Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Os preços de soja e milho deverão seguir em patamares elevados no próximo ano, com um aperto na oferta impulsionando as margens de agricultores, mas desafiando produtores de carnes do Brasil, notadamente do setor de frango, e aqueles que fazem confinamento bovino, disseram analistas do Itaú BBA nesta terça-feira.
"No mercado de grãos, não tem nada tão bom que não possa melhorar, e vai para outra safra muito positiva do ponto de vista de preços, mas também do ponto de vista da relação de trocas", disse o superintendente de Agronegócios do Itaú BBA, Guilherme Pessini, lembrando que a soja teve dobradas as cotações em reais no último ano, enquanto o petróleo, que influencia nos custos, está mais fraco.
Essa situação de alta nos grãos --usados como matéria-prima para a ração-- que deverá continuar em 2021, leva a uma preocupação para a indústria de proteínas animais, ponderou ele durante conferência de imprensa.
Do lado das commodities agrícolas, a China continua realizando firmes compras de soja, reduzindo o excedente exportável dos Estados Unidos, enquanto o Brasil (maior produtor e exportador global do grão) lida com um clima irregular que já atrasou o plantio.
Isso resultará em um início de colheita mais tardio, prolongando um aperto da oferta até o final de janeiro, quando o volume de grãos colhidos deve aumentar. Além disso, há preocupações com o impacto do La Niña para as lavouras do Sul brasileiro e Argentina.
Isso "joga responsabilidade para a safra" brasileira, disse o gerente de Consultoria de Agronegócios do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.
Ele lembrou que a América do Sul tem enfrentado problemas climáticos em meio a um La Niña e, apesar da aceleração do plantio de soja no Brasil nas últimas semanas, isso aumentou a concentração da safra em um mesmo estágio, o que eleva riscos em caso de alguma intempérie climática.
A bolsa de Chicago atingiu recentemente os maiores valores em mais de quatro anos, próximos de 12 dólares por bushel, impulsionado por temores quanto à oferta da safra sul-americana.
No mercado de milho, a história é semelhante à da soja. Ele disse que não há muito "espaço para que os preços caiam até a entrada da segunda safra do Brasil", quase na metade do ano que vem, quando chega a maior colheita brasileira do cereal.
No segundo semestre de 2021, há possibilidade de recuo nas cotações do milho, mas isso ainda estará condicionado ao tamanho da segunda safra, que será plantada mais tarde com o atraso da soja, o que eleva risco de eventual falta de chuva.
DESAFIOS PARA CARNES
No caso da indústria de frango, a alta do produto foi insuficiente para fazer frente ao custos com a ração, o que fez com que o resultado das granjas ficasse negativo em meio a preços recordes da soja e do milho.
O consultor de Agronegócios do Itaú BBA, César de Castro Alves, disse ainda que a avicultura sofreu o impacto da queda do petróleo, que afetou a demanda por carnes do Oriente Médio, grande importador de aves do Brasil.
"Então a exportação não foi capaz de segurar o setor, e no mercado doméstico os preços ficaram defasados em relação ao dianteiro bovino e a carne suína", comentou.
"Ou o setor aumenta os volumes de exportação no próximo ano, ou o ideal seria reduzir um pouco a produção para fazer frente aos custos elevados", disse ele, lembrando que o fim do auxílio emergencial também afetará a demanda interna.
Para os segmentos de carne bovina, a situação é um pouco melhor, mas há riscos relacionados aos altos custos dos bezerros enquanto pecuaristas retêm fêmeas diante de preços recordes da arroba bovina.
"A gente enxerga uma possível continuidade desse quadro no próximo ano, isso faz com que produtores segurem as fêmeas, e no final do dia isso significa menos ofertas para frigoríficos", afirmou.
Para o ano que vem e para o próximo, acrescentou, o desafio do pecuarista vai ser fazer com que "bezerro caro" não encontre um boi gordo desvalorizado, o que pode comprimir margens do produtor.
O especialista citou ainda que, para a indústria, a situação atual é diferente da vista no ano passado, quando havia mais espaço para repasses de preço da carne no mercado interno.
"Passamos para 2021 com muitas incertezas na economia, dificuldade de repasses adicional, e a não continuidade do auxílio emergencial é um desafio, com um boi gordo valorizado e a necessidade de repassar preços, mas talvez sem o anabolizante que foi o auxílio emergencial."
Para o setor de carne suína, os embarques recordes em 2021, que devem atingir 1 milhão de toneladas, deixam o setor no positivo.
De acordo com Alves, a forte demanda da China, que busca recompor a oferta afetada pela peste suína africana, "construiu uma ambiente de elevação de preços que gerou margens espetaculares".
Segundo ele, o setor de suínos deve aumentar a produção em 5%, enquanto as exportações estão crescendo 40% no ano.