Estamos cansados de ouvir que o ano só começa depois do Carnaval. Se isso é verdade ou não, pouco importa. Fato é que, desde a data comemorativa, os mercados mundiais entraram na avenida com um bloco de notícias assustadoras. Parece que entramos num trem-fantasma da insegurança, incerteza e instabilidade!
Os ovos, as galinhas e o preço do milho
Depois do carnaval, vem a quaresma. Tenho amigos católicos que, além de fazerem a tradicional abstinência de carne, também resolveram passar 40 dias sem coisas que amam (ou das quais desejam se livrar): doces, refrigerantes, cigarros, redes sociais… Um esforço admirável - e o curioso é que, algumas vezes, mantêm esses hábitos para o longo prazo, vai entender o ser humano.
Mas a quaresma também traz outro fenômeno curioso: o aumento no consumo de ovos, substituindo a carne em muitas mesas. No entanto, essa não é a principal razão do aumento no preço da dúzia neste ano. O problema é global: nos Estados Unidos, surtos de gripe aviária reduziram drasticamente a oferta, enquanto o milho - base da ração das aves - encareceu cerca de 40% nos últimos meses. O resultado? Ovo virou quase artigo de luxo.
Promessas de isenção e a compensação para o andar de cima
Enquanto isso, por aqui, o governo tenta lidar com a queda na popularidade. E uma das jogadas foi anunciar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000. Um alívio? Talvez. Mas a pergunta que fica é: será que vai emplacar isso no Congresso e, ao mesmo tempo, conseguir cobrar mais de quem recebe acima de R$ 600 mil ao ano? Acredito que o Congresso até aprove a isenção, mas sugerirá outra forma de financiar isso, desde que não mexa com quem ganha mais de R$ 50 mil por mês.
Dá com uma mão e tira com a outra, está certo isso produção? O ideal? Reduzir impostos para todos e cortar gastos públicos não essenciais. Mas é difícil acreditar nisso quando vemos o Judiciário decidir que seus próprios gastos devem ficar fora do limite do novo arcabouço fiscal. É como tentar burlar as leis da natureza: a dívida e a inflação não podem (ainda) ser escondidas debaixo do tapete como confete depois da folia.
Trump, tarifas e um jogo de truco no tabuleiro geopolítico
No cenário global, o dólar vinha descendo a ladeira, perdendo força com o fim do chamado “Trump Trade”, caindo aproximadamente 7% desde o início do ano. Mas, recentemente, uma nova rodada de tensão comercial entre EUA e China mudou o ritmo da música. Trump resolveu aumentar tarifas sobre produtos chineses - alegando, num primeiro momento, que a China não estava fazendo o suficiente para conter o envio de substâncias usadas na produção de fentanil.
Parece que ele achou que estava jogando truco. Subiu a aposta com 10% de tarifa, como quem grita “truco!” esperando que o adversário se encolha. Mas a China não correu. Pelo contrário: devolveu o blefe com um “seis” bem colocado - tarifas sobre carvão, gás natural liquefeito, máquinas agrícolas, veículos e ainda restrições a exportações de terras-raras. Trump dobrou a aposta: aumentou para 20%. Justificou com os mesmos argumentos - o combate às drogas. A China respondeu com tarifas sobre alimentos e commodities essenciais como soja, milho, trigo, carnes e laticínios. A mão estava longe de acabar.
No início de abril, os EUA passaram a aplicar tarifas “recíprocas” a vários parceiros comerciais, atingindo a China com uma taxa de 34%, acumulando 54% no total. Pequim não ficou atrás: além da mesma alíquota, impôs novas restrições à exportação de sete terras-raras e sanções a quase 30 empresas americanas.
O clímax da rodada veio em 8 de abril, com Trump ameaçando mais um aumento - agora para 104% no total, com um acréscimo de 50%. A China, por sua vez, respondeu com um tom firme: “Estamos preparados para reagir, embora saibamos que não há vencedores em uma guerra comercial.”
Zelensky, blefes e a pressão das midterms
Curioso é lembrar que em janeiro, em outra mesa, Trump disse a Zelensky,presidente da Ucrânia, que ele "não tinha as cartas para dizer o que o outro deveria fazer". Agora, cabe a pergunta: será que é Trump quem está com as cartas suficientes para segurar esse blefe da China?
Sua desaprovação já superou a aprovação nas pesquisas, e há nervosismo entre quadros republicanos com as próximas eleições de meio de mandato, as famosas midterms. Já a China, operando sob um regime autocrático, tem mais ferramentas - digamos assim - para conter ou contornar a insatisfação popular interna. A dúvida que paira no ar: será que Trump aguenta a pressão até o fim da rodada, ou dirá que fez “o melhor acordo da história” e, num passe de mágica, tudo volta a ser como antes?
Brasil no meio do tiroteio (ou da oportunidade?)
