O candidato mais rico das eleições municipais deste ano é o empresário do ramo açucareiro João Pinheiro (PRTB), que almeja a prefeitura de Marília, no interior do São Paulo. Ele foi condenado, em agosto deste ano, a dois anos e seis meses de reclusão - transformada em pagamento de multa e prestação de serviço à comunidade - pelo crime de estelionato após vender nove tanques de armazenamento de álcool avaliados em R$ 950 mil sem ter a posse dos bens, segundo decisão da 3ª Vara Criminal de Marília.
Pinheiro recorre junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Nesta sexta-feira, 4, a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) opinou pelo não acolhimento do recurso. Procurado, o advogado Luiz Eduardo Gaio Júnior, que representa João Pinheiro, afirmou que vai ser feita uma nova apelação para reverter a condenação.
João Pinheiro é dono da Sugar Brazil, que comercializa derivados de açúcar como etanol, álcool e alimentos para consumo humano e animal. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele declarou ter um patrimônio de R$ 2 bilhões e 850 milhões. A quantia é maior que as receitas do município de Marília, que tem o orçamento para 2024 estimado em R$ 1,6 bilhão.
Nas redes sociais, Pinheiro costuma publicar fotos e vídeos nos jatinhos. Ao Estadão, ele disse ser dono de oito aviões, sendo cinco jatos e três bimotores, além de três helicópteros e 12 carros. Nenhum desses bens estão declarados na candidatura dele ao TSE.
João Pinheiro é aliado do candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), e de Leonardo Avalanche, que comanda nacionalmente a legenda de Pablo Marçal. Em um vídeo publicado nas redes sociais, ele exibe um pedido de votos feito por Marçal para os eleitores de Marília.
De acordo com os autos do processo, o empresário Mário César Policarpo Barbosa procurou Pinheiro, em 2018, para a aquisição de tanques e cabeamentos de cobre, pertencentes à usina BIOSEV (BVMF:BSEV3), indústria que o candidato do PRTB estava negociando uma compra.
A venda dos tanques e dos cabeamentos de cobre foi firmada em R$ 950 mil. Segundo a Justiça paulista, Pinheiro pediu R$ 369,5 mil de entrada e disse que poderia parcelar o restante. Policarpo Barbosa afirmou ter feito o pagamento de entrada, mas nunca recebeu os itens.
Isso se deu porque João Pinheiro estava tentando comprar a usina mesmo após receber a quantia de Policarpo Barbosa pela aquisição dos itens. No fim, a venda da BIOSEV não foi para frente, e ele não teve como repassar os itens para a vítima.
"Posteriormente, [Policarpo Barbosa] fez contato com a usina e acabou descobrindo que ele não havia comprado nada, veio à tona que ele realmente havia feito contrato, porém não pagou, não era dono de nada e não podia ter vendido nada sem ter pagado o que ele tinha se comprometido com a usina", diz a decisão do TJ-SP que condenou João Pinheiro.
O Estadão procurou Mário César Policarpo Barbosa, mas não havia obtido retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
Ainda segundo o processo, que foi aberto em 2019, a vítima não foi ressarcida por Pinheiro. "Ele chegou a entregar um terreno inexistente como garantia, abaixo do valor real, bem como um veículo BMW ainda alienado. Também entregou cheques que não foram compensados. Não procurou ressarcimento na justiça cível porque ficou sem dinheiro para custear o processo. A sua empresa quebrou", registrou a promotora promotora Larissa Crescini Albernaz no parecer do MP-SP.
De acordo com a representante do MP-SP, há nos autos comprovação de que Pinheiro teve intenção "de vender coisa alheia como própria", o que causou "elevadíssimo prejuízo à vitima". "Percebe-se que durante toda negociação, o acusado se passou por dono da empresa BIOSEV, aparentando idoneidade da aquisição dos tanques, embora o contrato para a aquisição de toda usina ainda estivesse pendente", afirmou Albernaz.
Em seu parecer, Larissa Albernaz cita ainda que o recurso de Pinheiro, que alega falta de provas, deve ser rejeitado pela 9ª Câmara de Direito Criminal. "Todas as etapas foram devidamente fundamentadas e estão em consonância com os princípios da individualização da pena e da proporcionalidade", disse.
O recurso ainda não tem data para ser analisado pelos desembargadores paulistas. Caso ele seja considerado improcedente, Pinheiro ainda pode recorrer a tribunais superiores como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao Estadão, Gaio Júnior afirmou que a vítima foi ressarcida com o terreno, que seria avaliado em R$ 600 mil, e que vai ser apresentado um novo recurso no TJ-SP para tentar reverter a condenação. O advogado ainda afirmou que o valor real do contrato foi de cerca de R$ 360 mil, com uma entrada de R$ 120 mil, pago pela vítima. A defesa argumenta que o valor não iria garantir a entrega, e sim a reserva dos equipamentos.
As quantias citadas pela defesa não estão nos autos do processo movido contra o candidato do PRTB. "Só há nos autos prova da entrada, que foi de R$ 120 mil. Esse valor era para garantir a entrega dos itens após a finalização do contrato do João com a usina", disse Gaio Júnior.
"Não teve dolo e elementos que mostrem a intenção de fraudar. Foi um desacerto comprovado por documento e o contrato com a usina foi destratado porque não foi entregue o que tava no contrato. Só que, neste meio tempo, ele tinha vendido para esse cara [Policarpo Barbosa] porque, no meio comercial, é comum você garantir o produto que está parado", completou o advogado.
Empresário americano denunciou Pinheiro descumprir acordo de R$ 37 milhões
No final do mês passado, o empresário americano Andrew Chow fez um boletim de ocorrência na Polícia Civil de São Paulo (PC-SP) também acusando Pinheiro de estelionato. Assim como no caso dos tanques de combustível, a vítima diz ter feito um contrato e pago um adiantamento para receber 20 toneladas de açúcar, mas não recebeu a carga,
No documento, Chow acusa o candidato de descumprir um contrato de US$ 6,8 milhões (R$ 37,1 milhões na cotação atual do dólar). As informações foram reveladas pelo portal UOL e confirmadas pelo Estadão.
Segundo o americano, a carga não foi entregue apesar do pagamento de 30% do valor do contrato, ou seja, US$ 2,04 milhões (R$ 11,1 milhões). Assim como no caso da BIOSEV, Gaio Júnior afirmou que o adiantamento garantia apenas a reserva, e não o despacho para o cliente. Segundo ele, isso seria concretizado após o pagamento integral dos R$ 37 milhões.
Gaio Júnior disse também que a defesa vai apresentar documentações que comprovem a inexistência da quebra de contrato. "Ele [Chow] faltou integralizar [o pagamento]. O João não tinha garantia, vai que ele enviava e ele não pagava o restante? Vamos comprovar a inadimplência, o João está disposto a cumprir o contrato", disse Gaio Júnior ao Estadão.
Nesta sexta-feira, 4, ele publicou no Instagram uma nota se defendendo da acusação feita por Chow. Segundo Pinheiro, o americano descumpriu o contrato e a falta do pagamento integral impossibilitaria a entrega das toneladas de açúcar.
"Todos os documentos serão anexados ao B.O, comprovando a boa-fé e a lisura do João Henrique Pinheiro no intuito de cumprimento contratual, colocando-se à disposição para mais esclarecimentos", diz a nota do candidato a prefeito de Marília.