Por Ana Beatriz Bartolo
Investing.com - O petróleo é uma commodity de destaque por sua importância global como matéria-prima. Mas, ultimamente, o “ouro negro” ganhou atenção ainda maior do mercado pela alta volatilidade nas cotações.
Eventos globais como a crise do Covid-19 e choques como a guerra da Ucrânia fazem o petróleo passar por um “tsunami”. A extensão dos efeitos ainda é incerta, mas é possível que o setor esteja diante de uma revolução - e até mesmo o Brasil pode se beneficiar disso.
A escalada do preço do petróleo nos últimos meses é uma consequência do desequilíbrio entre oferta e demanda, reflexo da crise do coronavírus. Esse ciclo começou quando a pandemia foi decretada no começo de 2020: os preços do petróleo sofreram quedas históricas, com o barril do Brent chegando a custar US$ 19,33 no dia 21 de abril e o WTI a ser cotado com preço negativo no mesmo dia.
Victor Beyruti, analista da Guide Investimentos, explica que a chegada da pandemia causou pânico nos mercados. “A adoção dos lockdowns derrubou as projeções de demanda do petróleo, fazendo com que a indústria recuasse a produção e reduzisse o investimento", diz o especialista.
Desde então, com o controle da doença e o avanço de vacinas, os países começaram a retirar restrições de locomoção e a normalizar seus mercados, fazendo com que a demanda por petróleo voltasse para atender o que seria uma recuperação em “V” da economia mundial.
O problema é que, apesar da demanda agora já ter recuperado os níveis pré-pandemia - em torno dos 100 milhões de barris por dia - a oferta não acompanhou esse movimento. Por isso, ainda há um desequilíbrio. “A Opep não está produzindo no mesmo ritmo que ela produzia no pré-pandemia. Ela está lentamente voltando a produzir como antes”, explica Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco (SA:ITUB4). Em março deste ano, a Opep produziu 1,45 milhão de barris por dia (bpd) abaixo de suas metas, segundo relatório divulgado pela Reuters.
Guerra na Ucrânia
Se o cenário já estava desafiador, ele foi potencializado pela Guerra na Ucrânia. Com o início do conflito no final de fevereiro deste ano, os preços do Brent engataram uma escalada que teve o seu pico no dia 8 de março, quando fechou o dia a US$ 127,98. “A invasão russa à Ucrânia desencadeia novos medos de uma restrição na oferta de petróleo, elevando e sustentando os preços da commodity nos níveis praticados hoje", explica Beyruti.
Nesta segunda-feira, o petróleo Brent encerrou o dia negociado a US$ 102,29.
“Quando começou o conflito na Ucrânia, a gente estava vendo preços entre US$ 120 e US$ 130 o barril, incorporando um prêmio geopolítico que poderia ser causado pelas sanções econômicas. Hoje, a gente vê preços de tela que estão bem longe dos US$ 60 ou US$ 70, que é o que se estima como algo próximo de um equilíbrio mais de longo prazo”, comenta Passabom.
A Rússia é responsável por quase 10% das exportações globais. Assim, as sanções que foram levantadas contra o país criam mais uma restrição na oferta já debilitada de petróleo no mundo. A estimativa é que o país deixe de vender entre 1 milhão e 2 milhões de barris por dia durante a guerra. É possível que China e Índia comprem parte desses estoques, negociando a um preço mais baixo. “Mas, eventualmente, uma parte será perdida”, avalia Passabom.
Para Luiz Carvalho, analista do UBS BB, se a Rússia conseguir remanejar a sua logística para atender às demandas da China, principalmente de diesel, então é possível que haja uma reequilíbrio do mercado. Isso, porém, não é algo trivial de ser feito.
Além das questões de mercado em si, esse possível rearranjo envolve questões políticas. “Do ponto de vista geopolítico, muito possivelmente haverá dois blocos muito fortes daqui para frente: um formado pela China, Rússia e os países da Ásia, e outro formado pela Europa com os Estados Unidos”, detalha o especialista.
Como uma tentativa de ampliar a oferta de petróleo no mundo e reforçar o seu papel de liderança no ocidente, os Estados Unidos se comprometeram em liberar 1 milhão de barris de petróleo por dia das suas reservas estratégicas por seis meses, em um movimento que Carvalho chama de “político” e “paliativo”.
