A maioria já prefere trabalhar por conta própria

Publicado 07.07.2025, 14:30
Os números não deixam muita dúvida: as placas tectônicas do mundo do trabalho estão mudando, e não é de hoje. Segundo levantamento recente realizado pelo Datafolha, quase 60% dos brasileiros já consideram que é melhor trabalhar por conta própria do que ter um emprego com carteira assinada. 
 
Essa preferência não vem de repente. Em um país onde a maior parte dos empregos formais criados nos últimos anos paga até 1,5 salário mínimo, a ideia de tentar a sorte como autônomo, mesmo com mais riscos e menos direitos, parece mais atraente para muita gente.
 
Será que estamos testemunhando uma transformação estrutural? Em que medida os dados mostrados pela pesquisa do Datafolha revelam uma mudança profunda no modelo econômico e de trabalho no Brasil?
 
Será que aos poucos estamos nos tornando uma nação de empreendedores? Simplesmente pessoas que se cansaram ou sequer quiseram tentar se encaixar no mercado formal, e decidiram buscar o sonho dourado de ter o próprio negócio?
 
Ou será que essa liberdade é, em parte, ilusória?

Novas vagas formais ainda estão concentradas em salários baixos

 
Em fevereiro, o Brasil criou 432 mil novos empregos formais. À primeira vista, é um dado positivo. Mas, segundo o Caged, 72% dessas vagas pagavam até 1,5 salário mínimo, o que evidencia a baixa remuneração da maior parte das oportunidades oferecidas.
 
Um dado complementar chama ainda mais atenção: 75% dos empregos com carteira assinada gerados ao longo de 2024 foram ocupados por beneficiários do Bolsa Família, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Esse movimento representa um avanço importante em termos de inclusão social, ao permitir que pessoas em situação de vulnerabilidade acessem o mercado formal.
 
Mas a inclusão, por si só, não é suficiente para transformar a economia de um país.
 
Se o Brasil quiser de fato aumentar sua produtividade, melhorar sua renda per capita e reduzir desigualdades de forma duradoura, precisa criar empregos que vão além da base (com maior complexidade, qualificação e valor agregado).

Será que a oferta de trabalho das empresas deixou de ser atraente?

 
Hoje, muitos brasileiros preferem a liberdade de trabalhar em aplicativos de entrega, mesmo que o trabalho seja exaustivo, mal remunerado e com poucas perspectivas de crescimento. Mas há um atrativo: não tem chefe, existe alguma flexibilidade de horário e a sensação (mesmo que relativa) de maior autonomia.
 
Essa mudança está acontecendo muito rápido. Quando entrei no mercado de trabalho, e lá se vão mais de 35 anos, trabalhar num banco era o grande troféu a ser perseguido. Hoje, sinceramente, não me parece mais tão bom assim. os bancos reduziram o tamanho (e número) das agências, pagam menos, e o estresse continua absurdo, que digam os burnouts da vida

Como criamos empregos melhores?

 
Esse é o ponto central da discussão. Como criar empregos de maior qualidade, que paguem melhor e que exigem mais qualificação? Não existe mágica. O caminho passa, necessariamente, por uma educação de qualidade, tanto na base quanto no ensino técnico e superior, além de investimentos consistentes em ciência, pesquisa e inovação, com produção de conhecimento próprio e criação de patentes. 
 
Também é fundamental termos uma política industrial moderna e estratégica - e que não repita os erros do passado, capaz de aproveitar mudanças globais e inserir o Brasil em cadeias produtivas mais complexas. Também é preciso abandonar o velho modelo de incentivos fiscais sem contrapartida, grave erro histórico das nossas políticas desenvolvimentistas. Por isso, os benefícios públicos devem estar atrelados a metas claras: geração de empregos qualificados, investimento em P&D e fortalecimento de fornecedores locais.
 
O mundo vive hoje o movimento de reshoring, com muitas empresas transferindo suas cadeias produtivas de volta para países mais próximos ou mais seguros geopoliticamente. O Brasil poderia aproveitar essa oportunidade e trazer para cá atividades industriais de maior complexidade, com cadeias produtivas longas, desenvolvimento de fornecedores locais e geração de empregos qualificados.
 
Além disso tudo, há outro ponto fundamental que precisa ser encarado: a produtividade do trabalhador brasileiro segue muito abaixo da média de países desenvolvidos. Segundo dados do Banco Mundial, um trabalhador nos Estados Unidos, por exemplo, produz em média quatro vezes mais que um trabalhador no Brasil.
 
