Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - Em negociação com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, a Argentina propôs uma espécie de "fast track" para facilitar as importações de produtos brasileiros, pedindo como contrapartida a implementação de um novo sistema de crédito que reduza a dependência de dólares nas operações entre os dois países, disseram à Reuters duas fontes dos governos argentino e brasileiro.
Com a mudança, o prazo para processamento das importações pelo mercado argentino e pagamento pelos produtos do Brasil cairia dos atuais 180 dias para 30 dias, o que poderia reduzir o risco das operações com um país que enfrenta variações significativas de inflação e câmbio.
Pelo modelo, segundo uma das fontes, o Sistema de Importações da República Argentina (SIRA), passaria por modificação para receber operações em real. O pagamento em moeda brasileira pelos importadores argentinos seria viabilizado por meio do novo sistema de financiamento em elaboração pelo governo brasileiro, mas ainda com aspectos técnicos a serem definidos.
Reuniões entre as equipes econômicas de Brasil e Argentina com o objetivo de decidir esses instrumentos estão previstas para a próxima semana.
“Por que a Argentina se beneficia? Porque pode negociar em reais e isso baixa a pressão por dólares de seu Banco Central”, disse a fonte argentina. “Isso baixa a pressão sobre as reservas argentinas.”
De acordo com essa autoridade, uma das dúvidas presentes na negociação era o modelo de garantias a serem dadas pelos argentinos para viabilizar as operações. Segundo ela, ficou definido um mecanismo de “escrow”, uma espécie de conta em banco brasileiro que receberia depósitos de garantias.
Como mostrou a Reuters, essas garantias poderiam ser, por exemplo, títulos chineses, contratos de compra de gás e de trigo --ativos com liquidez internacional que permitam ao Brasil, no caso de não pagamento pelo importador argentino, acessá-las para compensar as perdas. Uma das ideias é que os financiamentos sejam operados pelo BNDES.
O novo sistema, se implementado, poderá facilitar as vendas de 210 companhias brasileiras que vêm enfrentando dificuldades para ampliar as exportações à Argentina. São empresas de setores variados, incluindo automobilístico, siderurgia, indústria química, eletrodomésticos e alimentos.
O Brasil vem perdendo espaço na pauta de comércio com o país vizinho, uma redução de 4 bilhões de dólares de participação nas importações argentinas entre 2014 e 2019, segundo uma das fontes. O espaço passou a ser ocupado pela China, país que tem mecanismos de financiamento para simplificar exportações.
Em meio à agudização da grave crise econômica argentina, o presidente Alberto Fernández foi a Brasília nesta semana com uma comitiva em busca de socorro financeiro. O governo brasileiro, a quem interessa estimular as exportações a um dos principais parceiros comerciais do país, além de mostrar apoio ao aliado político, sinalizou abertura para ajudar, mas não anunciou medidas concretas.
Na terça-feira, ao lado de Fernández, Lula defendeu que o banco dos Brics possa ajudar a Argentina por meio de garantias para as exportações brasileiras, o que dependeria de uma mudança nas regras de atuação da instituição financeira.
"Nós nem queremos que eles emprestem dinheiro para a Argentina. O que nós queremos é que eles nos deem garantias, que aí facilita muito a relação do Brasil com a Argentina", disse o presidente.
(Edição de Isabel Versiani)