Silêncio nas arbitragens: Prejuízo a quem já sofreu perdas consideráveis

Publicado 30.04.2025, 13:45

Imagine seu investimento derreter na ordem de 99,5% ao longo de 24 meses. Em termos práticos, isso significa que a cada R$ 100 aportados, você ficou com apenas R$ 0,50 ou de R$ 1.000 sobraram R$ 5,00. E  assim por diante. Mas pior do que perder praticamente todo o investimento, é assumir um prejuízo que não está relacionado ao seu apetite a alto risco, a fazer apostas em cassinos ou nada parecido. Na verdade, a perda dessa magnitude só ocorreu porque o investidor foi totalmente enganado por falsos resultados que levaram a um valuation errado da companhia e, de uma hora para outra, a realidade veio à tona. E da noite para o dia, o rombo bilionário nasceu.

O que o investidor deve fazer em um cenário como esse para tentar reaver, ao menos, parte de suas perdas? Na verdade, em casos assim, a única saída possível é através da Arbitragem, pois não é possível buscar a justiça comum. Por regra, a adesão à Câmara do Mercado da B3 (BVMF:B3SA3) é obrigatória para as companhias que fazem parte do Novo Mercado, do Nível 2 das Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa. E aí vem outros desafios: as regras específicas e o alto custo do processo de arbitragem, que acaba tornando proibitivo a investidores comuns buscarem seus direitos.

Para se ter uma ideia de valores, o primeiro é a taxa de administração do procedimento arbitral devida à Câmara de Arbitragem. Seu valor varia de R$ 1.000 a R$ 3.000 mensais e deverá ser pago desde o início do procedimento até a apresentação às partes da sentença arbitral ou da decisão quanto ao pedido de esclarecimentos. No entanto, o que pesa mesmo é a remuneração dos árbitros, devida por conta de sua atuação no procedimento arbitral. A partir de 01 de julho de 2023, o valor passou a ser R$ 1.200 por hora trabalhada. E se você não concordar com os nomes dos árbitros escolhidos, terá que pagar o valor dos honorários arbitrais devidos ao Comitê de Impugnação que será de R$ 15.000. Isso, sem falar dos custos com advogados, peritos técnicos entre outros.

Como se vê, os valores cobrados inviabilizam que um acionista que tenha tido perdas medianas busque ressarcimento. Ora, se você colocou R$ 10.000 e resgatou R$ 50, com uma perda de R$ 9.950, não há sentido arcar com todas as custas da arbitragem para reaver os recursos. Na verdade, irá até gastar mais do que tem a receber. E aí é que está a importância da ação coletiva. Unindo vários investidores que tiveram prejuízos por conta da mesma fraude da mesma companhia, é possível arcar com os valores exigidos e buscar advogados especializados em processos arbitrais que envolvam o mercado de capitais, o que não é trivial.

No caso da Americanas (BVMF:AMER3), por exemplo, foram reunidos cerca de 500 investidores, desde pequenos a institucionais, para buscar ressarcimento da integralidade dos prejuízos causados pelas fraudes contábeis. O valor da causa, também segundo o que já saiu na imprensa e que foi divulgado pela própria companhia, é de R$ 32 bilhões.

Sem que estivessem juntos, tais investidores não conseguiriam buscar seus direitos. Mas aí também entra outro desafio: o sigilo do processo. As centenas de pessoas que se uniram para abrir o processo de arbitragem contra a companhia não podem se manter informadas sobre detalhes  do procedimento e quais os próximos passos. Por quê? Se o representante der esse nível de transparência para aqueles que confiaram em seu trabalho corre o risco de perder tudo, pois qualquer vazamento de informação viola normas e pode causar transtornos graves ao caso. Sempre reiteramos a urgência de que não haja sigilo.

Em certos casos, sobretudo os mais antigos, nota-se que as companhias fazem divulgações seletivas: escondem o que lhes for negativo e dão holofotes a vitórias parciais. Geram, assim, outra deturpação informacional ao mercado. 

Enquanto o silêncio imperar nas arbitragens, o investidor lesado é condenado duas vezes: primeiro pela fraude, depois pela falta de acesso à plena informação. O modelo atual protege apenas a companhia, mas sufoca a transparência e a participação do investidor lesado e do mercado. Sem reformas no sistema e estímulo real à ação coletiva, continuará sendo mais barato para empresas fraudar do que para investidores se defenderem. E o prejuízo, mais uma vez, fica com quem menos pode arcar.

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