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Viajar para onde o real “vale mais” pode não ser a decisão correta; entenda

Publicado 05.08.2021, 16:49
Atualizado 09.08.2021, 07:32
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Por Jessica Bahia Melo

Investing.com - Desde o início da pandemia, com exceções em raros períodos de tempo, o dólar está cotado acima de R$ 5,00. Com a depreciação cambial da moeda brasileira, são frequentas as brincadeiras de que ficou caro ir à Disney (NYSE:DIS) (SA:DISB34) e, para contornar a situação, algumas pessoas – incluindo influencers de turismo nas redes sociais – buscam rotas alternativas para as viagens internacionais.

A orientação deles seria viajar para países com moedas consideradas mais depreciadas, quando um real compraria várias unidades monetárias. Mas será que vale mesmo a pena?

Cada país possui uma política monetária distinta e define qual seria o valor nominal para sua moeda. Quando ocorre um processo inflacionário, a moeda começa a valer cada vez menos e o governo pode optar pela troca. Foi o que aconteceu no Brasil, com o Plano Real. Outra alternativa é “cortar os zeros”, como fez a Venezuela nos últimos dias.

André Perfeito, economista-chefe da Necton, explica que o numerário dos países não guarda relação direta e a moeda não possui, necessariamente, uma história linear. “O caso mais curioso é o iene, são milhares de ienes para tudo que é lado. O real mesmo, no início a gente comprava mais coisas, tem a ver também com a história inflacionária do país, mas não só isso. Em algumas culturas, a ideia de centavo não faz sentido. Não existe convenção. A história da moeda é absolutamente fascinante, porque a moeda já foi muita coisa. Moeda já foi sal, já foi couro, pele de búfalo, garrafa de uísque”, conta.

Onde o real “valeria mais”

Com as restrições aos brasileiros em diversos países devido ao descontrole da pandemia de covid-19, o México tem sido a escolha de muitos. No entanto, não é porque a moeda é mais depreciada que é possível consumir a mais ou na mesma medida.

Felipe Camargo, economista na Oxford Economics, explica que para a taxa de câmbio, geralmente se compara a moeda com o dólar. No Brasil, cada dólar custa cerca de R$ 5,2318, de acordo com o fechamento da última sexta-feira. No México, aproximadamente 20 pesos. “É a principal forma, mas existem outras, como, por exemplo, entre o peso mexicano e o real, peso argentino e o real, onde existe uma taxa cruzada, uma taxa bilateral. Por trás dessa taxa de câmbio, sempre tem uma correspondência em dólar também”, detalha.

O economista, que mora no México, conta que a taxa entre os dois países acaba próxima de R$ 1 para cada 4 pesos. “Às vezes a gente pensa, poxa, um real compra quatro pesos mexicanos, mas isso não significa que você vai comprar quatro vezes mais no México do que você compra no Brasil, porque os salários no México são mais altos nominalmente. As pessoas talvez tenham essa ilusão de que uma moeda seja mais cara em valores nominais do que uma outra, pensa que o México é barato, mas na verdade tudo no México é quatro vezes mais caro em virtude dos salários”, completa Camargo.

Segundo ele, o que importa não é a taxa de câmbio em si, mas o poder de compra daquela quantidade monetária. E forma mais intuitiva de ver isso é que as pessoas começam a olhar tudo em unidades de dólar. “Às vezes temos a impressão de que, como cortaram os zeros várias vezes na história, a moeda vale mais, mas na verdade não. Seu salário compra a mesma coisa. O que importa, no fim, é o poder de comprar, que é dado pelo quanto você recebe naquela moeda e quanto você consegue comprar com aquela quantidade”, destaca.

Outro exemplo é Argentina. Para comprar um real, os hermanos precisam gastar 18 pesos argentinos. Mas, com certeza, o brasileiro não chega ao país vizinho e compra 18 vezes o que poderia consumir aqui. Como eles possuem problemas maiores de inflação do que o Brasil, o peso argentino vale, na verdade, muito pouco, de acordo com o economista.

