Maite Rodal.
Haia, 16 dez (EFE). - O julgamento do homem que foi o dirigente
dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, considerado responsável
direto pelo massacre de Srebrenica, começou em outubro passado,
apesar do obstrucionismo do acusado, que os juízes esperam ter
desarmado em seu boicote à Justiça internacional.
Durante a fase preparatória do processo, Karadzic, já sem a longa
barba de médico naturista que usava para se disfarçar, deixou claro
aos juízes que faria o que fosse possível para atrapalhar seu
julgamento internacional por genocídio e outros crimes de guerra.
Com pleno conhecimento de que desaceleraria o processo, sua
primeira arma foi a obstinação em se defender sozinho, alegando que
ninguém melhor do que ele para conhecer os "fatos" que desencadearam
o conflito armado da Bósnia (1992-95).
Sua segunda arma foi se cercar de um grupo de assessores legais,
financiados pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga
Iugoslávia (TPII), que o ajudou na apresentação das quase 300 moções
- um número recorde - apresentadas durante a fase preparatória de
seu julgamento.
Além disso, tentou paralisar o julgamento se amparando em um
suposto acordo com os Estados Unidos, que teria lhe prometido a
imunidade no Tribunal de Haia em troca do abandono de suas
responsabilidades públicas, no final do conflito na Bósnia.
Sem entrar na existência ou não desse acordo, os juízes
rejeitaram esse ponto de partida de Karadzic, com o argumento de que
o TPII é independente em relação a considerações políticas.
A atitude do acusado e a lentidão da Promotoria no momento de
condensar sua acusação em benefício de um julgamento eficiente fez
com que os juízes não pudessem fixar a data de início até 26 de
outubro, um ano e três meses depois da detenção de Karadzic em um
ônibus de Belgrado, após ter permanecido por mais de uma década
foragido da Justiça.
Foi a partir de então que o ex-presidente dos sérvios da Bósnia
lançou sua artilharia pesada e decidiu que, se não podia frear o
início de seu julgamento pela via formal, faria-o com o boicote
direto, negando-se a comparecer perante os juízes.
Para a decepção das centenas de familiares de muçulmanos mortos
em Srebrenica que tinham viajado a Haia para ver Karadzic sentado no
banco dos réus, o primeiro dia do julgamento não foi nada mais que
um falso início.
Enquanto pensavam em como sair do beco em que foram encurralados
por Karadzic, os juízes anularam a primeira audiência e deram ao
acusado um prazo de um dia para reconsiderar sua situação.
Os ônibus em que os muçulmanos foram a Haia voltaram nessa mesma
noite para a Bósnia, enquanto todos se perguntavam por que
simplesmente Karadzic não era obrigado a comparecer ao tribunal.
Mas a questão não era tão simples: por um lado, o julgamento não
podia começar sem um acusado que defende a si mesmo, e, por outro,
levar Karadzic à força também não assegurava a fluência do processo
no longo prazo.
Os juízes fizeram uma demonstração de que são eles que mandam ao
permitirem à Promotoria que apresentasse suas alegações sem a
presença do acusado, dando por iniciado o processo.
Depois disso, após comprovar que Karadzic continuava cercado por
seu grupo de assessores, designaram para ele um advogado de ofício
- o britânico Richard Harvey -, adiaram o julgamento até o começo de
março para que o profissional pudesse se preparar, mas, ao mesmo
tempo, não impediram o acusado defender a si mesmo.
Com isso, os juízes esperam ter desarmado Karadzic, já que,
comparecendo ou não em março, o julgamento poderá continuar, e ele
não poderá alegar ter perdido seu direito de se defender.
Por ora, Karadzic parece ter aceitado a ideia de colaborar com um
advogado, mas exigiu que compartilhe sua cultura e nacionalidade,
questão que ainda não foi respondida.
No próximo ano, surgirá a resposta sobre a vitória ou não dos
juízes sobre Karadzic, e seu julgamento, ao contrário do que
aconteceu com o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, poderá
chegar a seu fim. EFE