Por Fabricio de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a área fiscal foram mal-recebidas pelo mercado e fizeram o dólar superar a barreira dos 5,50 reais nesta quarta-feira, com a cotação de fechamento atingindo o maior valor em dois anos e meio, em movimento favorecido ainda pelo avanço firme da moeda norte-americana no exterior.
O dólar à vista encerrou o dia cotado a 5,5191 reais na venda, em alta de 1,18%. Este é o maior valor de fechamento desde 18 de janeiro de 2022 -- último ano do governo Bolsonaro -- quando foi cotado a 5,5608 reais. Em junho, a divisa acumula elevação de 5,11% e, em 2024, alta de 13,76%.
Às 17h23, na B3 (BVMF:B3SA3) o contrato de dólar futuro de primeiro vencimento subia 1,07%, a 5,5185 reais na venda.
Lula concedeu entrevista ao portal UOL pouco depois da abertura do mercado. Nela, o presidente demonstrou resistência a realizar cortes de gastos, dando preferência ao ajuste fiscal pelo lado da receita -- algo que vêm sendo criticado por economistas do mercado.
O presidente disse que o governo não pode gastar mais do que arrecada, mas argumentou que as despesas do Brasil estão aquém de muitos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em outro ponto da entrevista, Lula descartou uma desvinculação de pensões e benefícios da política de ganhos reais do salário mínimo. “Garanto que o salário mínimo não será mexido enquanto eu for presidente da República", disse.
Em falas recentes, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vinha defendendo a proposta de desindexação da Previdência Social do salário mínimo.
Lula também desconversou sobre a possibilidade de o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, substituir Campos Neto a partir de 2025. Ele classificou Galípolo como um "companheiro" preparado, mas disse que ainda não pensa na sucessão de Campos Neto no BC -- outro tema de interesse do mercado.
O dólar à vista, que já havia iniciado o dia em alta sob influência do exterior, acelerou os ganhos durante a entrevista de Lula, ainda na primeira hora de negócios, refletindo o mal-estar do mercado com as declarações.
“Ele transmitiu a mensagem de que não está preocupado com a questão fiscal do país, ao indicar que talvez a majoração da arrecadação seja melhor do que cortar despesas”, comentou Thiago Avallone, especialista em câmbio da Manchester Investimentos.
“Lula também fala da sucessão de Campos Neto, um assunto delicado na visão do mercado. Então o que vemos é uma fuga para a segurança”, acrescentou.
Essa fuga para a segurança do dólar fez a moeda à vista oscilar entre a cotação mínima de 5,4605 reais (+0,11%) às 9h03, pouco antes do início da entrevista, para acima dos 5,50 reais quando Lula já falava.
A máxima do dia foi de 5,5280 reais (+1,35%) às 16h04, com a cotação ainda sob influência de Lula e refletindo o cenário adverso também no exterior.
Lá fora, a moeda norte-americana avançava ante as divisas fortes, em especial em relação ao iene, que atingiu seu nível mais baixo desde 1986, o que mantinha investidores à espera de uma intervenção das autoridades japonesas para segurar as cotações.
Às 17h23, o índice do dólar -- que mede o desempenho da moeda norte-americana frente a uma cesta de seis divisas -- subia 0,38%, a 106,070.
Estes dois fatores -- Lula e o exterior -- deixaram em segundo plano a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), considerado a prévia da inflação oficial. O indicador divulgado pelo IBGE subiu 0,39% em junho, ante alta de 0,44% no mês anterior. Pesquisa da Reuters com economistas estimava elevação de 0,45% para o período.
Apesar do alívio mensal, a taxa nos 12 meses até junho passou a avançar 4,06%, ante 3,70% em maio. A expectativa era de 4,12%.
Durante a tarde, o BC informou que o Brasil registrou fluxo cambial total positivo de 4,638 bilhões de dólares em junho até o dia 21, com saídas líquidas de 436 milhões pela via financeira e entradas de 5,074 bilhões de dólares pelo canal comercial.