por sua vez, apesar de poder atender a vários mercados internacionais, não vai encontrar situação muito diferente em outros países e terá de promover uma grande readequação interna para se ajustar ao seu novo plano de voo.