O STF (Supremo Tribunal Federal) definiu nesta 4ª feira (29.nov.2023) as regras para que empresas jornalísticas de qualquer natureza sejam responsabilizadas pelos crimes de injúria, difamação ou calúnia por conta de declarações feitas por entrevistados.
Depois da decisão, entidades de jornalismo falaram com ao Poder360 sobre o entendimento da Corte. Eis abaixo o que disseram:
- Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)
A presidente da Abraji, Katia Brembatti, afirmou que há “avanços” a se comemorar com a decisão, mas que ainda é uma questão preocupante e que aspectos da decisão são “bastante desfavoráveis”, como a regra de que o conteúdo deve ser retirado do ar mesmo antes do final do julgamento e os “indícios concretos de falsidade”.
Para Katia, há uma falta de clareza na decisão. “Quem vai considerar se há indícios concretos de falsidade?”, declarou.
Segundo a presidente da associação, a Abraji foi ao STF para realizar uma série de articulações e se reunir com os ministros Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. O objetivo da entidade era uma decisão combinada, para contemplar os aspectos das demais teses –ao todo, foram apresentadas 4 teses sobre o assunto.
Katia afirma que, se o entendimento já estivesse fixado, várias reportagens de interesse público não seriam conhecidas pela população. De acordo com ela, se os termos forem levados a “ferro e fogo”, pode haver uma autocensura por partes dos veículos de imprensa ou uma preocupação com judicialização.
- Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas):
Para a presidente da Fenaj, Samira de Castro, a tese fixada pelo Supremo não é a “ideal”.
Segundo de Castro, a tese cria a necessidade da exigência de um “grau de preparação” em todas as fases de uma entrevista. No caso daquelas feitas ao vivo, a presidente da Fenaj também defende que os tribunais fixem um entendimento de que o contraponto às declarações do entrevistado possa ser feito posteriormente.
“O jornal e o jornalista só terão como averiguar se a fonte está mentindo após a repercussão da entrevista, nos casos ao vivo. E creio que os tribunais terão de trabalhar com um entendimento de que o contraponto só poderá ser feito a posteriori”, disse.
- ANJ (Associação Nacional de Jornais):
O presidente da ANJ, Marcelo Rech, disse que, “por pior que seja a decisão”, ainda é “melhor” do que o entendimento anterior, já que, segundo ele, não leva a uma responsabilidade absoluta dos veículos de comunicação.
No entanto, para Rech, “pairam dúvidas” sobre as regras fixadas. “Uma delas é: Como será interpretado juridicamente a definição de ‘informações comprovadamente injuriosa’? A ANJ espera que essa definição esteja no acórdão”, disse o presidente da entidade.
Rech disse ainda esperar que o caso das entrevistas ao vivo constem na modulação do voto. A modulação serve para determinar qual o período temporal em que a decisão passará a ter efeitos. O processo pode valer tanto para o passado quanto para o futuro.
Em nota divulgada no site da entidade, a ANJ afirma que vê a tese fixada como um “avanço positivo diante da grave ameaça à liberdade de imprensa”.
Eis abaixo a íntegra da nota divulgada pela ANJ nesta 4ª feira (29.nov):
“A ANJ (Associação Nacional de Jornais) considera que a definição, pelo STF, da tese final sobre a responsabilidade de veículos de comunicação em relação a declarações de terceiros foi um avanço positivo diante da grave ameaça à liberdade de imprensa que pairava no julgamento do RE 1075412, relativo ao Diário de Pernambuco.
“A modulação dos votos reforça a natural responsabilidade dos veículos com o que divulgam, mas ainda pairam dúvidas sobre como podem vir a ser interpretados juridicamente os citados ‘indícios concretos de falsidade’ e a extensão do chamado ‘dever de cuidado’.
“A ANJ espera que, na elaboração e publicação do Acórdão de Inteiro Teor sobre o julgamento, tais dúvidas sejam dirimidas, bem como outras situações não explicitadas, como no caso de entrevistas ao vivo, sempre em favor da preservação do preceito constitucional da liberdade de imprensa.”
ENTENDA
O STF julgou nesta 4ª feira (29.nov) a tese que ficará fixada sobre a responsabilização de jornais pelos crimes de injúria, difamação ou calúnia em declarações feitas por entrevistados.
A tese fixada trata de uma ação referente à entrevista publicada em 1995 pelo jornal Diário de Pernambuco.
Na publicação, Ricardo Zarattini Filho (1935-2017) foi acusado por um entrevistado de ter participado de um ataque a bomba em 1966 que deixou 3 mortos no aeroporto de Guararapes (BVMF:GUAR3). Zarattini foi militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) e deputado federal pelo PT de São Paulo. Ele é pai do atual deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).
A Corte já havia decidido que o jornal deveria ser responsabilizado pela declaração. Agora, com a fixação da tese, a definição deve ser usada para guiar outros casos semelhantes que tramitam na Justiça.
Eis a tese fixada pela Corte:
- “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”
- “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.