“Vou até o inferno para pagar o menos possível”
– Fred Trump, o pai
A corrida à Casa Branca se aproxima da sua reta final. Depois da extensa campanha nas prévias, composta por primárias e convenções partidárias (momento em que as disputas ocorrem internamente nos partidos, republicanos vs. republicanos e democratas vs. democratas), temos então dois candidatos que almejam conquistar a cadeira em Washington: Hillary Clinton e Donald Trump, que estão percorrendo o país de leste a oeste, de norte a sul em busca de apoio popular e dos votos dos delegados de cada um dos 50 estados americanos.
E o que mais vem saltando aos olhos é o crescente aumento das intenções de votos ao magnata Donald Trump. Segundo a última pesquisa nacional elaborada pela Reuters/Ipsos [1] ambos os candidatos estão tecnicamente empatados… O que era o improvável alguns meses atrás, hoje vai acontecendo.
Inevitavelmente, o Terraço decidiu testar a veracidade de alguns argumentos proferidos pelo candidato, ainda mais considerando que grande parte de sua popularidade é advinda da sua capacidade retórica e apelo populista frente ao público. Então senhores(as), vos apresento sua excelência: os dados.
1) Comércio internacional: “Americanismo, não globalismo, será o novo credo”
Afirmou o candidato republicano em discurso em Detroit, de forma orgulhosa e saudosista, culpando a globalização como a origem de diversos problemas da sociedade americana, embebido de certo xenofobismo e nacionalismo. Pois bem, ele pretende resgatar um passado glorioso, afirmando:
“Carros americanos vão andar em nossas estradas, aviões americanos vão ligar nossas cidades, navios americanos vão patrulhar nossos mares e aço americano vai levantar nossos arranha-céus”.
Discurso, que não coincidentemente, se assemelha muito com os populistas latino-americanos, de uma visão já atrasada de “defesa nacional”, ou de um conceito de que o “nacional” pode ser restringido e controlado por uma vontade individual e ao sabor das decisões estatais.
A China também não passa impune. O candidato cita o país freneticamente, acusa de manipular a cotação de sua moeda (como se nenhum BC ao redor do globo não o fizesse), conceder subsídios ilegais para o setor produtivo, desrespeitar propriedade intelectual e ignorar regulações trabalhistas e ambientais, quanta benevolência! Sendo assim, ele pretende encerrar todas essas “trapaças” e reverter o jogo, resgatando assim milhões de empregos de volta ao EUA.
O que o empresário não entende – ou não quer entender – é que o capitalismo caminha cada vez mais para escala global de operações e comércio, tentar barrar ou se isolar nesse processo é no mínimo hipocrisia ou ignorância no campo da economia, no qual diversos estudos [2] [3]comprovam sob rigorosos testes empíricos a relação entre a maior inserção das economias as chamadas “cadeias globais de valor” que irrigam os fluxos internacionais de comercio/capitais e o desenvolvimento econômico.
Ou seja, a adoção de políticas protecionistas poderá – e irá – produzir efeitos perversos tanto para economia doméstica dos EUA, mas também para todo o conjunto do sistema.
Vale (SA:VALE5) lembrar também que inserção em cadeias globais de valor depende não apenas das políticas governamentais domésticas, mas também das estratégias corporativas de grandes empresas transnacionais. e então, quando Trump faz suas declarações, precisa combinar com os russos! Imaginar que a Apple irá realocar toda sua planta de produção/montagem de aparelhos para terras americanas em prol do amor à pátria é pura ilusão, mesmo porque é sabido que grande parte do valor agregado gerado pelos smartphones não estão em sua produção física, mas sim no conjunto de serviços e aplicativos envolvidos. A própria Ford, empresa genuinamente americana e que ficou famosa por desembarcar dos EUA há tempos para locais como México e Ásia sofre com ataques do republicano, pois, segundo ele, irá aumentar impostos para todos os carros importados até que a empresa decida voltar a sua terra natal.
