Por Paula Arend Laier
SÃO PAULO (Reuters) - Analistas ainda aguardam detalhes sobre o anúncio da Americanas (BVMF:AMER3) na noite da véspera sobre a descoberta preliminar de cerca de 20 bilhões de reais em "inconsistências" contábeis no balanço da companhia, que levou à renúncia do presidente-executivo e do diretor financeiro na companhia, mas alguns já colocaram recomendação para os papéis sob revisão.
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Sergio Rial sai 10 dias após assumir o cargo, depois de seis anos à frente do Santander Brasil (BVMF:SANB11). Rial substituiu Miguel Gutierrez, que foi presidente da Americanas por cerca de 20 anos. O diretor financeiro Andre Covre também havia acabado de ingressar na Americanas.
A equipe do Bradesco BBI classificou como uma "inconsistência contábil considerável e sem precedentes" e considerou a notícia "bastante negativa".
"Nós --e o mercado-- ainda carecemos de detalhes para medir efetivamente como, e por quanto tempo, o balanço e o 'P&L' (linha final do balanço) podem ter sido deturpados/impactados. O impacto potencial nos resultados futuros também não está claro", afirmaram em relatório enviado a clientes pouco antes da meia-noite.
"Mesmo considerando um impacto supostamente não caixa, vemos o anúncio como definitivamente negativo", afirmaram Pedro Pinto e equipe.
Eles ressaltaram que a primeira razão para tal visão se deve à magnitude "anormal", uma vez que 20 bilhões de reais equivalem a 2 vezes o valor de mercado, 1,3 vez o valor contábil ou 0,6 vez as vendas brutas em 12 meses, "o que sugere que a empresa acumulou muitos erros ou muitos anos de más práticas contábeis".
"Em segundo lugar, este anúncio levanta preocupações importantes sobre a credibilidade da empresa e, eventualmente, sobre sua capacidade financeira. Esperamos uma grande reação negativa para a ação no pregão de amanhã (quinta-feira). Diante da magnitude do evento e da falta de informações, estamos colocando o papel em análise por enquanto."
O agora ex-presidente da Americanas discutirá as conclusões sobre a contabilidade da companhia em uma conferência com investidores organizada pelo BTG Pactual (BVMF:BPAC11) às 9h.
Citando justamente a "falta de visibilidade sobre o que de fato aconteceu e os impactos efetivos a serem observados nas demonstrações financeiras da companhia", analistas da XP Investimentos (BVMF:XPBR31) liderados por Danniela Eiger também decidiram colocar a cobertura de Americanas sob revisão.
Eles acrescentaram em relatório também no final da quarta-feira que o comunicado traz diversos riscos para a tese de investimentos, entre eles a saída de Rial, que enxergavam como pilar importante para sustentar o processo de transformação da companhia, devido a seu histórico de execução, gestão focada na redução de custos e credibilidade com o mercado.
"Sua saída pode ser vista pelos investidores como um alerta de mais riscos à frente", avaliaram.
Também chamaram atenção para o possível impacto caixa negativo, mesmo que a companhia tenha destacado que espera que os impactos em caixa sejam imateriais.
Eles avaliam que o anúncio pode implicar maior alavancagem, dado que o endividamento da Americanas pode aumentar dependendo dos ajustes em seu balanço patrimonial; maior custo de dívida, por conta da maior percepção de risco de crédito e liquidez; e deterioração do capital de giro, dado que a companhia poderá ter problemas em manter os dias de pagamento a fornecedores, por conta de seu ciclo de caixa pior.
Há também, na visão da equipe da XP, riscos de processos judiciais nos Estados Unidos, dado que a companhia possui ADRs negociadas no país, como observado em casos semelhantes onde os acionistas minoritários foram prejudicados por decisões dos executivos.
"Desnecessário dizer que isso deve gerar um grande sentimento negativo, dado o golpe na credibilidade/governança", acrescentaram os analistas do Citi João Pedro Soares e Felipe Reboredo, em relatório enviado a clientes na madrugada desta quinta-feira. Eles recentemente cortaram a recomendação das ações para 'neutra'.
Eles chamaram a atenção ainda para a divulgação da companhia de que os acionistas de referência da Americanas, presentes no quadro acionário há mais de 40 anos, informaram ao conselho de administração que pretendem continuar suportando a empresa.
Para a equipe do Citi, é muito cedo para dizer se isso realmente se traduz em financiamento --por exemplo, apoiando um aumento de capital. "Nesta fase, não podemos avaliar o tamanho do passivo real da empresa... Claramente, este ainda é o começo de uma longa e complexa história", acrescentaram.
A ação da Americanas, formada em 2021 com a união das lojas físicas do grupo com a operação online que estava sob a antiga B2W, teve em 2022 queda de 68,7%, em linha com a desvalorização das ações de empresas de tecnologia, diante de desaceleração das vendas, inflação e juros altos. No terceiro trimestre, a Americanas teve prejuízo de mais de 200 milhões de reais.
O Morgan Stanley (NYSE:MS) retirou a recomendação 'overweight' e colocou suas previsões para a companhia em revisão, citando que a recuperação operacional que procurava tornou-se completamente nebulosa, bem como visibilidade limitada sobre a extensão do inconsistências contábeis.
"Com o novo CEO e CFO deixando o cargo em menos de duas semanas, agora vemos catalisadores fundamentais limitados para reverter as vendas online e offline da Americanas e as pressões de margem. Além disso, o desenvolvimento negativo dos fundamentos vem acompanhado de uma inconsistência contábil de grande valor em relação ao tamanho do negócio", afirmou.
"Aguardamos mais detalhes da empresa sobre a equipe de gerenciamento e a estratégia operacional, juntamente com o impacto das inconsistências contábeis nas demonstrações financeiras", escreveu em nota a clientes.
Outra casa que também colocou a recomendação sob revisão foi o Itaú BBA, afirmando que esperam que a ação "sofra significativamente" nesta quinta-feira, uma vez que seu desempenho recente foi impulsionado principalmente pelas expectativas do mercado em relação às entregas de Sergio Rial no médio e longo prazo.
"Diante das notícias desfavoráveis, decidimos reavaliar nossa cobertura até que possamos entender melhor a situação."
Em 2023, até a véspera, os papéis acumulavam valorização de 24,35%.
Analistas do Safra também decidiram colocaram a recomendação para as ações sob revisão, enquanto aguardam "mais clareza" sobre as inconsistências no balanço da companhia.