A reforma do setor elétrico prometida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa rever subsídios bancados pelos consumidores na conta de luz. É o que defende Ricardo Brandão, 49 anos, diretor de Regulação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica). Segundo ele, para reduzir a desigualdade nas tarifas, a reestruturação tem que atacar incentivos “desnecessários”.
Em entrevista ao Poder360, Brandão cita descontos para fontes incentivadas, como eólica e solar, que já são competitivas e ainda têm desconto de 50% sobre a tarifa de fio. Cita ainda o incentivo para GD (geração distribuída) que alcança 3 milhões de pessoas e já custa mais que o da Tarifa Social, que beneficia 17 milhões de pessoas.
“O foco da modernização tem que ser a redução das desigualdades. Hoje tem um conjunto muito grande de atividades que têm subsídios que são custeados pelos consumidores, que são subsídios desnecessários”, afirmou.
O executivo citou alguns casos: “As fontes renováveis, por exemplo, têm um elevado desconto, custeado por todos os outros consumidores. O tema de geração distribuída também chama atenção porque é um grupo que não paga todos os custos, do uso da rede e de encargos setoriais, que acabam sendo repassados para todos os outros consumidores”, diz.
Brandão destaca que esses incentivos fazem sentido em países com grande desafio de descarbonizar sua matriz elétrica, o que não é o caso do Brasil, que já tem 85% do seu parque gerador formado por fontes renováveis. No mundo, a média é de 28% de matriz renovável.
“Os subsídios têm que ser analisados. Individualmente alguns deles são meritórios, outros não são mais. E precisam ter foco e prazo. Subsídios não podem ser eternos. A gente tem subsídios que têm mais de 50 anos ainda na nossa conta. E outros têm características de política pública social, e o melhor lugar para se colocar políticas sociais é no Orçamento-Geral da União, e não na conta de energia. Então é importante ter uma análise do todo e, principalmente, ter a preocupação de não criar subsídios.”
Outro desafio, segundo ele, é ter um equilíbrio entre o consumidor regulado, que é atendido pela distribuidora local, e o que migrou para o mercado livre, em que se pode comprar energia de qualquer fornecedor. Atualmente, essa opção só existe para consumidores de alta tensão. A partir de 2024, a possibilidade também será aberta para quem consome média tensão.
“O problema é que a migração hoje do consumidor regulado para o mercado livre não se dá em busca de eficiência, mas em busca de uma fuga de custos que hoje estão no mercado regulado. Esse consumidor vai para o mercado livre procurando uma energia que é mais barata, em geral de fonte renovável com desconto de 50%, e ao migrar com esse desconto, esse subsídio é pago por todos os outros consumidores”, afirma.
Esses consumidores acabam não arcando também com os custos para dar confiabilidade ao sistema elétrico. “É um conjunto de contratos que só estão na conta dos consumidores regulados, como o contrato das termelétricas, da Eletronuclear em Angra 1 e 2, o contrato de energia de Itaipu, que é uma energia cara e em dólar. São contratos que trazem confiabilidade para o sistema, especialmente nos momentos de crise, e para todos os consumidores, mas só alguns pagam”.
Renovação de concessões
Ricardo Brandão diz que a entidade avalia como positiva a proposta formulada pelo Ministério de Minas e Energia e entregue ao TCU (Tribunal de Contas da União) para prorrogação dos contratos de distribuição de energia. De 2025 a 2031, serão 20 distribuidoras que terão as concessões chegando ao fim. Todas elas foram privatizadas no governo Fernando Henrique Cardoso.Ponderou que o modelo é seguro por beneficiar empresas com bons padrões técnicos e financeiros. “Os requisitos para a prorrogação são o atendimento de critérios de qualidade e de sustentabilidade econômico-financeira. A gente acha que isso é meritório e que, de fato, as empresas precisam ter o atendimento dos critérios de qualidade”.
Questionado sobre o caso da Light (BVMF:LIGT3), empresa em recuperação judicial que fornece energia no Rio de Janeiro, ele disse se tratar de uma questão mais complexa pela falta de presença do Estado em várias regiões da área de concessão, devido à criminalidade.
Carros de manutenção da Light, concessionária de distribuição de energia do Rio de Janeiro que está em recuperação judicial “Ali não é uma questão de ineficiência ou gestão da empresa. Há regiões daquela área de concessão em que não existe a presença do Estado, onde os índices de perdas (furto e fraude) e de inadimplência são muito elevados. E a empresa não tem acesso àquelas áreas para fazer um adequado combate de perdas e de inadimplência.”
Diante do cenário, defende que os novos contratos de concessão tenham um “tratamento específico para áreas com severas restrições operativas”, diferenciando a regulação por incentivos de forma a reconhecer que “existem alguns bolsões na área de concessão da Light e em algumas outras áreas de concessão, em que não há presença do Estado”.
Reforma tributária
De acordo com o diretor da Abradee, a alta carga tributária é o outro desafio a ser superado para diminuir as tarifas de energia. Defende que o setor seja incluído entre os que terão alíquota especial na reforma por ser uma atividade essencial.“Uma alíquota mais elevada para energia impacta toda a economia […]. Por isso é um elemento meritório ter um tratamento especial para o setor elétrico que reconheça a essencialidade da energia em toda a cadeia da economia. […] Com esse novo regime de tributação e uma alíquota unificada, um dos que mais vai ser penalizado, sem sombra de dúvida, é o consumidor de menor consumo, especialmente o de baixa renda”.
Assista à íntegra da entrevista (41min06xs):