Investing.com – Com decisões de juros na próxima semana no radar, os investidores vieram a moeda americana atingir o patamar de R$5,86 nesta sexta-feira, 01º de novembro, diante de uma combinação de fatores domésticos e internacionais. Ainda que o cenário mais provável seja uma descompressão do câmbio, Thais Zara, economista sênior da LCA, não descarta que o dólar possa se aproximar ainda mais ou ultrapassar R$6, considerando as próximas duas semanas como cruciais para calibrar as expectativas de mercado quanto aos efeitos econômicos das eleições americanas e possíveis medidas de corte de gastos anunciadas pelo governo brasileiro para cumprir o arcabouço fiscal.
“Aqui dentro, a resposta às propostas que aparecem no fiscal também vai depender um pouco do humor externo. Se lá fora as incertezas continuarem elevadas, pode ser que só o anúncio não seja o suficiente”, acredita a economista.
Além disso, Zara acredita que, como os Estados Unidos podem reduzir os juros mais lentamente, a expectativa de que isso ocorre valoriza o dólar em relação a outras moedas, entre elas a brasileira.
No cenário externo, são dois fatores que movem o dólar para cima, em seu entendimento. “Primeiro essa questão econômica, de curto prazo. Segundo, há uma preocupação mais de médio prazo, que tem a ver com o futuro das políticas econômicas que vão ser adotadas a partir do próximo mandato presidencial”, detalha a economista.
Enquanto isso, no mercado doméstico, a grande dúvida é com relação à sustentabilidade das contas públicas.
Com incerteza sobre as medidas que podem ser adotadas para diminuir a trajetória da dívida pública e sobre quais as chances de aprovação pelo Congresso, a economista considera que, “enquanto não se avança essa questão de sustentabilidade das contas públicas, persiste o prêmio de risco sobre os ativos brasileiros, e o dólar reflete bastante isso”.
Leia a entrevista com a especialista:
Investing.com – Quais são os principais fatores que estão pesando nesta valorização da moeda americana em relação ao real e na sua avaliação? O que pode estar pesando mais, o cenário interno, o doméstico, ou um pouco de cada?
Zara – É a combinação realmente de fatores tanto externos quanto domésticos, eles estão contribuindo mais ou menos metade/metade. Talvez nos últimos dias até o cenário externo tenha contribuído mais, mas é mais ou menos essa contribuição.
Então, basicamente o que a gente tem de cenário externo: em primeiro lugar, a gente viu alguns dados dos Estados Unidos até julho, começo de agosto, que mostravam uma desaceleração mais forte do mercado de trabalho, e aí o Banco Central norte-americano cortou os juros em um ritmo maior do que o usual, e aí se criou essa expectativa de que haveria uma redução muito rápida de juros por lá.
Depois, foram divulgados outros dados que mostraram que a economia está em trajetórias de desaceleração, mas também não é tão forte assim, então provavelmente o Banco Central dos EUA vai ser um pouco mais cauteloso. O Fed vai mais devagar nessa redução dos juros. Como os Estados Unidos vão reduzir os juros mais lentamente, isso acaba valorizando o dólar em relação a outras moedas, inclusive o real. Tem, portanto, fatores econômicos que justificam essa valorização do dólar.
Fora isso, existe a questão da incerteza com relação ao resultado das eleições dos Estados Unidos e uma percepção bastante clara de que uma eventual vitória do ex-presidente Donald Trump poderia representar um pouco mais de inflação nos EUA, porque ele tem políticas, que estão sendo trazidas na campanha, como a questão da restrição à imigração, como a questão do aumento de tarifas, que tenderiam a ser inflacionárias, e com isso, poderia manter taxas de juros nos Estados Unidos mais elevadas. Então também seria outro fator que tenderia a manter o dólar mais valorizado.
Então, do externo, seriam essas duas coisas. Primeiro essa questão econômica, de curto prazo. Segundo, há uma preocupação mais de médio prazo, que tem a ver com o futuro das políticas econômicas que vão ser adotadas a partir do próximo mandato presidencial.
E, aqui no Brasil, a grande dúvida é com relação à sustentabilidade das contas públicas. Esse ano a gente provavelmente vai sim conseguir atingir a meta de déficit primário colocada dentro do intervalo inferior. Mas, para os próximos anos, mantidas as atuais regras, provavelmente a gente vai acabar tendo um crescimento de despesas obrigatórias mais forte do que o crescimento permitido para os gastos totais, então isso vai fazer com que haja uma compressão das despesas discricionárias e pode acabar inviabilizando o arcabouço.