O exemplo inverso também vale para a ponderação. “Até quando você converte seus dólares para euro você vai comprar menos? Não necessariamente. Você vai comprar coisas mais baratas em euro na Europa porque lá tem menos inflação histórica em relação ao dólar. As denominações de zeros são apenas distorções de quando a moeda começou e a inflação que evoluiu naquela moeda. O euro é uma moeda recente. O dólar tem muito mais tempo que isso”, explica.

Perfeito concorda com a visão de que o que importa é o poder de compra. “Em 2002, dólar bateu cerca de R$3,75. Hoje está cerca de R$5. Quer dizer que subiu 36% de 2002 até agora. A inflação no período foi muito maior. O real teria que estar mais do que isso para comprar as mesmas coisas em 2002. Antigamente, era mais fácil conseguir dólar, isso mostra a nossa dificuldade de gerar renda. As pessoas reclamam do dólar, mas na verdade elas reclamam no sentido da formação da renda delas. As pessoas não vão ao Beto Carrero porque o dólar está alto. Elas vão porque elas não têm renda, que nem elas tinham antigamente”, reforça.

Cuidado com o numerário

O numerário dos países não guarda relação direta, segundo Perfeito. Além disso, a escolha passa por ter uma moeda de 10 mil ou utilizar centavos é apenas convenção, que pode funcionar para uma cultura e não para a outra. “É como se a gente medisse Farenheit com graus Celsius, não é do mesmo jeito”, compara.

Outra situação onde a conversão não é tão direta é para os países do Leste Europeu, que muitas vezes até aceitam o euro como pagamento de tanto que os turistas insistem em levar moedas que não são tradicionais. A Coroa Tcheca custa cerca de R$0,25. Mas a República Tcheca é, sim, um país considerado barato pelos viajantes. Nas proximidades, uma moeda que confunde mais é a da Hungria. O florim vale em torno de R$ 0,017 reais, mas, para pegar um táxi, são milhares de forints gastos.

De acordo com o economista-chefe da Necton, a medida do dinheiro é ilusória porque ele não é um ponto fixo, mas móvel, o que cria confusões. “Tenho dez reais, se tiver tantos mil ienes, será que estou mais rico? Você pode estar tão pobre quanto. Isso se torna ainda mais agudo quando há moedas que não conversam entre si diretamente. Você tem que pegar uma moeda e pegar a cotação em dólar, para depois ver em real”.

Leia mais: Dólar: Taxa de Câmbio “Maquiada" pela Ptax

Vanessa Blum Colloca, colunista do Investing.com e diretora da corretora de câmbio Getmoney, conta que muitas cédulas já são de cem mil, por exemplo. Por isso, é preciso ter cuidado e prestar atenção ao numerário. “Você não pode, no Brasil, trocar uma moeda por outra. Por exemplo, trocar iene por franco suíço. Você sempre tem que passar pelo real. Tem que vender uma moeda para nós comprar outra. Ainda, tem IOF na compra e IOF na venda. Você tem uma taxa de compra e uma taxa de venda. Quando a pessoa vende uma moeda para a corretora, é descontado da taxa de câmbio 0,38% de IOF.

Quando ele compra, é a taxa de câmbio mais 1,10% de IOF na outra ponta, já destoa totalmente”. A diretora também concorda que o importante é o poder aquisitivo e a pessoa tem que calcular o valor em relação ao que está acostumado a fazer. “Vejo as blogueiras e influencers falando sobre câmbio, tem uma falta de conhecimento muito grande, porque as pessoas estão em diferentes situações quando elas vão viajar. Primeiro, sempre você deve levar a moeda local do país onde você vai, aí não realiza duas conversões. O consumidor tem que pegar o valor que gastaria no Brasil e converter, mas varia se a pessoa vai no fast-food ou a la carte”, exemplifica.

A orientação da especialista é levar a moeda utilizada já do Brasil, para evitar a realização de dois câmbios (por dólar e depois por peso mexicano, por exemplo) é nunca trocar em aeroportos. “O Brasil possui praticamente todas as moedas, é difícil somente as muito exóticas, nesse caso você leva dólar ou euro. mas se existe a oportunidade de levar a moeda local, leve a local”. Com a volatilidade no câmbio e tensões políticas, o conselho é dividir a compra em parcelas fracionadas, para não pegar o pior momento e conseguir um preço médio”, completa Colloca.

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