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Trump nomeia Scott Bessent: Plantas embaixo do aquário

Publicado 26.11.2024, 10:15
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Caio me convida para o show do Keinemusik. Peço ajuda para o ChatGPT. Não conhecia. Agradeço gentilmente. Não é muito a minha praia. A coisa mais nova que escuto deve ser o Smashing Pumpkins. No Brasil, parei em 1986, naquele disco Dois da Legião. As favoritas são aqueles tesouros escondidos, espécie de Lado B. Deve ser meu interesse pelas small caps: “Acrilic on Canvas” e “Plantas embaixo do aquário”, embora deva gratidão genuína a “Tempo Perdido”, cuja execução no violão rendeu uns golzinhos por aí. Num passado bem distante, claro. Era paleozoica. 

"Faça do bom senso a nova ordem” é a frase imperativa para anunciar o refrão. A nomeação de Scott Bessent para secretaria do Tesouro norte-americano é um flerte com a racionalidade econômica, a moderação e o bom senso. 

Embora seja muito prematura, emerge a possibilidade de uma administração Trump mais fiscalista, o que seria surpreendente depois de uma campanha desprovida do necessário debate sobre a trajetória fiscal norte-americana. Bessent é tido como um “falcão fiscal”, discípulo de George Soros, ciente da preocupante escalada da dívida pública. Bessent também é um moderado, com histórico de doação para o partido Democrata. Pode impor tarifas aduaneiras conforme sinalizado em campanha, mas numa intensidade menor ao previamente temido.

E para a turma mais obcecada pela “guerra cultural”, que só via misoginia e truculência no governo Trump, a narrativa encontra um empecilho retórico: Bessent é gay. 

Depois de escolhas mais ideológicas para outros departamentos e outras secretarias, a nomeação de Bessent não poderia ser mais apropriada. A política econômica parece menos inclinada a radicalismo e a politização. Indicação de vitória do pragmatismo e da racionalidade, num momento bastante delicado da economia política em nível global.

Muitos traçam paralelos do momento atual com os anos 2000. O frenesi em torno da inteligência artificial guardaria semelhança com a bolha pontocom. Sempre precisamos nos preocupar com valuations esticados, mas a situação agora mostra empresas com balanços bem sólidos, gerando muito caixa. No agregado, embora os preços tenham, de fato, uma escalada impressionante, é ainda mais extraordinário o lucro das empresas ter andado com igual intensidade.

Outros tentam comparar 2024 com 1995, quando ganhos de produtividade empurravam os ativos de risco. Ainda teríamos bons anos pela frente até a explosão de 99/00.

No Brasil, também temos as próprias analogias. O paralelo popular da vez é entre o Lula III e a nova matriz econômica da era Dilma. O pé na tábua fiscal, a insegurança jurídica e o Estado como grande indutor do crescimento mostram a cara de um parecida com o focinho da outra. Mas há nuances a serem respeitadas. Apesar do vetor em direção razoavelmente parecida, o tamanho e a convicção importam. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. 

O BNDES agora está muito mais bem comportado, há menor intervenção na economia, não tivemos (ao menos até agora) nada tão amalucado quanto aquela MP 579, a equipe econômica mostra um mínimo respeito à aritmética das contas públicas (Haddad não é Guido), o Congresso refreia guinadas mais à esquerda, a inflação é muito menor do que aquela, a situação do balanço de pagamentos é muito mais confortável, a economia cresce em ritmo vigoroso (embora o prognóstico seja de desaceleração), o Banco Central é independente, as empresas estão em situação muito melhor, menos endividadas e com maior geração de caixa. A sociedade aprendeu (ao menos parcialmente) com os erros do passado e o escrutínio é hoje muito maior. Ao primeiro sinal do Pé de Meia fora do arcabouço, de gigantismo do BNDES ou da aventura do Vale Gás, o barulho é imediato.

Se fosse para apontar uma analogia do presente com o passado, suspeito que estejamos voltando exatamente 10 anos no tempo. O ano de 2025 pode ser a antessala de uma grande mudança do pêndulo político, em direção à responsabilidade fiscal, valorização do empreendedorismo, obediência às sinalizações do sistema de preço, maior segurança jurídica, reorientação do tamanho do Estado. Em sendo o caso, estaríamos contratando um ciclo extraordinário de valorização dos ativos brasileiros, semelhante àquele observado entre 2016 e 2019.

Já em relação ao ambiente internacional, receio de que as comparações com 2000 ou 1995 sejam imprecisas. Também afasto os mais pessimistas que estejamos caminhando para ideologias semelhantes àquelas dos anos 30, quando o totalitarismo preencheu um vácuo e presenciamos as trágicas emergências do fascismo e do nazismo.

Apesar de não ver um caminho tão ruim, já se pode notar a configuração de uma Nova Ordem Mundial. Quando vemos o recrudescimento das tensões na Ucrânia e vislumbramos a possibilidade de redução do apoio ocidental, a hipótese de Putin angariando boa parte do território ucraniano ganha probabilidade. O que aconteceria depois? Moldávia, Georgia, Lituânia, Estônia, Letônia? 

Como pano de fundo, há todo um questionamento da Ordem Mundial, dos tratados internacionais, dos fóruns, das entidades e das fronteiras estabelecidas pós-45. O nível de confiança e valorização em instituições como a Otan, a ONU e o Banco Mundial é o menor em vários e vários anos.

Se a hipótese otimista era de que a queda do Muro de Berlim representaria a síntese definitiva da democracia liberal e o fim dos conflitos dialéticos da História, a passagem do tempo indicou algo diferente. A Guerra Fria suprimiu uma série de conflitos regionais, que vieram à superfície quando de seu encerramento. É uma vitória intelectual de John Gray sobre Francis Fukuyama. Os valores ocidentais clássicos e a democracia liberal podem não servir a todo o planeta, em especial se a grande preocupação é com a segurança ou a sobrevivência. A partir do Leviatã de Thomas Hobbes, conseguimos entender que a democracia pode ser um valor menor para determinados povos sob grande ameaça e com sensação de insegurança.

Se continuássemos caminhando com vitórias de autocratas populistas sobre democracias liberais, incorreríamos no risco de voltarmos a um ambiente mais parecido com aquele anterior à Primeira Guerra Mundial, sem uma grande potência única dominante que impunha seus valores e instituições ao resto dos países. Vários grandes países e impérios existiriam isoladamente, com interações comerciais, fluxos de capital e de pessoas e, vez ou outra, conflitos bélicos regionais.

A nomeação de Scott Bessent é um passo na direção correta. Os mercados recebem de maneira positiva seu nome, inclusive abrandando o movimento do “Trump Trade”. O dólar se enfraquece, os yields dos Treasuries caem. 

Pode ser uma boa notícia para países emergentes, em especial para aqueles que entenderem o recado. A racionalidade econômica e a valorização da ciência são frutos do Iluminismo. O negacionismo da ciência não deveria ser o caminho. Serve para questões sanitárias — cloroquina não cura a covid-19. Serve para o respeito às contas públicas, porque palavras não pagam dívidas. Esperamos que o pacote fiscal não fique para semana que vem…

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