MP 1303 caiu: comemoração ou preocupação do mercado, eis a questão?
Por Leticia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - O grupo América Energia, uma das maiores comercializadoras de energia independentes do país, entrou com pedido de cautelar na Justiça de São Paulo para impedir cobranças e execuções de credores em meio a uma piora de sua situação econômico-financeira, segundo informações da empresa e do pedido judicial.
O caso é mais um dos problemas recentes vistos na comercialização de energia elétrica, um segmento que movimenta bilhões de reais em negócios bilaterais entre empresas e no qual muitas casas operam de forma alavancada, com vendas de energia a descoberto. Quando há inadimplência de uma das partes, aumentam os riscos de um efeito em cascata, acendendo o alerta em todo o mercado.
O episódio tende a prejudicar o apetite por transações de compra e venda de energia no mercado livre, que já vinham registrando queda significativa neste ano em meio a uma restrição de crédito depois da inadimplência da comercializadora Gold Energia.
Segundo documento visto pela Reuters, a América já está em processo de mediação com credores, incluindo grandes grupos do setor elétrico, como Comerc, da Vibra, Eneva, Enel, EDP, Auren e Cemig.
No pedido formulado à Justiça, o grupo de energia pede um "stay period" de 60 dias, para suspender temporariamente a exigibilidade de créditos, além de que se reconheça a "impossibilidade e ilegalidade de medidas judiciais ou extrajudiciais executivas, constritivas e expropriatórias... que importe em pagamento ou amortização de créditos de credores sujeitos à mediação".
Segundo a empresa, que atua também na geração de energia, a urgência da medida decorre de "execuções judiciais em valor relevante", em processos ajuizados por empresas como EDP Trading Comercialização de Energia, Eneva e Safira Administração e Comercialização.
Não ficou imediatamente claro o tamanho da dívida envolvida no processo.
Procurada, a América disse à Reuters que o objetivo da cautelar é "garantir a continuidade de suas atividades empresariais, enquanto se estrutura uma solução negociada com os credores, bem como a venda de ativos de geração, de modo a preservar a paridade e a eficácia das negociações".
"A comercializadora reitera seu compromisso com a superação da atual crise e confia que, com a mediação, a renegociação e a venda de ativos de geração para injeção de capital, encontrará uma solução adequada para o seu endividamento", diz a nota da empresa.
A América afirmou que "continua com suas operações ativas e manterá o mercado e seus stakeholders informados sobre o desenvolvimento das tratativas".
A EDP disse que não comenta ações em andamento. Cemig, Eneva e Auren também afirmaram que não iriam comentar o tema. Enel e Safira não retornaram imediatamente a pedido de posicionamento.
Os rumores sobre uma piora da situação da América surgiram nesta semana, com informações de que a empresa teria notificado a Comerc sobre rescisão contratual.
A Comerc afirmou que sua exposição à América "é bastante reduzida, inferior a R$3 milhões, sem gerar qualquer impacto nas operações, na solidez financeira ou no cumprimento das obrigações da trading".
CASO GOLD
No documento à Justiça, a América afirma que a piora de sua situação tem relação direta com os problemas da comercializadora Gold, que entrou em recuperação extrajudicial neste ano. Segundo a América, o inadimplemento da Gold teria gerado um impacto de cerca de R$75 milhões em seu caixa.
Com dívida bilionária, a Gold foi a última grande comercializadora de energia a não honrar com contratos nos mercados livre e regulado, após se alavancar realizando grandes vendas de energia sem ter recursos equivalentes comprados em meio à forte alta de preços spot de energia.
Os problemas da Gold pegaram o mercado de energia de surpresa, já que a casa contava com boa reputação entre os agentes e mantinha negócios com várias grandes empresas.
A gravidade do caso da Gold, que também teve efeitos sobre o mercado regulado de energia, levou a agência reguladora Aneel a aprovar no mês passado a possibilidade de ingressar com uma ação civil pública contra a empresa.
Segundo os diretores da Aneel, há uma preocupação com a atuação imprudente de comercializadoras de energia em momento em que o Brasil avança para a liberalização total do mercado, permitindo que todos os consumidores possam no futuro escolher seu provedor de energia.
Outra comercializadora a enfrentar problemas financeiros e entrar em recuperação judicial neste ano foi a 2W Ecobank, que tinha atuação importante como "varejista", vendendo energia para consumidores de pequeno porte.
Os debates sobre segurança do mercado livre de energia ocorrem há vários anos, com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) tendo avançado com algumas medidas para fortalecer o mercado.
Nesse contexto, agentes ligados principalmente à geração de energia têm apoiado a criação de uma bolsa de energia, com estabelecimento de uma contraparte central, como forma de reduzir os riscos nas negociações e aumentar a liquidez. A principal iniciativa do tipo hoje é liderada pela N5X, que tem como acionista a Nodal, bolsa de derivativos da alemã European Energy Exchange (EEX).
(Por Letícia Fucuchima)