Para contextualizar, trazemos um famoso gráfico conhecido como “curva sorriso”, evidenciando que cada vez mais o valor agregado das transações não está mais presente na montagem, manufatura dos bens ou em processos repetitivos, mas sim sobre o processo de pesquisa, desenvolvimento, publicidade, gestão de marca, serviços e etc.
Fonte: Mudambi, 2007 [4]
Os ganhos advindos do aumento do comércio internacional e das trocas são indiscutíveis no cenário mundial. Aliás, a crítica à política comercial chinesa nos traz um questionamento: o que seria do consumismo americano não fosse a produção em larga escala na China?
2) Estrangeiros, Imigrantes e Muçulmanos: “No primeiro dia, expulsarei rapidamente os imigrantes criminosos deste país, entre eles centenas de milhares que foram postos em liberdade sob a administração Obama-Clinton”.
É bom lembrar que os EUA são um país formado essencialmente por imigrantes, não somente porque em sua origem era uma colônia britânica, mas também por várias fases de imigrações ao longo da história, tendo papel fundamental na formação da identidade e pluralidade da cultura americana.
Não é de hoje que o fluxo populacional é fruto de longos debates, ainda mais considerando o contexto atual do medo e insegurança, causado pelos recentes ataques do Estado Islâmico na Europa e ameaças constantes aos EUA. Trump então, aproveitando todo esse clima, usa-o como prerrogativa para expulsar – no dia seguinte à sua reeleição – todos os imigrantes ilegais.
Mas o pano de fundo aqui é que toda essa corrente populacional que entra no país não é composta por terroristas ou bandidos, mas em sua grande maioria, por pessoas que buscam na “Terra do Tio Sam” uma oportunidade melhor de vida e sabem que por lá encontraram oportunidades. Ao passo que, como o trabalhador médio americano possui melhor formação e é mais qualificado, as funções de subemprego ficam a cabo dos estrangeiros.
Segundo um interessante levantamento feito pelo Business Insider, foram mapeadas as principais funções exercidas por estrangeiros nos 50 estados americanos, dentre elas zeladores, domésticos, cozinheiros, agricultores, caixas de lojas, garçons, etc, ou seja, nada de assombroso e que ameace de forma estrutural a empregabilidade da população nativa. Expulsar toda essa gente, além do caos social e de escassez de mão de obra, geraria uma fuga de uma legião de contribuintes, consumidores e trabalhadores, estimado em 7 milhões de pessoas.
Estudo após estudo confirmam o contrário do que vem afirmado Trump: imigrantes cometem menos crimes do que a população local. Inclusive, esses números são válidos mesmo para os filhos de imigrantes. [5]
Outro ponto importante foi evidenciado recentemente em uma pesquisa, demonstrando que apenas 5% dos “candidatos ao EI” possuíam conhecimentos avançados do Islã, ao passo que 70% sabem apenas o básico [6], ou seja, a milícia toma proveito dessa ignorância para deturpar a visão da religião e aliciar os futuros combatentes. Trump também toma proveito da ignorância da grande massa americana, generalizando que todos os muçulmanos são potenciais terroristas e todos devem ser expulsos. Mais uma vez, os dados são implacáveis com D. Trump.
3) Legalização da posse de Armas: “Se as pessoas pudessem portar armas de fogo na França, a situação teria sido diferente”
Como deve ser de conhecimento da maioria, alguns dos estados americanos permitem o porte e comercialização de armas por civis e por diversas vezes Trump faz referência, sobretudo quando comenta os atentados terroristas, de que se houvesse civis armados a história poderia ter sido diferente.