Segundo cálculos do Itaú, essa oferta de 180 milhões de barris deve ter um impacto entre US$ 5 e US$ 10 para baixo no preço do petróleo no curto prazo. Mas Passabom explica que isso não deve afetar o preço do barril no longo prazo, pois seria apenas um deslocamento da curva. “Os vencimentos mais curtos caem por causa dessa liberação, mas os mais longos sobem na linha de que tem mais oferta agora, mas depois vai ter mais demanda depois”, afirma a economista do Itaú.
O “cartel” do petróleo
Quando se fala em desequilíbrio entre oferta e demanda, é de se esperar que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), grupo de nações que dá as cartas nesse mercado, participe das discussões para evitar a volatilidade da commodity. Mas a organização se mostra resistente em aumentar a sua produção para aliviar os preços atuais.
Para Passabom, isso demonstra uma grande capacidade de coordenação entre os membros da Opep, por manterem sua estratégia apesar do incentivo para aumentar a produção. "Eles não vão responder com mais produção algo que para algo que eles julgam mais como um conflito ou prêmio geopolítico. Há uma guerra, mas não é o papel da Opep ajustar oferta, ainda mais quando esses preços em nível alto são bons para todos os países membros”, comenta a especialista do Itaú.
Se é interessante para a Opep manter um nível mínimo, uma disparada sem limite nos preços também pode ser prejudicial. “Do ponto de vista de arrecadação dos países que formam esse cartel, o petróleo abaixo dos US$ 70 cria um problema fiscal. Mas, ao mesmo tempo, também não interessa para eles terem um petróleo acima dos US$ 100 ou então dos US$ 120, porque de alguma forma, isso acelera o processo de transição energética”, explica o analista da UBS.
Eventualmente, a guerra na Ucrânia deve terminar e, com isso, os preços do petróleo devem retornar a algo entre US$ 80 e US$ 90, avalia Carvalho.
A chance do Brasil
Em meio ao aumento da demanda, conflitos na Rússia e a recusa da Opep de mudar sua estratégia, um dos países que pode se beneficiar é o Brasil.
Hoje, o país produz cerca de 3,7 milhões de barris de óleo equivalente por dia e consome algo próximo de 2,5 milhões. Apesar da Petrobras (SA:PETR4) ter um peso relevante nessa conta, a tendência é que mais players privados entrem no mercado brasileiro, o que deve aumentar a produção nacional.
“O Brasil é um país seguro, não tem guerra, não tem quebra de contrato, salvo raríssimas exceções, e já é um exportador de petróleo. Então, a gente vai se tornar um exportador ainda mais relevante”, avalia Carvalho.
Os próximos cinco anos terão um papel fundamental nesse processo de ampliar a participação do país no mercado internacional, de acordo com o analista da UBS. Isso porque as unidades que ajudarão no aumento da produção brasileira já estão em construção e o que falta é esperar os equipamentos ficarem prontos.
Passabom, do Itaú Unibanco, também avalia que com o preço elevado do petróleo, alguns poços que antes eram menos rentáveis podem ficar um pouco mais atrativos pela sua capacidade de resposta no momento. A especialista é um pouco mais cautelosa e destaca que hoje o Brasil já produz aquilo que é possível produzir.
Energia limpa
Parte da demora de reação das petrolíferas em aumentar a produção está relacionada com o fato de que os investimentos no setor estavam em queda nos últimos anos. Beyruti, da Guide Investimentos, afirma que a busca por uma matriz energética mais limpa vem reduzindo a injeção de capital na indústria de petróleo nos últimos anos.
A visão é compartilhada por Passabom: “Se você não está investindo em nova capacidade de produção, você acaba não conseguindo responder com a oferta muito rápido. Ou seja, você acaba tendo preços para cima no curto prazo”.
Mas a demanda atual por petróleo também não deve acabar de um ano para o outro. “Assim, um quinto da produção de petróleo no mundo vai para consumo de veículos leves. Quase 80% da produção vai para aviação, geração de energia, transporte de carga, petroquímica e coisas assim. Não existe capacidade no mundo para fazer uma transição energética agora, pois demoraria muitos anos para que isso aconteça”, calcula Carvalho especialista do UBS.