Foi no primeiro dia de julho de 1994 que o Brasil conheceu o principal artefato da profunda mudança que se iniciou meses antes. A nova moeda, o Real, trouxe esperança na forma de uma ruptura com o passado altamente inflacionário, não só por se diferenciar das abordagens anteriores de planos como o Cruzado, o Bresser, o Verão e Collor, mas porque o resultado foi distinto: deu certo. Deu muito certo. Deu estruturalmente certo.
O plano foi apresentado em dezembro de 1993 e contava com quatro pilares: ajuste fiscal como, por exemplo, o Fundo Social de Emergência e a elevação geral de impostos em 5 pontos percentuais – em que pese a redução das alíquotas de impostos aduaneiros; reforma monetária, com a indexação plena da economia por meio da Unidade Real de Valor, a URV, uma engenhosidade concebida nos anos 80 e aperfeiçoada à época na maneira como era atualizada diariamente; âncora cambial em fevereiro de 1994 a VER foi vinculada ao dólar na paridade de um para um; o influxo de capital provocou eventualmente certa pressão para valorização e a taxa de câmbio chegou a R$ 0,85 por dólar para servir como pilar de referência das escolhas macroeconômicas, uma vez que o câmbio é fixo e o Brasil precisa ter mobilidade de capitais dada a baixa de poupança, a política monetária teve que ser subordinada à manutenção do câmbio; transparência: contaram para todos o que seria feito, como seria feito, o porquê de cada escolha.
Assim, os arquitetos do Real conseguiram equacionar as dificuldades econômicas, políticas, jurídicas e operacionais para conseguir colocar o país nos eixos, em meio a um ambiente doméstico desafiador, para dizer o mínimo, mas que contava com um cenário externo inicialmente mais favorável, seja no âmbito financeiro, depois do Plano Brady, ou na esfera comercial, em função da dinâmica dos preços de commodities. O plano foi cuidadosamente escrito, negociado e implementado. Quem diria que converter 2.750 cruzeiros reais (CR$) em um real (que era igual à um dólar), em um dia, seria possível em um país de dimensões continentais? Sim, o Brasil fez isso e fez muito bem.
O Real trouxe prosperidade e o plano também contava mecanismos para, ao menos tentar conter excessos: no passado, estabilidade com aumento de demanda trouxe problemas insustentáveis. Não dessa vez, já que, por exemplo, adotamos uma alíquota de depósito compulsório de 100% sobre novas captações de recursos pelo sistema financeiro para conter a euforia de gastos que naturalmente segue a estabilização. É verdade, no entanto, que do ponto de vista fiscal, ficamos devendo e a arrumação mais forte veio apenas alguns anos depois.
Ao longo dos meses e dos anos que seguiram o Real, a inflação se mostrou mais controlada e alcançou patamares muito mais civilizados. Ao domarmos o dragão da inflação, passamos a explorar outras possibilidades. O Brasil voltou a sonhar com a inclusão social e pôde compreender a importância da produtividade. Nada disso era possível enquanto a inflação mostrasse os seus dentes e ateasse fogo no país.