O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Roberto Barroso, voltou a falar sobre a decisão da Corte que estabeleceu que empresas jornalísticas de qualquer natureza podem ser responsabilizadas civilmente por declarações feitas por entrevistados.
Antes do início da sessão desta 5ª feira (30.nov.2023), Barroso disse que a decisão reforça o veto à censura prévia aos jornais e afirmou que a Corte é a “guardiã” da liberdade de imprensa.
“Ontem [29.nov] reiteramos a vedação expressa de qualquer tipo de censura prévia à imprensa. Portanto, reiteramos a nossa jurisprudência e, em seguida, assentamos que, como regra geral, um veículo de comunicação não responde por declaração de entrevistado, salvo se tiver atuado com dolo, ma-fé ou grave negligência, que evidentemente é critério de responsabilização em toda a parte do mundo”, declarou.
Por 9 votos a 2, a Corte definiu as regras para responsabilizar jornais por injúria, calúnia e difamação por falas em entrevistas. O julgamento foi finalizado na 4ª feira (29.nov.2023) depois de passar 3 anos no plenário virtual.
A tese fixada pela Corte (leia abaixo) foi criticada por entidades do jornalismo, que falaram que a decisão pode levar à “autocensura“.
Segundo Barroso, a decisão não prejudica a liberdade de expressão. Ele também defendeu a medida sugerida pelo ministro Cristiano Zanin, que possibilitou a remoção de conteúdos “comprovadamente injuriosos”. O presidente do STF disse que a medida se adequa a era do jornalismo digital e evita que notícias com conteúdos caluniosos circulem pela internet.
“Não há nenhuma decisão cerceadora da liberdade de expressão. Nós reafirmamos nosso compromisso com a liberdade de expressão, que, no entanto, não é o único valor que deve prevalecer em uma sociedade civilizada”, disse o ministro.
“Quanto à retirada de notícia, antigamente os jornais de um dia embrulhavam o peixe do dia seguinte. Portanto, deixavam de ser uma fonte de informação falsa. Mas hoje em dia e informação pode permanecer perenemente na internet […] Portanto, se alguém tiver sido falsamente acusado de ter sido condenado por pedofilia, se não for possível remover, aquela notícia ficará para todo o sempre uma informação falsa que pode comprometer a vida daquela pessoa em todas as suas atividades, inclusive na sua vida pessoal”.
É a 2ª declaração de Barroso sobre o julgamento. Na 4ª feira, o presidente da Corte afirmou que o caso julgado pelo STF foi “excepcional” e defendeu uma “leitura correta” da decisão. O presidente da Corte deu a declaração a jornalistas durante a exposição “Cartoons contra a Violência”, na sede do STF, em Brasília.
ENTENDA
O caso concreto analisado pelos ministros trata de uma entrevista publicada em 1995 pelo jornal Diário de Pernambuco.
Na publicação, Ricardo Zarattini Filho (1935-2017) foi acusado por um entrevistado de ter participado de um ataque a bomba em 1966 que deixou 3 mortos no aeroporto de Guararapes (BVMF:GUAR3). Zarattini foi militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e deputado federal pelo PT de São Paulo. Ele é pai do atual deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).
Os ministros julgaram o caso concreto em junho e decidiram que o jornal deveria ser responsabilizado pela declaração. Agora, com a fixação da tese, a definição deve ser usada para guiar outros casos semelhantes que tramitam na Justiça.
Os ministros iniciaram a discussão da tese no plenário virtual, mas se formaram 3 vertentes diferentes e o caso foi levado ao plenário físico. Na sessão desta 4ª (29.nov), o ministro Alexandre de Moraes uniu as teses fixadas por ele e o ministro Roberto Barroso. O redator do acórdão, no entanto, será Edson Fachin, que fez a tese que mediava os entendimentos.
Eis a tese fixada pela Corte:
- “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”;
“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Eis o placar:
- 9 votos a favor da responsabilização: Edson Fachin, Roberto Barroso (presidente), Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Nunes Marques;
- 2 votos contrários: Marco Aurélio de Mello (relator) e Rosa Weber.