Por Scott Kanowsky
Investing.com – “Pobre Itália” é uma das lamentações mais comuns no Twitter após o novo drama político vivido pelo país. Mas talvez “Pobre Draghi” traduza melhor a realidade.
Mario Draghi, primeiro-ministro da Itália, renunciou ao cargo na semana passada, depois que três partidos da base aliada do seu governo de unidade nacional boicotaram um voto de confiança. Imediatamente após sua saída, Draghi recebeu diversas manifestações de solidariedade no país e no exterior.
Um jornal italiano acusou os opositores de Draghi de terem “afogado” o ex-presidente do Banco Central Europeu de 74 anos. Outro periódico disse que ele foi “traído”.
No Reino Unido, Draghi foi comparado às maiores figuras da Roma Antiga. O Financial Times o chamou de Cincinato, que foi convencido a deixar a aposentadoria para acudir a nação. O Guardian associou Draghi a Júlio César, afirmando que ele “recebeu uma facada nas costas” de políticos de menor expressão.
São interpretações justas. Mesmo que saia de cena, Draghi continuará tendo ampla admiração por sua notável liderança durante um dos momentos mais turbulentos da Europa.
Como presidente do BCE, ele prometeu “fazer o que for necessário” para salvar a zona do euro. Este mês marca exatamente 10 anos desde que ele fez essa famosa promessa, que acabou se concretizando.
Em seguida, ao assumir o cargo de premiê em fevereiro de 2021, deu uma nova guinada na resposta da Itália à pandemia e convenceu a União Europeia a alocar 200 bilhões de euros em fundos de resgate ao país para o período pós-Covid. Ele também foi um dos mais incisivos críticos da invasão da Rússia na Ucrânia, desafiando as preocupações com a oferta de energia e os laços de alguns de seus colegas com o Kremlin.
Mas Draghi gerou discórdia entre os membros da sua coalizão, que incluía o Movimento 5 Estrelas “anti-establishment”, o Partido Democrático de centro-esquerda e a Liga, de direita, liderada pelo populista Matteo Salvini. Questões domésticas, como o recolhimento de imposto sobre propriedade e concessões de praias, acabaram se revelando extremamente complicadas.
Um apelo final para sua agenda de reformas, que previa assuntos controversos, como cortes de subsídios de renda e a abertura de monopólios do comércio local para a concorrência, não conseguiu avançar. O apoio ao seu governos rapidamente se evaporou.
A confusão em Roma abalou os mercados italianos, já fragilizados. A taxa do título referencial de 10 anos saltou, ampliando o prêmio entre seu equivalente alemão, usado para avaliar o risco de a Itália ser forçada a deixar a zona do euro devido à sua enorme carga de dívidas.
A queda do governo Draghi ocorreu apesar de todos os esforços dos seus apoiadores fora da Itália, especialmente da presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, e sua sucessora no BCE, Christine Lagarde.
Em junho, von der Leyen elogiou efusivamente Draghi, dizendo à mídia italiana que “ele é um verdadeiro europeu e tem grande experiência”. Ela disse ainda que a cooperação entre Draghi e Bruxelas é “realmente importante”.
Sem dúvida o é. Draghi ganhou o centro das atenções, em parte, para negociar as reformas necessárias para que a Itália garantisse acesso ao enorme fundo de recuperação da UE após a pandemia.
Roma é a maior destinatária do programa, cujo sucesso geral dependerá principalmente da forma como auxilia a retomada da economia italiana. A saída de Draghi, portanto, levanta dúvidas em relação ao ambicioso plano de ajuda da UE para o bloco como um todo.
Enquanto isso, o BCE revelou um novo instrumento criado para evitar a explosão dos mercados de dívida dos países periféricos da zona do euro, principalmente na Itália, bem como dos países mais ricos na área monetária.
O fim do período de Draghi no cargo fará com que a tarefa fique ainda mais complicada. O novo instrumento do banco central possui uma lista detalhada de critérios de elegibilidade, como sustentabilidade fiscal e ausência de desequilíbrios macroeconômicos, o que a nova liderança da Itália pode não estar disposta a seguir.
"Trata-se de um forte conjunto de possíveis armadilhas, objeto de muita análise nos próximos meses - obstáculos importantes, mas não insuperáveis para o próximo governo italiano", escreveram David March e Ellie Groves, do Fórum de Instituições Financeiras e Monetárias Oficiais.
A Itália agora enfrenta um futuro incerto. Mas não está carente de líderes: Draghi continua como primeiro-ministro interino até as eleições de 25 de setembro.
Ainda não se sabe se o legado de reformas que ele defendeu arduamente continuará vivo.
Pobre Draghi, de fato.