No mês de setembro, a Netflix (NASDAQ:NFLX) lançou sua produção original Rei dos Stonks: minissérie alemã que conta a história de uma fintech recém listada na bolsa de valores do país (DAX). Cercada de trapaças e inconsistências, desde os números apresentados em seu IPO, passando por detalhes sórdidos de governança, cujo forte apelo publicitário, tenta colocar seu (megalomaníaco) CEO ao lado de figuras como Elon Musk, através de manipulação de dados e tentativas de enriquecimento ilícito.
Apesar de a série ser fictícia e satírica, hiperbolizando as dinâmicas entre os agentes do sell side, sua abordagem acerta ao demonstrar uma prática comum em todas as bolsas de valores mundiais: os mecanismos que levam uma empresa a abrir seu capital.
Toda a burocracia envolvida passa por um órgão regulamentador – no nosso caso, a CVM (instrução normativa 480), que é responsável por verificar a coerência das informações apresentadas. Mas sua estruturação não depende do órgão regulador e é ai que está o pulo do gato: o processo de IPO é conduzido por instituições financeiras que recebem milhões para - com base em dados operacionais até então, digamos, não auditados com tanta diligência - apresentarem um valuation atrativo. O banco fará todo o possível para tornar crível o crescimento projetado e precificará o ativo com base nessa análise.
Junte a isso uma campanha de marketing agressiva e... voilà!
No caso das techs, empresas consideradas “de crescimento”, onde a distorção no valuation pode ser ainda mais brutal, pode morar o maior dos “mapas errados” para o investidor, posto que seu crescimento depende de fatores econômicos, entregas agressivas de resultados trimestre a trimestre, além claro de condições exógenas, como o comportamento do mercado global, ciclos econômicos e concorrência acirrada.
Penso que investir em IPOs não seja muito diferente do que foi, por exemplo, apostar no sucesso das paletas mexicanas, numa raiz da Amazônia que promete baixar o colesterol, ou de uma nova criptomoeda que seria a sucessora das estabelecidas no novo mainstream do capitalismo de curso não forçado.
Em todos os casos citados, há um fenômeno da psicologia conhecido como FOMO (Fear Of Misssing Out) ou numa tradução literal, “medo de ficar de fora de uma grande oportunidade.” Fato é que, num IPO não há informações contábeis suficientemente confiáveis que possam embasar um racional de investimento de longo prazo.
A solução mais inteligente? Esperar. Se a empresa apresentar resultados de lucratividade trimestre a trimestre, você não terá perdido nada por não ter entrado de cabeça na sua abertura de capital. Hold your horses!
Nunca se esqueça: a cotação segue os resultados. Não se trata de uma aposta e sim de pagar barato por um negócio que se sustente num crescimento constante e que esteja, pela sua diligente análise, subprecificado pelo mercado.
Uma última observação: voltando à série, vale a pena observar a dinâmica de uma das práticas de alavancagem mais perigosas disponíveis no mercado e que podem te levar não apenas a insolvência, mas a um endividamento impagável, a venda à descoberto de um ativo específico. Lembrando o oráculo de Omaha (Warren Buffet), "A primeira regra é não perder dinheiro. A segunda, é nunca esquecer a primeira".