Vale lembrar que morrem em média mais de 10 mil pessoas nos EUA por armas de fogo, o que na média é equivalente à mesma quantidade de pessoas assassinadas nos atentados de Paris a cada cinco dias. É evidente, que em uma situação tão drástica como essas, surja um discurso de autodefesa e limitado a uma reação agressiva ganha corações e almas do eleitorado. Mas o que Trump não cita ou desconhece são diversos estudos [7] [8] conduzidos em inúmeras instituições de pesquisa que mostram não haver relação direta entre uma maior quantidade de armas em circulação e maior incidência (ou redução) de homicídios cometidos com armas de fogo.
A mais importante das meta-análises sobre esse assunto é um estudo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NAS), de 2002. Após revisar centenas de estudos, a NAS concluiu:
“a despeito de ampla pesquisa [sobre o assunto], o comitê não encontrou nenhuma evidência robusta de que o direito ao porte de armas aumenta ou diminui crimes violentos” (NAS, p. 3).
Importante destacar também que a taxa de homicídios nos EUA é quase quatro vezes superior à média entre os 15 países com maior IDH no mundo.
4) Redução de Impostos: ““Se baixarmos os impostos, removermos a regulação destrutiva, liberarmos o tesouro da energia americana e negociarmos acordos comerciais que levem o país para frente, não haverá limite para o número de postos de trabalho que iremos criar”
Talvez aqui, neste ponto, chegamos a um momento de concordância entre a maioria dos republicanos e D. Trump: a redução dos impostos. Como apresentado no seu plano de governo, a ideia é reduzir os impostos pagos tanto pela classe mais rica, quanto pelos pobres. Uma característica notável do seu plano é que os contribuintes individuais com renda inferior a 25.000 dólares anuais estarão isentos de pagar qualquer imposto de renda. Outra proposta polêmica é a redução da alíquota de imposto para grandes empresas para 15% e a chance para as multinacionais repatriarem seu dinheiro a uma taxa de apenas 10%.
Muitos argumentam que as contas do programa do candidato não fecham, considerando o fato que a diminuição dos tributos aumentará o déficit fiscal e o endividamento do país e reduzirá recursos disponíveis para cumprir as demais promessas. Por outro lado, Trump vem afirmando que a redução de tributos aumentará investimentos e o crescimento econômico.
Aqui, novamente, Trump não olhou muito bem as evidências sobre esse tema. Segundo Gale e Samwick [9], pesquisadores do Tax Policy Center, do Brookings, mudanças na estrutura do sistema de impostos de um país podem influenciar a atividade econômica; contudo, a teoria, evidências e as simulações realizadas no estudo contam uma história bem mais complicada.
Conforme mostrado no estudo, políticas de redução de taxas não acompanhadas de redução de gastos do governo aumentam o déficit federal, reduzindo a poupança interna, aumentando dessa forma a taxa de juros, que por sua vez reduz o investimento potencial. Isso é contrabalanceado com o efeito positivo do corte: o aumento de incentivos para empreender, produzir e poupar. Assim, chegamos ao ponto principal do trabalho dos pesquisadores: não há qualquer evidência que essa política de redução de impostos traga benefícios ao crescimento econômico, ou seja, não é possível determinar qual lado é mais forte na balança.
Outros trabalhos acadêmicos [10] tentaram quantificar esse efeito por meio de diferentes modelos, mas chegaram à mesma conclusão: cortes de impostos financiados pelos déficits mais elevados acabam reduzindo, e não aumentando o PIB no longo-prazo.
Com uma dívida de US$14 tri, ou 100% do PIB americano, não parece ser uma boa ideia pensar nessa estratégia neste momento. Alguém viu o Trump falando que irá diminuir os gastos correntes? Nós não.
Na bacia das almas
O que resta no final é a pergunta: qual será o motivo do crescente apoio a Donald Trump por parte do eleitorado americano? Será que ele representa mesmo os ideais do americano médio? Os americanos realmente acreditam nessas saídas simples e draconianas? E a última grande questão: ele será eleito? Estas e outras a história há de responder, porém o fato é: os dados nos dão ótimas pistas do que o futuro nos reserva.