Investing.com - O Comitê de Política Monetária (Copom) retomou nesta quarta-feira (18) o ciclo de aperto monetário no Brasil. O colegiado decidiu por um aumento de 25 pontos-base na taxa básica de juros, a Selic, de 10,5% para 10,75%, em linha com a projeção do mercado. É a primeira alta da taxa Selic desde agosto de 2022.
O colegiado deixou aberta para novas altas, porém sem especificar o ritmo de ajustes e a taxa terminal do atual ciclo de aperto recém iniciado. "O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos", diz o comunicado.
O Copom justifica a alta pela necessidade de uma política monetária mais contracionista. "Adota, assim, uma estratégia gradualista e cautelosa com a taxa básica", avalia o economista André Perfeito em nota divulgada à imprensa.
Contexto para a alta da Selic
A decisão, que foi unânime, confirma as expectativas dos investidores, que desde junho precificavam uma alta na Selic após aumento de incertezas do risco fiscal e alta do dólar, além de uma atividade econômica acima do projetado e inflação de serviços acima do teto superior da meta. A transição da presidência da instituição, com a saída de Roberto Campos Neto e a indicação de Gabriel Galípolo, abalou a credibilidade e confiança da condução da política monetária.
Campos Neto não tem boas relações com o atual governo, que considera o patamar atual da taxa Selic elevado. O mercado passou a temer que o indicado pelo atual governo, Galípolo, poderia ser leniente com uma inflação mais elevada e manutenção de uma taxa de juros artificialmente baixa. No entanto, Galípolo passou a adotar um discurso mais duro do que o próprio Campos Neto após a reunião de julho, o que acabou sancionando as expectativas de alta da Selic. Os economistas consultados pelo Boletim Focus, cujas projeções resistiam a uma retomada do aperto monetário, passou a estimar uma alta da Selic apenas na semana de 9 de setembro.
Comunicado do Copom
O colegiado modificou, no primeiro parágrafo, o diagnóstico da economia internacional. Deixou de ser "adverso" para "desafiador", diante do início do corte de juros nos EUA pelo Federal Reserve Fed, que reduziu hoje a taxa de juros em meio ponto percentual, para o intervalo de 4,75% e 5%. Mesmo assim, o Copom mantém a recomendação de "cautela" para os países emergentes, devido a "dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed".
"Com a queda dos juros americanos divulgada hoje e o aumento dos juros do Brasil, eleva-se o diferencial entre os juros interno e externo, o que deve ser positivo para a apreciação do real", aponta Alexandre Dellamura, mestre em economia e head de conteúdo da Melver. "Essa apreciação da moeda brasileira também ajuda a reduzir a pressão sobre os preços, dado o impacto positivo sobre as importações", completa Dellamura.
No segundo parágrafo, a novidade é o reconhecimento de um hiato do produto positivo, ou seja, a atividade econômica está crescendo acima de sua capacidade, devido a uma atividade e mercado de trabalho operando acima do esperado. Além disso, o trecho que abordava "desinflação do IPCA" foi substituído por "inflação medida pelo IPCA cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes".
"O comunicado de setembro foi mais hawk, com reconhecimento da assimetrias do balanço de riscos para a inflação e com a leitura de que o hiato do produto está positivo (até então lido como neutro, ou até mesmo negativo)", diz Leonardo Costa, economista do ASA, que prevê mais duas altas de 50 pontos-base nas reuniões restantes de 2024, com uma alta adicional de 25 pontos-base em janeiro, projetando uma taxa terminal de 12%.
No terceiro parágrafo, são citadas as expectativas de inflação, que estão desancoradas e piores do que o anunciado no comunicado anterior. Para o primeiro trimestre de 2026, horizonte relevante da política monetária de acordo com o regime de meta de inflação contínua, passou de 3,2% para 3,5% no cenário de referência. Também subiu a cotação de referência do dólar, de R$ 5,55 para R$ 5,60 . Foi retirado, nesse parágrafo, o cenário alternativo, que apresentava as expectativas de inflação mantendo a taxa Selic no mesmo patamar ao longo do horizonte relevante.
Com isso, o balanço de risco passa a ser assimétrico, deixando de ser equilibrado como era até a últimas reuniões. O números de fatores altistas foram mantidos em 3, enquanto os riscos baixistas continuaram em 2 fatores, sem mudança. O alerta sobre a política fiscal se manteve, abordando a contaminação dos riscos fiscais na política monetário por meio do aumento do prêmio de risco nos ativos financeiros.
"Vejo o tom do comunicado relativamente duro, mas a magnitude do ajuste dependerá da dinâmica dos dados e, principalmente, dos juros nos EUA e seus efeitos no câmbio", aponta Perfeito, que prevê mais uma alta de 25 pontos-base na reunião de 6 de novembro do Copom.
"Comunicado realista e hawkish, principalmente porque menciona explicitamente que estamos iniciando um ciclo de alta", diz Luiz Rogé, gestor de investimentos e sócio da Matriz Asset Management. "Não deixa claro o tamanho da alta porque o comitê é data dependent, depende da evolução das variáveis, seja de inflação, seja da ritmo de atividade, desancoragem, para poder precisar isso", prossegue o gestor. "É claro que, se tivermos surpresas, pode não vir outras altas, mas eu não acredito, porque eles estão sendo muito explícitos nisso. Eles não acreditam que vai, de imediato, acabar essa condição pior", finaliza Rogé.
Confira abaixo a íntegra do comunicado:
O ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo. A inflação medida pelo IPCA cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em 3,5% no cenário de referência (Tabela 1).
O Comitê avalia que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.
O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista. Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.