Um ajuste fiscal possível

Publicado 25.02.2014, 06:29

Foi um ajuste possível diante das circunstâncias. Neste ano teremos eleições e fica complicado realizar ajustes mais drásticos num período como este, até porque as emendas “paroquiais” são muitas e não atendê-las poderia significar perda de apoio político. Além disto, pelo lado das despesas, boa parte já é “carimbada”, ou seja, vinculada aos ganhos de arrecadação, sendo de difícil redução, e pelo das receitas, as dificuldades também são muitas, já que as desonerações seguem ocorrendo (mesmo que com cortes) e o crescimento previsto para este ano está sendo revisado para menos, não devendo passar de 1,7%. Façamos então uma análise sobre este ajuste, analisando o que pode ocorrer nos próximos meses.

O ajuste em si. Será de R$ 44 bilhões, com saldo primário previsto fechando 2014 em 1,9% do PIB, mesma taxa obtida em 2013, gerando caixa de R$ 99 bilhões. O governo central deve vir com saldo previsto de 1,55% do PIB e os regionais, 0,35%. Esta última meta, inclusive, foi considerada realista, sendo o mesmo patamar de 2013, quando o governo projetava 1%.

Pelo lado das despesas. O governo anunciou um crescimento das despesas de 9,5%, o mesmo ocorrido pelo lado das despesas líquidas em 2013. Entre 2008 e 2013 estas despesas cresceram, na média, 10%, o que torna duvidoso esta desaceleração. Acreditamos que só será possível se o governo acumular mais “restos a pagar”, como vem sendo regra nos últimos anos.

As discricionárias devem sofrer cortes de R$ 30,5 bilhões e as obrigatórias, de R$ 13,5 bilhões. Nas primeiras, aquelas que o governo tem liberdade para cortar, os maiores cortes devem vir pelo lado das emendas parlamentares, reduzidas em R$ 13,3 bilhões, investimentos do PAC em R$ 7 bilhões e orçamentos dos ministérios da Defesa (R$ 3,5 bilhões), da Fazenda (de R$ 1,6 bilhão) e da Justiça (de R$ 800 milhões).

Os cortes no PAC parecem estranhos já que o governo, na semana passada, havia anunciado um aumento de investimentos para 2014. Além disto, não são estas despesas que tem puxado o crescimento dos gastos nos últimos anos, mas sim as obrigatórias, focadas em custeio, na manutenção da máquina pública, como Pessoal e Encargos, Despesas Previdenciárias, etc.

Nestas, não se projetam cortes efetivos, mas sim revisão para baixo do que foi orçado antes. Dentre estas revisões, teremos: Desonerações da Folha (R$ 6,0 bilhões), Subsídios e Subvenções (R$ 6,7 bilhões), Benefícios da Previdência (R$ 6,7 bilhões) e Créditos Extraordinários (R$ 600 milhões). Lembremos que o governo anunciou o aumento deste programa de desonerações da folha para este ano, incluindo empresas de construção, transporte rodoviário e ferroviário de cargas, manutenção e reparo de embarcações, dentre outros.

Pelo lado dos subsídios, há contas que não fecham. O governo já enterrou, nos últimos anos, cerca de R$ 320 bilhões em aportes do Tesouro para o BNDES e outros bancos públicos, e pretende reduzir isto. O problema é que em algum momento estas instituições terão que pagar por estes aportes obtidos junto ao Tesouro. Muitos estimam, no entanto, que isto deve demorar décadas, mas este aporte é registrado na dívida bruta federal, em torno de 57,2% do PIB.

Pelo lado das receitas. O governo deve continuar contando com receitas extras neste ano. Em 2013 contou com recursos do Leilão de Libra e das dívidas parceladas dos Refis, totalizando algo próximo a R$ 40 bilhões, salvando o resultado fiscal deste período. Neste ano conta com o leilão de G4 da telefonia, esperando arrecadar algo em torno de R$ 12 bilhões. O governo trabalha com R$ 13,5 bilhões no total destas receitas extras. Chama a atenção, também, a revisão de crescimento de arrecadação para este ano, baseada num crescimento, segundo nossa opinião irreal, de 2,5% (antes era de 3,8%).

Segundo o governo, a arrecadação deve crescer 8,3% neste ano, mantida em 14,9% do PIB, mesmo patamar de 2013. Mas como isto é possível se o País deve crescer menos neste ano e as receitas extras serão menores?

Nossa projeção de crescimento para 2014 foi revisada de 2,0% para 1,7%, impactada pelo efeito carregamento de 2013 (aguardemos o PIB do quarto trimestre no dia 27/2), crédito mais apertado, risco de racionamento, perda de confiança dos agentes, volatilidade nos mercados, mesmo com a Copa do Mundo e as eleições, dentre variados fatores. Sendo assim, neste contexto, parece pouco provável que o resultado primário de 1,9% seja atingido, dada esta arrecadação menor, além de possíveis impactos nas despesas de energia.

Gastos adicionais com energia. Sobre estas o governo errou ao não ter uma visão mais clara sobre o impacto destes gastos para a gestão fiscal de 2014. Os aportes de recursos do Tesouro nas distribuidoras chegam a R$ 9 bilhões e devem totalizar R$ 16 bilhões com o uso intensivo das térmicas, mais utilizadas em função da onda de calor e seca recente, sobrecarregando o sistema. Quem pagará esta conta? Será tanto o contribuinte, com a piora fiscal, como o consumidor, se houver reajuste de energia, ao nosso ver, inevitável, previsto em torno de 15% a 20%. Isto, no entanto, só deve ser sancionado depois das eleições.

Comentários finais. O objetivo do governo será tentar ganhar tempo neste ano até as eleições, para depois, caso eleito, anunciar um ajuste mais pesado, maior pelo lado do aumento das receitas, não descartando a retirada de desonerações, a volta do CPMF, com as despesas, mais uma vez, sendo contingenciadas. Como a economia deve crescer menos do que o governo está estimando (nossa projeção é de 1,7% contra 2,5% do governo), a arrecadação será pior, o que coloca esta meta de saldo primário sob pressão. Com isto, tanto a dívida bruta como a líquida devem se elevar, o que colocará o Brasil na mira das agências de rating.

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