Além dos impactos óbvios, como na economia mundial, provocados pela reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, existem implicações significativas para a dinâmica de fusões e aquisições (M&A) no Brasil, especialmente no segmento do middle market e empresas familiares. A política adotada de “America First” (“América Primeiro”), que privilegia a produção e o fortalecimento doméstico, pode impactar mercados internacionais por meio de novas tarifas, revisão de acordos comerciais e incentivos à produção local. Além disso, questões geopolíticas em constante evolução, como as tensões entre EUA e China, conflitos no Oriente Médio e Russia-Ucrânia, além de mudanças nas políticas ambientais globais, desempenham um papel crucial na reformulação de cadeias de suprimentos, padrões de comércio e fluxos de investimento. Todos esses fatores devem impactar no médio e longo prazo o cenário macroeconômico e estratégias empresariais, influenciando diretamente transações de M&A.
Durante seu primeiro mandato, Trump implementou medidas protecionistas, como a imposição de tarifas sobre importações e a renegociação de acordos comerciais. A expectativa é que, em seu segundo e último mandato, seguindo as regras da constituição Americana que não permite mais do que isso, ele continue com políticas semelhantes, o que pode afetar o comércio internacional e, consequentemente, as empresas brasileiras que dependem de exportações para os EUA, de setores como o agronegócio e indústria básica. Essas medidas podem impulsionar a busca por consolidações ou parcerias estratégicas para mitigar riscos, aumentando a atividade de M&A no país. Um bom exemplo disso foi a aquisição feita pela empresa brasileira Frasle, controlada pela Rondoncorp, da empresa mexicana de autopeças KUO Refacciones, em junho deste ano. Segundo o CEO e CFO da Frasle e Rondoncorp, a aquisição foi concretizada para “permitir que a empresa aproveite a onda do nearshoring – ainda mais com o aumento da taxação dos produtos chineses nos EUA”, além de se beneficiar das sinergias com a KUO no canal de distribuição da Dacomsa, que deve permitir à Frasle aumentar as vendas na América do Norte.
Diante desse contexto, empresas e investidores americanos estão cada vez mais atentos às oportunidades de M&A que possam oferecer acesso a mercados estratégicos, maior resiliência e inovação tecnológica. As pressões para realocar cadeias de fornecimento, fortalecer a segurança cibernética, buscar energia limpa e consolidar setores fragmentados criam um cenário dinâmico para operações estratégicas. Esse cenário deverá ficar ainda mais evidente dado que investidores e empresas americanas terão mais dificuldade em acessar o mercado chinês, abrindo caminho para grandes economias de exportação e potencial industrial, como o Brasil. O impacto de tais políticas em nosso país poderá ser sentido de maneira acentuada, visto que a nação é um dos maiores players em commodities, agricultura, energia renovável, indústria básica e tecnologia emergente. Além disso, as empresas do middle market – conhecidas por serem mais ágeis e com maior capacidade para inovações – se destacam como alvos e protagonistas naturais em um cenário de transações transformadoras.
Outro fator relevante que poderá ser impactado com as políticas do governo Donald Trump é o acesso a financiamento e volatilidade cambial. O cenário mais “acadêmico” desenha uma valorização do dólar, o que deve levar bancos centrais de outros países, como o Brasil, a elevarem suas taxas de juros. No médio prazo isso também pode significar um aumento da inflação tanto nos Estados Unidos, que já vive um cenário de emprego pleno, quanto em outros países que possuem grande dependência da economia americana e produtos dolarizados, como as commodities. Nesse cenário, pode-se dizer que investidores e empresas terão menos facilidade em acessar financiamentos vantajosos para uma estratégia de crescimento no Brasil, seja ele orgânico ou inorgânico, por meio de M&As.
Em anos eleitorais, é comum que empresas e investidores posterguem grandes decisões e movimentos estratégicos para um momento pós-eleição em que o cenário e expectativas deixem de ser apenas projeções. Naturalmente, devemos ver um aumento de fusões e aquisições de empresas e investidores americanos nos próximos meses, que foram represados com a incerteza do cenário econômico e político a depender do novo presidente, com visões bem distintas entre Trump e Kamala Harris. Além disso, de forma geral, a campanha de Donald Trump possuía um grande apelo ao empresariado americano, o que deverá gerar um sentimento de maior otimismo e propensão a realizarem investimentos estruturais. Nesse sentido, transações de M&A entre empresas americanas e brasileiras podem se intensificar a partir de 2025.
Em suma, a reeleição de Donald Trump pode criar desafios e oportunidades para os M&As no Brasil, especialmente para empresas de middle market e familiares. Com políticas protecionistas e tensões comerciais, empresas brasileiras e americanas podem buscar consolidações para mitigar riscos. Simultaneamente, o Brasil pode se beneficiar como destino de investimento para investidores e empresas americanas que buscam diversificação frente às restrições com a China. Embora o financiamento possa ser mais restrito, a relevância do mercado brasileiro e adaptabilidade das empresas pode facilitar seu crescimento e competitividade, intensificando as transações entre Brasil e EUA.