Então, hoje, a expectativa está realmente em torno de medidas mais estruturais que sinalizassem um freio a esse crescimento de despesas obrigatórias. Por enquanto, existem sinalizações de que o governo vai trazer medidas para reduzir um pouco o tamanho dos gastos, mas existe uma incerteza enorme sobre realmente como que essa matéria vai ser tratada e quais as chances de aprovação pelo Congresso. Enquanto não se avança essa questão de sustentabilidade das contas públicas, persiste o prêmio de risco sobre os ativos brasileiros, e o dólar reflete bastante isso.
Inv.com – Considerando esses fatores, quais seriam limites para uma descompressão do câmbio?
Zara – Sim, tem potencial para uma descompressão, se a gente tiver, por exemplo, sinalizações de uma política econômica nos Estados Unidos que não vai ser tão inflacionária. Isso poderia trazer algum alívio. Aqui dentro, a resposta às propostas que aparecem no fiscal também vai depender um pouco do humor externo. Se a gente tiver alguma descompressão lá fora pode melhorar a resposta. Se lá fora as incertezas continuarem elevadas, pode ser que só o anúncio não seja o suficiente, que o mercado realmente queira esperar para ver a aprovação, a implementação, o formato final.
Inv.com – A cotação hoje [sexta-feira 1/11] está em torno de R$5,80. Vocês acreditam que tendo essas medidas essa cotação pode baixar ou ainda há um risco de chegar mais próximo de R$6, ou isso está fora de cogitação?
Zara – As duas próximas semanas vão ser cruciais para o câmbio voltar um pouco, na casa de R$5,50, a casa de R$5,60, se a gente tiver uma conjunção um pouco mais favorável do externo com o doméstico. Não seria uma descompressão total, mas alguma descompressão. Agora, se a gente tiver um aumento ainda maior dos riscos em relação ao ambiente externo e uma frustração grande aqui dentro com as medidas, pode ser que o câmbio avance um pouco mais.
Acho que as próximas duas, três semanas vão ser cruciais para essa definição. Hoje, o mercado está mais ou menos no meio do caminho. Entre um cenário mais desafiador tanto do ponto de vista externo quanto do doméstico. Então, teria espaço para voltar um pouco, se a gente tiver os Estados Unidos nas duas pontas, mas frustrações também poderiam nos levar a uma cotação mais alta, sim. Não imagino que estejamos no teto, não.
Inv.com – Se esse for o cenário, você acredita que o Banco Central pode fazer alguma intervenção? Você acredita que se poderia, e se for o caso, se deveria ou não?
Zara – Depende muito do momento. O BC observa muito se o mercado de câmbio está passando por algum tipo de disfuncionalidade, se está faltando liquidez. Se for uma correção de preço por alteração de fundamento, é possível que ele acabe não intervindo. Porque não adianta.
Quer dizer, se mexeu com a percepção do mercado, se frustrou o cenário, se houver alguma frustração com o cenário fiscal aqui dentro, ou se tiver uma piora de percepção com o ambiente externo, pode ser que isso seja um movimento mais perene. Então, não adianta muito você intervir. Se o Banco Central perceber que é um movimento de volatilidade diário, um movimento realmente que demande a intervenção, ele pode vir a intervir.
Inv.com – E quais que estão sendo os cenários desenhados por vocês para esse ano, qual a estimativa do dólar ao final do ano, para o final do ano que vem, e também no caso de uma vitória do Trump ou uma vitória de Kamala Harris?
Zara – Por enquanto, nosso cenário base é com algum alívio do câmbio. Sendo uma vitória do Trump com um discurso um pouco mais, não diria conciliador, mas que sinalize que não vai nenhuma atitude no primeiro dia, nenhuma imposição de tarifas imediata, nada disso, isso pode trazer o câmbio um pouquinho mais para perto de R$5,50, R$5,60 no final do ano.
Lembrando que, nesse caso, a gente realmente espera que tenha algum progresso um pouco maior na questão fiscal, que as medidas realmente mostrem um esforço maior, mesmo que não seja uma grande solução de longo prazo, mas que vislumbrem o cumprimento das metas em 2025 e 2026. Por outro lado, se a gente tiver um Trump mais combativo e uma frustração com o pacote aqui dentro, a gente pode ter um câmbio caminhando mais para perto de R$6.
Inv.com – E em uma eventual vitória de Kamala?
Zara – Seria também o nosso cenário base, ou a Kamala ou um Trump mais moderado.
Inv.com – Para o final do ano que vem vocês têm alguma estimativa mais preliminar?
Zara – A gente tem o nosso cenário base, que o preço supõe que a gente não tenha nenhuma disrupção, e aí, como a gente continua tendo queda de juros lá nos Estados Unidos, e aqui dentro a gente vai ter taxa de juros mais elevada, com esse refluxo ainda que parcial das preocupações com o nosso fiscal e mesmo com inflação nos Estados Unidos, o câmbio tenderia a caminhar ali para perto de R$5,20 no ano que vem. Em um cenário mais desafiador, tenderia a continuar para acima de R$6.