Descendo ao hemisfério sul, o Brasil pode ser invadido por produtos que, impedidos de entrar nos EUA, China e União Europeia, acabarão chegando aqui, muitas vezes com preços abaixo do custo de produção, desafiando a competitividade da indústria local. Por outro lado, nosso agro pode sair beneficiado, podendo preencher o espaço deixado por algumas commodities americanas.
Viu só? Mesmo com tarifas aparentemente “baixas”, de 10%, ainda podemos ser pegos no contrapé. Diante disso, será que estamos vendo o início de uma grande virada histórica na economia mundial? Algo tão profundo quanto o fim da paridade ouro-dólar em 1971 ou as crises do petróleo nos anos 70? Só o tempo dirá.
Buffett, Musk e os ovos (caros) da cesta de ativos global
Enquanto isso, proteja-se. Diversifique. E, como diria o ditado, não coloque todos os ovos na mesma cesta, mesmo que estejam caros. Fácil falar, né? Mas lembremo-nos de Warren Buffett, que, mesmo com décadas de experiência, preferiu manter uma enorme reserva de liquidez por considerar muitos ativos com múltiplos fora da realidade, em níveis de preços estratosféricos.
Falando em estratosfera… impossível não lembrar de Elon Musk. Mas desde a volta de Trump à Casa Branca, o bilionário perdeu cerca de 1/3 de sua fortuna. Seus posicionamentos controversos parecem ter impactado diretamente as vendas da Tesla (NASDAQ:TSLA). E a concorrência chinesa? Está chegando com tudo, até eu já estou pensando em testar um BYD!
Trump recua, os mercados disparam e a calmaria continua distante
Mas, como se a novela ainda tivesse mais capítulos, o enredo deu mais uma virada na manhã do dia 09 de abril: Donald Trump voltou atrás. Após semanas de escalada retórica, decidiu manter as tarifas apenas para a China, retirando a imposição para os demais países. Resultado? Os mercados entraram em modo euforia.
A Nasdaq disparou, subindo mais de 12%. O S&P 500 teve alta de 9,5%. O petróleo, que vinha em queda livre nos últimos dias, também recuperou terreno - o barril do Brent chegou a 62,71 dólares. Foi como se o mercado, que até ontem estava em vigília, tivesse ouvido um “aleluia” vindo de Wall Street.
Esse movimento só reforça o ponto que discutimos: a imprevisibilidade continua sendo o maior inimigo dos agentes econômicos. Investidores não têm aversão a más notícias — eles têm aversão à incerteza. Preferem um cenário duro, mas claro, a uma montanha-russa de discursos e decisões contraditórias.
E talvez seja essa a verdadeira quaresma dos tempos modernos: uma abstinência forçada da previsibilidade. Um jejum de estabilidade que ninguém escolheu fazer, mas que todos estão sendo obrigados a cumprir.
Questões para quem decide e para quem investe
Diante de tudo isso, ficam algumas questões importantes para países, empresas e investidores pensarem com cuidado:
Países
Governantes, ministros e agentes públicos precisam, com urgência, se debruçar sobre uma questão central: como negociar com os Estados Unidos para reduzir o impacto das novas tarifas sobre o PIB e proteger as empresas que operam localmente? Além disso, é essencial acelerar a construção de novos acordos comerciais com outros países. Redesenhar as cadeias de suprimento e diversificar destinos de exportação é uma forma de reduzir a dependência de mercados instáveis e aumentar a resiliência econômica.
Empresas
Do lado das empresas, a dúvida que paira no ar é clara: ainda faz sentido investir pesado nos EUA, mesmo com custos elevados e a possibilidade de reversão tarifária em poucos anos, dependendo do humor político? Mais do que nunca, é preciso observar os movimentos dos concorrentes. Estão mudando de estratégia? Redirecionando investimentos para a Ásia, América Latina ou seguindo firmes no mercado americano? E a grande decisão estratégica: operar em regiões como Ásia, Índia e América Latina, aceitando margens mais apertadas em troca de previsibilidade, ou seguir nos EUA, assumindo o risco de instabilidade, inflação e possível recessão?
Investidores
Para os investidores, as incertezas não são menores. Onde está o menor nível de turbulência? Há algum mercado que ofereça hoje uma combinação razoável de estabilidade e retorno? Como se comportará a volatilidade cambial em meio a tantos eventos inesperados e tensões geopolíticas? E, no fim das contas, a pergunta que todos querem responder: quais países e empresas ainda apresentam boas oportunidades para alocação de recursos?
Estamos em tempos de perguntas difíceis e respostas escassas. Mas, como a quaresma nos ensina, às vezes, o melhor que podemos fazer é parar, refletir e fazer escolhas mais conscientes. Seja com relação à alimentação, aos investimentos ou às decisões políticas. No fim das contas, talvez o ano realmente só comece depois do carnaval. Mas esta quaresma… Ah, essa tem sido, mesmo, muito louca. E o único jejum nas notícias mundiais foi a abstinência da calmaria!
OBS: esse texto foi concluído no dia 09/04 , é bom informar já que a cada dia vem um novo flash do US, ou nova medida…