Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - Cerca de 430 mil consumidores de energia atendidos por uma distribuidora da Enel (BIT:ENEI) ainda estão sem energia elétrica na região metropolitana de São Paulo nesta segunda-feira, depois do forte temporal da última sexta, com ventos de mais de 100 km/h que levaram a queda de árvores e danos em diversos pontos da rede elétrica.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, deu nesta segunda-feira mais três dias para que a concessionária recomponha a energia na maior parte das áreas afetadas e disse que a empresa cometeu um erro grave ao não fornecer previsões objetivas para a população. Silveira não comentou, porém, sobre consequências para a Enel se houver descumprimento do prazo.
Avaliações preliminares realizadas pelas agências reguladoras Aneel e Arsesp, responsáveis por fiscalizar os serviços de energia elétrica, apontam que a mobilização das equipes da Enel para responder ao evento de sexta-feira ficou aquém do previsto pela própria empresa em plano de contingência apresentado ao governo.
O apagão após evento climático considerado extremo, que deixou ao menos cinco mortos na região, repete uma realidade vivida na área de concessão paulista da Enel desde o fim do ano passado, situação que vem revoltando consumidores e autoridades e que levou à aplicação de multas milionárias devido à demora da companhia em restabelecer a prestação dos serviços para a população.
De acordo com a Enel São Paulo, desde sexta-feira 1,6 milhão de clientes na Grande São Paulo tiveram o serviço normalizado, enquanto 430 mil ainda estavam sem luz na manhã desta segunda-feira. Deste total, 280 mil estão na capital paulista.
Na véspera, diretores das agências reguladoras Aneel e Arsesp disseram estar "preocupados" com a capacidade de mobilização e velocidade das equipes da Enel em responder à população após o temporal.
Thiago Nunes, presidente da Arsesp, disse que o plano de contingência apresentado pela Enel previa 2,5 mil pessoas para trabalhar no restabelecimento dos serviços em uma situação extrema como a de sexta-feira.
"Esse número ainda não foi alcançado, nós temos hoje então por volta de 1,7 mil, 1,8 mil pessoas. Passadas 48 horas dos eventos, ainda não atingiu a mobilização que era esperada em razão de um evento dessa magnitude", disse Nunes.
Já o ministro de Minas e Energia afirmou nesta manhã que as equipes que trabalham na recomposição dos serviços em São Paulo aumentarão para 2,9 mil profissionais com reforço de pessoal emprestado pelas distribuidoras da Enel no Rio de Janeiro e Ceará, por outras concessionárias, como EDP (BVMF:ENBR3) São Paulo, CPFL (BVMF:CPFE3), Light (BVMF:LIGT3) e Energisa (BVMF:ENGI11), e a transmissora ISA Cteep.
A elétrica Enel chegou a apresentar no mês passado as ações de um plano de contingência elaborado para enfrentar eventos climáticos extremos durante o verão em suas três distribuidoras, que atendem 15 milhões de clientes nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.
Segundo a empresa, estavam previstas até 2026 a contratação de 5 mil novos colaboradores próprios, para reforçar equipes de campo, e a incorporação de 1.650 novos veículos à frota.
Na ocasião do anúncio, o ministro havia dito que "voltaria para cobrar" a empresa sobre essas ações e investimentos, já que o governo federal também está avaliando se a Enel terá condições de prorrogar seus três contratos de distribuição no país, que vão vencer nos próximos anos.
Nesta manhã, no entanto, Silveira evitou dar declarações concretas sobre o futuro da Enel nas concessões de distribuição de energia e direcionou suas críticas para a Aneel, que segundo ele está sendo omissa e insubordinada na implementação das políticas públicas do ministério, inclusive no caso da Enel São Paulo.
Segundo o ministro, a Aneel não deu sequência a um pedido anterior do governo para que o regulador instaurasse um processo administrativo que poderia levar a medidas mais extremas na distribuidora paulista, como intervenção e caducidade do contrato.
"Se tivesse o processo de caducidade sobre a empresa, tenho absoluta convicção que ela não estaria tão negligente como infelizmente ainda está com relação à qualidade dos serviços em São Paulo", disse.
Ele destacou que o Brasil nunca passou pela caducidade de um contrato de distribuição de energia, que seria uma medida extrema, e que isso será estudado no devido processo administrativo, e não por meio de "decisão ou prerrogativa" do governo.
Silveira também negou que tenha tratado neste fim de semana com executivos da Enel sobre a renovação do contrato das distribuidoras do grupo no país, chamando de "fake news" uma postagem do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, na rede social X sobre o assunto.
Após as críticas do ministro, a Aneel soltou comunicado afirmando que está tomando "todas as medidas cabíveis" para garantir a recomposição dos serviços em São Paulo, por meio de "apuração rigorosa e técnica" sobre a atuação da distribuidora.
"Caso sejam constatadas falhas graves ou negligência na prestação do serviço, a agência não hesitará em adotar as medidas sancionatórias previstas em lei, que podem incluir desde multas severas, intervenção administrativa na empresa e abertura de processo de caducidade da concessão da empresa", disse.
Segundo o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, desde 2018 já foram aplicados cerca de 320 milhões de reais em multas à Enel São Paulo. As duas últimas multas, que somam 260 milhões de reais e são referentes a eventos climáticos extremos desde o fim do ano passado, estão com pagamento suspenso por ordem judicial.
Na nota desta segunda-feira, o regulador também ressaltou sua autonomia, garantida pela Lei das Agências, e que "qualquer tentativa de intervenção ou tutela indevida na atuação da agência não contribui para a verdadeira solução do problema".
Silveira e Aneel vêm protagonizando há meses um embate público que vem afetando o andamento de processos importantes do setor elétrico. O ministro acusa o regulador de "politizar" e travar a regulamentação de temas de interesse do governo, enquanto a Aneel se queixa de prazos exíguos para trabalhar com quadro limitado de profissionais, além de uma cadeira vaga na diretoria.
(Por Letícia Fucuchima)