Batalha de narrativas
Noticiário global e local desfavoráveis dão o tom, lá fora e aqui, para dia de realização generalizada.
Bolsas americanas e europeias têm queda moderada, refletida também aqui. Dia é especialmente ruim para commodities metálicas, sobre as quais o feriado chinês (e a consequente falta de referências de preços por lá) exerce pressão adicional.
Juros em leve alta ao longo de toda a curva, refletindo cenário de cautela.
Principal responsável pelo estrago é a batalha de narrativas que se desenrola nos EUA desde a última sexta. Vamos à ela.
O dito e o não dito
Se você é leitor habitual deste M5M, já sabe que tenho preocupações com relação aos rumos do Trumponomics. Nem por isso deixarei de apontar que o grande tema do dia lá fora é uma imensa tolice.
Repercute a executive order (similar gringo da nossa Medida Provisória) assinada por Trump na última sexta, que suspende provisoriamente a entrada em território americano de cidadãos de sete países.
Ocorre que tais países são de maioria muçulmana. O que foi dito? “Muslim Ban” virou o mote do Fake News e já há quem levante até mesmo a hipótese de inconstitucionalidade… o que reforça a narrativa de que Trump é imprevisível e propenso a tratorar as instituições americanas. Resultado? Aversão ao risco por lá.
O que não foi dito — e pelo jeito quase ninguém viu — é que i) os afetados não foram escolhidos por Trump: tratam-se de países que figuravam na lista de countries of particular concern e ii) a suspensão é temporária e visa dar tempo à revisão de procedimentos de admissão de nacionais destes países… que constam em tal lista desde, pelo menos, fevereiro de 2016.
Quem era o presidente à época?
Há vários motivos para olhar com cautela para o que se passa por lá, e tenho falado neles sistematicamente. Mas, francamente, este não é um deles. Sigamos de olho no valuation, no debt ceiling e no otimismo potencialmente exacerbado que tem predominado desde as eleições.
Eike medo das delações
Por aqui, repercute ainda a homologação das delações da Odebrecht por Cármen Lúcia. O fato também contribui para maior aversão a risco no mercado local, com a perspectiva de abertura da caixa de Pandora.
Francamente, era fato líquido e certo que delações viriam — fosse agora, fosse semanas à frente.
E como fake news não é exclusividade americana, já há pasquins por aqui fincando as fundações para a narrativa de que o ato da ministra seria “político”. Escreva: daqui a pouco dirão que Cármem quer ser presidente.
A defesa número 1 do político corrupto diante de um Judiciário que simplesmente cumpre seu papel é insinuar que o julgador age por interesses políticos. Já vimos isso antes, não?
Como cereja do bolo, temos Eike de volta a terras tupiniquins e já sob custódia. O “padrão”, o “modelo de empresário” da era Dilma se diz disposto a dar sua contribuição para passar nossa história recente a limpo.
Mal posso esperar. Não conte comigo para hipocrisias do gênero “seria melhor se nada disso acontecesse, para não causar nervosismo nos mercados”.
Questão de consistência
Questionado sobre a possibilidade de a meta de inflação de 4,5 ser reduzida para 2019, Ilan rejeitou a hipótese: arguiu que questões estruturais devem ser resolvidas primeiro.
E tem razão: seria leviano — e inconsistente com o que fez até agora — da parte do presidente do BC dar uma sinalização destas neste momento… o que não implica, entretanto, que a mudança não seja factível mais à frente, como já aventei neste espaço ao falar das LTNs.
Mas primeiro é de fato necessário atacar outras questões que, embora encaminhadas, seguem pendentes. Neste sentido, não poderia ser mais propício o momento para ler Alexandre Schwartsman, que se junta a Marília Fontes no novíssimo Tesouro Empiricus.
Tensões redobradas
Pelo menos dois pontos de atenção no front europeu hoje.
O primeiro é a inflação na Alemanha que, em linha com o que alertamos edições atrás, atingiu o maior nível em três anos e meio, a 1,9 por cento anuais.
A aceleração de preços na Terra dos Teutos põe o Bundesbank em rota de colisão com o Banco Central Europeu. Aumentará a pressão para que Draghi e companhia reduzam estímulos monetários.
Só que é bastante heterogênea a situação dos diversos países da zona do Euro. Enquanto os alemães começam a se incomodar, outros países seguem em certa medida dependentes da política que está aí. Não há maneira simples de resolver o impasse.
E por falar em impasse, Grécia volta ao noticiário. O país enfrenta dificuldades no cumprimento dos requisitos para a liberação da próxima parcela de empréstimos, assumidos quando o acordo de socorro ao país foi firmado. FMI sinaliza que pode fechar os cofres, e representantes de outros países sinalizam que, nesse caso, outro acordo terá de ser firmado e aprovado por seus respectivos parlamentos… isso tudo em ano de eleição em diversos deles.
Volta-se a falar em Grexit: bem-vindo de volta a 2011. E nem se atreva a pensar que isso não faz preço: basta olhar para o passado.