Saudações.
Entrei no mercado em 2007 na esteira do boom de IPOs: foi justamente por conta da demanda extra por análise gerada pelas ofertas daquelas grandes empresas ( cof, cof) que me foi oferecida uma oportunidade.
Naquilo, me encontrei. Tudo fruto do acaso – aos que esperavam uma história do tipo “sempre sonhei em trabalhar no mercado financeiro”, lamento: eu só caí naquele estágio, porque não havia passado em outro para o Detran. Às vezes, o destino conspira a favor.
Pois lá eu me encontrei. A dinâmica das ofertas exigia que cada caso fosse analisado individualmente. Prospecto por prospecto, balanço por balanço, tese por tese. Aquela rotina me transformou em leitor de nota explicativa, de ata de assembleia e de reunião de conselho. Das empresas que acompanhava, sabia as porcas e parafusos – e era aquilo, meu amigo(a), que me dava tesão no mercado.
O tempo passou e, com ele, vieram as mudanças de circunstâncias.
Meu papel mudou na esteira de sucessivas mudanças de posição. E o próprio mercado mudou: o grande Stuhlberger foi particularmente feliz quando, em abril de 2012, cravou na carta mensal do Verde que o Brasil entrava em umBull Market em Politics – ou seja, um período no qual a mão do Estado sobre a economia se tornaria ainda mais pesada do que o habitual.
Na época, não me foi óbvio: já ouviu aquela história do sapo na panela? No início, a água fria. À medida que ela aquece, o bicho não percebe – está até confortável no quentinho da situação. Quando, enfim, está prestes a ferver, já está todo dormente e incapaz de reagir... evoilá: temos um cozido.
Aquele foi meu momento sapo. Sem perceber, paulatinamente, as conversas com as empresas foram mudando: cada vez menos se falava em concorrência, iniciativas internas, novos projetos... e mais nos programas XPTO que o governo lançaria para beneficiar essa ou aquela indústria, a linha de financiamento com juro negativo que faria a demanda por esse ou aquele produto explodir para muito além do sustentável, e assim por diante...
Sem perceber, passava cada vez menos tempo olhando para as particularidades de cada empresa e mais acompanhando o cenário político. Menos tempo lendo nota explicativa e parecer de auditor e mais tempo cuidando da vida do Mantega.
Sem notar, a gente se perde. Algumas mudanças – para melhor também, mas aqui me refiro às mudanças para pior – acontecem silenciosamente. Quem está em volta até percebe que algo está errado, mas ninguém tem coragem de falar.
Um dia desses, fazia uma viagem de ônibus. Estava sentado na primeira fileira quando, de repente, me vi surpreendido pelo reflexo do meu próprio rosto no vidro à frente: por um instante, enxerguei-me velho; enxerguei-me amanhã.
É bom ter momentos de epifania como esses – muito especialmente quando ainda é tempo de mudar o curso das coisas.
Por que trago esse assunto?
Primeiro motivo: a despeito do choro predominante do empresariado que está de pires estendido para Brasília, os primeiros resultados corporativos do segundo trimestre começam a trazer surpresas interessantes. Não obstante de toda a barafunda do cenário politico, alguns setores parecem destoar positivamente – e são justamente os setores de ciclo econômico mais longo.
Fazia tempo que não via, por exemplo, o pessoal da indústria de bens de capital melhorando o tom do discurso. E incorporadoras – cá entre nós, setorzinho do qual tenho verdadeiro pavor – reportando crescimento relevante de vendas.
Ou seja, uma puta cara de fundo do poço. Pode ter alçapão? Sempre pode. Mas insisto: pela primeira vez, há muito tempo, converso com o pessoal das empresas sem sentir a necessidade de lhes abraçar no final do papo.
Talvez – eu disse talvez – o Bull Market in Politics do Stuhlba esteja ficando para trás enquanto assistimos ao cai-não-cai do Temer. Hora de mudar o foco?
Talvez, depois de muito tempo, estejamos voltando a um período no qual stock picking puro traga valor – e por puro me refiro na abordagem de casos individuais, de baixo para cima, nível “porca e parafuso”; não “vamos comprar mais beta, pois o mercado vai subir”.
Ou seja, precisamente o jogo que eu gosto. (Ou, justamente por isso, pode ser só wishful thinking meu, né?)
O segundo motivo é uma reflexão sobre a indústria na qual estou há uma década – e isto é engraçado: analista passa a vida analisando ( sic), mas raramente analisa a própria condição.
Recebi, um dia desses, um e-mail de um leitor que dizia não gostar da newsletter. Até aí tudo bem: o dia em que eu agradar a todos, não terei sentido de ser.
O que me incomodou foi o veredito do sujeito: do jeito que você está, é só mais um.
Sabe, leitor(a), eu estou vivendo uma fase particularmente interessante. Estou exatamente tentando voltar a ser eu mesmo após um longo período de letargia.
E confesso: aquela crítica me bateu fundo. Será que me tornei um deles? Caricatura daquilo que tanto combati? Será que me institucionalizei, tal qual os sujeitos que passam tempo demais na cadeia?
Não, não pode ser assim.
Eu quero voltar a ser o analista que era quando tudo começou.
Felizmente, para mim, a água ainda não estava quente demais.
Quem vem comigo?
***
Discurso é discurso. Vamos à prática.
Como você já sabe, eu venho há algum tempo trabalhando em uma tese de investimento um tanto... exótica. Trata-se do tipo de coisa da qual, atualmente, ninguém tem coragem de falar.
Está tudo pronto. Será ainda nesta semana.
Eu tenho a mais absoluta certeza de que, diante da tese que vou propor, vai ter gente que vai por as duas mãos na cabeça e proclamar: “o barbudo enlouqueceu”.
Talvez eu seja mesmo louco. Louquinho. Mas as melhores pessoas o são – palavras do chapeleiro.
O que eu não quero, jamais, é ser confundido de novo com a turma da qual não faço parte – e não quero, do fundo da alma e de jeito nenhum, fazer.
Por isso, fique de olho na sua caixa de e-mails.
E cuide-se.
Tem uma guerra lá fora – e agora, mais do que nunca, vem chumbo grosso pela frente.