O BCB divulgou mais cedo a ata da sua última reunião e nos chamou atenção o parágrafo 15, em que podemos ler:
“15. O Copom concluiu que, neste momento, a manutenção do atual ritmo de ajuste associada ao aumento da magnitude do ciclo de ajuste da política monetária para patamar significativamente contracionista é a estratégia mais apropriada para assegurar a convergência da inflação para as metas de 2022 e 2023.”
Tudo o mais constante o documento da Autoridade Monetária valida nossa mudança de cenário, em que projetamos mais duas altas de 100 pontos base, o que fará a SELIC chegar a 8,25% ao final deste ano, seguido de mais uma alta de 75 e outra de 50 no início do ano que vem, fechando o ciclo em 9,50%. Cabe notar aqui alguns pontos.
O primeiro é que a última reunião do ano do COPOM ocorrerá em dezembro, logo será após a reunião do FOMC em novembro, e isto faz toda a diferença, uma vez que o FED deve iniciar ou deixar explícito o processo de moderação de compra de ativos que vem fazendo mensalmente. Isto não é uma política monetária contracionista necessariamente, mas só de não ser mais expansionista pode alterar a dinâmica de alguns vértices da curva de juros nos EUA, em especial os títulos de 10 anos que estão no holofote desde o início deste ano.
Se confirmada esta perspectiva, o mercado irá “naturalmente” exigir juros mais elevados, forçando o BCB a dar mais taxa, uma vez que entendemos que dado o atual estágio da inflação, das perspectivas fiscais e do câmbio da Autoridade Monetária está “atrás da curva”, como se diz.
Outro ponto importante a notar é a natureza da inflação atual e o instrumento disponível para o BCB debelar esta. Sabemos bem que a inflação atual é fundamentalmente derivada de choques de oferta e que contra isso muito pouco se pode fazer com o instrumento da taxa de juros, afinal não é porque se sobe a SELIC que commodities irão recuar no mundo, e muito menos SELIC é dança da chuva para regularizar os reservatórios no país que enfrentam uma severa estiagem.
Contudo, dado as características do tecido econômico brasileiro, há indícios que os choques podem ter se espraiado na economia dado algumas características destas altas recentes. Os principais pontos da nossa preocupação são:
1-) A alta de combustíveis e energia são produtos finais aos consumidores, mas são eles mesmos insumos de produção, logo há propagação desses choques e persistência inflacionária para além do aumento pontual inicial.
2-) A alta de energia elétrica tem a mesma característica dos derivados do petróleo ao gerar custos difusos, mas com um agravante: diferentemente do petróleo, em que a oferta pode ser regularizada para dar conta da demanda, a matriz energética brasileira é fundamentalmente hídrica e, neste sentido, não controlamos necessariamente a oferta. Dependemos de um regime de chuvas que, ao que tudo indica, deve permanecer desafiador.
3-) Por fim, sabemos que a economia brasileira é altamente indexada, apesar de termos controlado a inflação há anos. Isto revela características profundas da sociologia e mentalidade nacionais, mas que não iremos nos debruçar nesse momento, basta dizer que o IGP-M é uma fonte constante de retroalimentação inflacionária.
Por tudo isso temos uma situação peculiar e cuja resultante é de difícil solução, no entanto nos parece claro o cenário à frente. O BCB não terá outra forma de agir contra esse estado de coisas que não seja via juros em alta, uma quimioterapia que poderá comprometer o tecido econômico, mas que, na ausência de métodos mais precisos de intervenção cirúrgica, terá que ser feito. Sabemos bem como o mercado reagiria se o governo fizesse alguma intervenção na Petrobras (SA:PETR4), por exemplo; o efeito líquido disso seria mais desconforto e um aumento da “metástase” já bastante evidente.
O nível de dispersão da inflação é já bastante elevado para itens além dos diretamente atingidos pelos choques acima descritos, logo não há razão para supor que irão recuar tão rapidamente, o que faz as projeções para o ano que vem seguirem em alta. O IPCA projetado para o fim de 2022 já está em 4,12%, a décima alta consecutiva nas projeções dos economistas para o indicador. Lembramos que o teto da meta o ano que vem é 5% e, se o Brasil furar o teto duas vezes consecutivas (este ano sem dúvida irá ultrapassar o limite superior da meta), o efeito pode ser catastrófico nos curto e médio prazos na confiança no Sistema de Metas, exigindo-se ainda mais juros para conter a inflação de 2023.
O caso brasileiro também é peculiar para além da qualidade dos choques e a retroalimentação dos choques no tecido econômico, mas também pela magnitude da inflação. Numa lista dos nossos principais pares a inflação brasileira em 12 meses terminada em agosto é a segunda maior (9,68%) perdendo apenas para a Turquia (19,25%). Resolvemos tirar da lista a Argentina com 46,48% ou a Venezuela com 5500% (segundo o FMI) por considerarmos casos extremos, mas fica o registro das suas inflações.
Será um tratamento traumático ministrar juros elevados num ambiente já bastante deteriorado, mas não fazer isso logo – e com doses mais fortes na minha opinião – pode abrir espaço para infecções oportunísticas, como um câmbio mais elevado, o que faria o paciente arder em febre ainda mais, tornando a recuperação no geral ainda mais lenta e tumultuada.