Investing.com - O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu nesta quarta-feira (31) pela manutenção da taxa básica de juros, Selic, em 10,5%. É a segunda reunião seguida que o colegiado do Banco Central do Brasil (Bacen) mantém a taxa Selic neste patamar. A decisão foi unânime.
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O que diz o comunicado do Copom?
Embora tenha mantido o balanço de riscos igual para ambas as direções de inflação (acima e abaixo da meta), além da necessidade de manutenção de uma política monetária contracionista até que a inflação desacelere e as expectativas sejam ancoradas no centro da meta, houve novidades no comunicado atual em relação ao anterior. No cenário externo, foi acrescentada a "menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, [...] exigindo cautela por parte de países emergentes".
A menção se refere à recente decisão do Banco do Japão, que subiu hoje de madrugada a taxa de juros para 0,25% enquanto o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) se prepara para iniciar o seu ciclo de cortes - mesmo que o Copom mencione as incertezas quanto ao início da flexibilização monetária nos EUA. Já o Banco Central Europeu já iniciou em junho os cortes, e o Banco da Inglaterra deve começar amanhã.
No cenário doméstico, as projeções do colegiado para inflação e dólar se deterioram. O dólar no cenário de referência subiu de R$ 5,30 para R$ 5,55, enquanto a projeção da inflação subiu de 4% e 3,4% para 4,2% e 3,6% em 2024 e 2025, respectivamente, com forte impactado dos preços administrados, com estimativa de alta saindo de 4,4% para 5% este ano, enquanto para 2025 se manteve em 4%. No cenário alternativo, em que a taxa Selic se mantém constante em 10,5%, a projeção do IPCA para 2024 é de 4,2% e 3,4% para 2025.
A novidade é que as estimativas de inflação para 2024 e 2025 estão no rodapé do comunicado. No meio do texto, foi inserida a projeção do IPCA para o primeiro trimestre de 2026, a qual foi estabelecida em 3,4% para o cenário de referência e 3,2% no cenário alternativo. Essa nova indicação do horizonte temporal é resultado da mudança da metodologia do regime de metas de inflação de ano-calendário para "contínua".
Em relação ao mercado de trabalho e à atividade econômica, o comunicado continua mencionando um dinamismo maior do que o esperado, com um destaque da inflação de serviço mais resiliente citada como um dos fatores do balanço de risco devido a um hiato do produto mais apertado. Na política fiscal, foi mencionada pela primeira vez a percepção dos agentes econômicos sobre as contas públicas, que influenciam os preços dos ativos e a expectativa dos agentes. Por isso, o Copom prescreveu uma política fiscal que esteja comprometida com a sustentabilidade da dívida para ancorar as expectativas de inflação e reduzir os prêmios de risco dos ativos financeiros, o que condicionaria a uma condução mais facilitada da política monetária.
O que dizem os economistas?
"O mercado esperava tom bem mais duro do que este comunicado entregou", aponta Leonardo Costa, economista do ASA, relembrando que havia projeções de economistas que esperavam uma sinalização de alta dos juros para as próximas reuniões. "Comunicado hawkish, taxa estável e, dependendo de condições dessas variáveis, principalmente sobre o comportamento do câmbio, pode-se ter alta da Selic para 2025", diz Luiz Rogé, economista e gestor de investimentos da Matriz Capital Asset.
"Quem defende uma alta de juros pode argumentar que a deterioração das expectativas fiscais e a demora na convergência da inflação de serviços justificam essa posição", afirma Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, que considera uma decisão acertada do Copom, especialmente "em manter o tom do comunicado semelhante ao anterior" na visão de Cruz. "O comunicado mantém uma margem de dúvida tanto para aqueles que esperam uma alta quanto para os que preveem manutenção", prossegue o estrategista da RB.
"Um um tom duro, mas com efeitos expansionistas sobre os juros longos. "Apesar do tom extremamente cauteloso, o efeito líquido de todos os pudores monetaristas do Banco Central é expansionista. A perspectiva austera do BCB fará, necessariamente, que os juros mais longos caiam", projeta Perfeito.
Confira abaixo a íntegra do comunicado:
O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza sobre os impactos e a extensão da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e sobre as dinâmicas de atividade e de inflação em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A desinflação medida pelo IPCA cheio tem arrefecido, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,1% e 4,0%, respectivamente.
As projeções de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026* situam-se em 3,4% no cenário de referência e 3,2% em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante.**
O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional exigem ainda maior cautela na condução da política monetária. Em particular, os impactos inflacionários decorrentes dos movimentos das variáveis de mercado e das expectativas de inflação, caso esses se mostrem persistentes, corroboram a necessidade de maior vigilância.
O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
O Comitê, unanimemente, optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta. O Comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.
* A comunicação da projeção para seis trimestres à frente, correspondendo ao primeiro trimestre de 2026, atual horizonte relevante de política monetária, está em consonância com a nova sistemática de meta para a inflação estabelecida pelo Decreto 12.079/2024 com vigência a partir de 1º de janeiro de 2025.
** Em seu cenário de referência, no qual a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de R$5,55/US$, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom para os anos-calendário situam-se em 4,2% para 2024 e 3,6% para 2025. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 5,0% em 2024 e 4,0% em 2025. No cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,2% para 2024 e 3,4% para 2025. Em ambos os cenários, o preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária "verde" em dezembro de 2024 e de 2025. O valor para o câmbio foi obtido pelo procedimento usual.
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