As medidas de lockdown decretadas nas principais cidades do País para conter o avanço da pandemia, com o fechamento de comércios não essenciais, já começa a ter impacto na indústria. Com as lojas físicas sem poder funcionar nos grandes mercados consumidores, os varejistas seguram novas encomendas e pedem para adiar as entregas e os pagamentos de pedidos já feitos. O temor do comércio é acumular estoques indesejados por falta de demanda. Diante dessa freada brusca no consumo que vinha se recuperando, indústrias correm o risco de reeditar o cenário que houve em abril do ano passado, quando a produção parou por causa da primeira onda de covid-19.
"Desde a semana passada, o varejo já começou a segurar pedido para não acumular estoques", afirma Marcelo Silva, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV). A entidade reúne 73 varejistas, boa parte dos peso pesados do comércio. Juntas essas companhias faturam R$ 411 bilhões anualmente e têm cerca 34 mil lojas no País.
Silva explica que as varejistas estão segurando os pedidos diante da falta de horizonte de quando a vacinação em massa vai ocorrer e a vida voltar ao normal.
O comércio eletrônico, cuja participação no volume de vendas dobrou no último ano, é uma alternativa para o varejo continuar faturando, mesmo com a proibição de abertura das lojas físicas. No entanto, o executivo lembra que as vendas online ainda representam muito pouco do total do comércio. Antes da pandemia, o e-commerce respondia por cerca de 5% da receita de vendas do varejo e, no ano passado, atingiu 10%.
Para Silva, esse adiamento de pedidos vai afetar a produção da indústria de produtos não essenciais e o impacto deve variar de empresa para empresa. "Cada companhia tem um 'turnover' de inventário e isso é questão de semanas", prevê.
A Multilaser, uma das maiores indústrias nacionais de eletroeletrônicos, que fabrica tablets, televisores, computadores, smartphones, por exemplo, já registra por parte dos clientes varejistas o adiamento por 30 dias das entregas e do pagamento das encomendas. "Cerca de 20% dos pedidos estão com pagamento e entrega prorrogados", conta o presidente da empresa, Alexandre Ostrowiecki, ponderando que o cancelamento ainda representa muito pouco do total e que a situação está sob controle.
De toda forma, ele frisa que é uma situação incômoda porque a empresa trabalha com nível de estoques de componentes para nove meses, muito acima da média do mercado, que é de cinco meses. "Temos um capital grande investido", diz.
Com fábricas em Manaus (AM) e em Extrema (MG), Ostrowiecki explica que não dá para calcular o tamanho do dano dessa freada, movimento que houve também em 2020 por conta da primeira onda de covid-19. "É uma reedição de abril de 2020, parece que estamos revivendo o mesmo pesadelo."
Desde que a atividade reabriu e a demanda por eletrônicos foi retomada, a empresa tem enfrentado nos últimos meses problemas de falta de matérias-primas e componentes importados usados na produção. Por isso, passou a trabalhar com dois turnos e meio, quando o normal seriam três turnos. Parte dos funcionários está em banco de horas, férias ou executando atividades de manutenção por causa da falta de insumos.
No entanto, diante do novo lockdown, o executivo observa que no momento o problema maior é o adiamento dos pedidos do varejo do que a falta de componentes, que vem ocorrendo em função da retomada da economia global.
Sondagem recente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostra que 35% dos associados enfrentam atrasos de produção e entregas ao varejo. Em 10% das fábricas, parte da produção já teve que ser paralisada em razão da falta de componentes eletrônicos. Agora, no entanto, com essa freada nas compras do varejo, provavelmente essa situação pode ser atenuada.
Montadoras
Cinco montadoras de veículos já suspenderam na última semana a produção e colocaram cerca de 30 mil trabalhadores em casa sob a justificativa de restringir a circulação de pessoas e conter o avanço da pandemia. Mas, na prática, as concessionárias que revendem esses veículos estão proibidas de funcionar por causa das medidas de lockdown e praticamente sem vendas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.