Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central vê barulho quanto ao efetivo apoio do Planalto à sua autonomia formal, sancionada em lei deste ano, mas não movimento ou pressão do presidente Jair Bolsonaro contra o status recém-adquirido, disseram duas fontes da autoridade monetária à Reuters, sob condição de anonimato.
"(Não há) nada direto conosco", afirmou uma das fontes.
O fato de o procurador-geral da República, Augusto Aras, ter se manifestado no fim da abril pela inconstitucionalidade da lei de autonomia acendeu internamente o alerta no BC, até pela ligação entre Aras e o presidente.
Por isso, notícias de que Bolsonaro estaria arrependido quanto à autonomia não foram percebidas como surpresa, prosseguiu a fonte, destacando, por outro lado, que não houve pressão quanto ao tema e que a expectativa segue sendo de que o Supremo Tribunal Federal (STF) irá chancelar a autonomia.
Na sexta-feira, a agência de notícias Associated Press publicou que Bolsonaro confidenciou a interlocutores ter se arrependido da lei de autonomia, que assinou em fevereiro.
À Reuters, o Palácio do Planalto respondeu, via assessoria de imprensa, que Bolsonaro é favorável à autonomia do BC.
O STF deve julgar nesta quarta a validade da lei, que estabeleceu mandatos fixos para presidente e diretores do BC. Esses mandatos não coincidem com o do presidente da República com o objetivo de resguardar a instituição de ingerência política.
A contestação da lei foi apresentada pelo PT e PSOL e o relator no STF da ação, ministro Ricardo Lewandowski, julgou o pedido procedente. Tanto Lewandowski quanto Aras justificaram que o projeto de lei sobre o tema deveria ter saído do Executivo, e não do Senado, uma vez que somente a Presidência da República poderia propor a perda de poder sobre um órgão da administração pública.
Uma terceira fonte da equipe econômica ponderou que, a despeito dos barulhos políticos --afinal, a autonomia do BC tira da alçada do Planalto qualquer influência sobre a gestão monetária--, a agenda da autonomia integrou as discussões sobre o plano de Bolsonaro para o governo desde antes da campanha eleitoral de 2018.
"Está com momento de muito ruído", disse a fonte, complementando que dentro da equipe econômica a avaliação é de que a inflação alta deriva em grande parte do aumento nas commodities, sendo também influenciada pelo ritmo mais forte da retomada econômica.
No time do ministro Paulo Guedes, há o sentimento de que a autonomia do BC foi um feito com custo de aprovação política, tentado sem sucesso por governos anteriores, e que não há nenhum sentido em retroceder no status conferido à autarquia.
Essa leitura tem sido passada a Bolsonaro, apesar de o presidente ter culpado, nos últimos dias, os governadores e as medidas de lockdown pela alta de preços na economia.
No Twitter, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, escreveu na sexta-feira que "a relação do governo com o BC é excelente" e "que a autonomia da autoridade monetária é um avanço histórico e irreversível".
"Parem de inventar fagulhas que não existem. Responsabilidade, por favor. Não existe nenhuma, repito, nenhuma crise entre o presidente Bolsonaro e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto", disse.
O BC tem como principal missão combater a inflação e, nesse sentido, a liberdade para mexer na taxa básica de juros é seu principal instrumento.
Campos Neto tem martelado em ocasiões recentes que a autoridade monetária fará o que for preciso para ancorar as expectativas de inflação, que têm se distanciado da meta para 2022 em meio ao expressivo aumento dos preços.
Nos 12 meses até julho, a inflação medida pelo IPCA beirou 9%, distante da meta central de 3,75% para este ano, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou menos. Para 2022, as expectativas mais recentes apontam para um IPCA de 3,93%, acima da meta central de 3,50%.
O BC já manifestou a intenção aberta de levar a Selic --hoje em 5,25%-- para o patamar restritivo, isto é, que atua no sentido de desaquecer a economia. No mercado, a expectativa é de que 2022, ano de eleições presidenciais, comece com a taxa em 7,5%.
Procurado, o BC não se manifestou até o momento.
(Por Marcela Ayres, com reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)