Isso não é culpa individual, mas é resultado de décadas de baixa qualificação, tecnologia defasada, má gestão e infraestrutura precária. Sem ganhos de produtividade, os salários ficam estagnados. Melhorar esse quadro é o único caminho sustentável para termos renda maior e empregos melhores.

Enquanto isso, o trabalhador busca sua própria saída

 
Diante desse cenário, muitos brasileiros tomam o único caminho que lhes parece viável: trabalhar por conta própria. Não se trata de uma rejeição à carteira assinada, mas de uma resposta prática a um mercado formal que oferece baixos salários, alta exigência e pouca perspectiva de crescimento.
 
A rebelião não é contra o emprego formal em si. É contra um modelo que, mesmo com todas as promessas, ainda não entrega mobilidade social real para a maioria.
Portanto, temos visto uma mudança silenciosa nos últimos anos, mas profunda, no comportamento dos trabalhadores. Muitos já não aceitam empregos com baixa remuneração e pouca perspectiva. O valor simbólico da carteira assinada, por si só, já não basta para convencer. E o problema não está só na remuneração. Está, muitas vezes, na cultura das empresas.
 
Empresas com uma cultura analógica num mundo digital têm dificuldades reais de atrair talentos. O que antes era salário, hoje é propósito e chance de crescimento. O que antes era chefe, hoje precisa ser liderança. O que antes era rotina, hoje precisa ser flexibilidade, escuta e respeito. 
 
A escassez de trabalhadores em setores como supermercados, que chegou ao ponto de recorrer ao Exército para preencher vagas, expõe isso com clareza. Culpar exclusivamente os benefícios sociais é ignorar o fato de que muitos desses empregos não oferecem perspectiva de crescimento futuro. 

O outro lado da moeda

 
Por outro lado, sabemos das lutas, dos desafios e das dificuldades enfrentadas por quem empreende no Brasil (já abordados em artigos nesta coluna). E sim, é um ambiente que impõe muitos obstáculos. Mas se as empresas continuarem oferecendo apenas vagas mal remuneradas, com pouca qualificação e alto desgaste, o país caminha para um novo cenário.
 
Um cenário em que as empresas terão de competir de verdade pelos talentos, oferecendo melhores salários, mais formação e melhores condições. Ou ficarão à margem de uma nova lógica do trabalho, na qual os profissionais já não aceitam qualquer coisa apenas por segurança aparente.
 
E isso não é achismo. É lógica básica. Afinal de contas, trata-se da primeira lei da economia segundo Adam Smith: oferta e demanda. Em um contexto de emprego formal em alta e escassez de mão de obra qualificada, o valor do trabalho tende a subir. Se os salários não acompanharem esse movimento, veremos mais empresas enfrentando rotatividade crescente, queda de produtividade e dificuldade real de atrair bons profissionais.
 
Ou o mercado de trabalho se adapta, ou veremos o crescimento de um descompasso estrutural: vagas sobrando de um lado e talentos migrando para onde há mais liberdade, dignidade e, muitas vezes, melhor remuneração.

Últimos comentários

Instale nossos aplicativos
Divulgação de riscos: Negociar instrumentos financeiros e/ou criptomoedas envolve riscos elevados, inclusive o risco de perder parte ou todo o valor do investimento, e pode não ser algo indicado e apropriado a todos os investidores. Os preços das criptomoedas são extremamente voláteis e podem ser afetados por fatores externos, como eventos financeiros, regulatórios ou políticos. Negociar com margem aumenta os riscos financeiros.
Antes de decidir operar e negociar instrumentos financeiros ou criptomoedas, você deve se informar completamente sobre os riscos e custos associados a operações e negociações nos mercados financeiros, considerar cuidadosamente seus objetivos de investimento, nível de experiência e apetite de risco; além disso, recomenda-se procurar orientação e conselhos profissionais quando necessário.
A Fusion Media gostaria de lembrar que os dados contidos nesse site não são necessariamente precisos ou atualizados em tempo real. Os dados e preços disponíveis no site não são necessariamente fornecidos por qualquer mercado ou bolsa de valores, mas sim por market makers e, por isso, os preços podem não ser exatos e podem diferir dos preços reais em qualquer mercado, o que significa que são inapropriados para fins de uso em negociações e operações financeiras. A Fusion Media e quaisquer outros colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo não são responsáveis por quaisquer perdas e danos financeiros ou em negociações sofridas como resultado da utilização das informações contidas nesse site.
É proibido utilizar, armazenar, reproduzir, exibir, modificar, transmitir ou distribuir os dados contidos nesse site sem permissão explícita prévia por escrito da Fusion Media e/ou de colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo. Todos os direitos de propriedade intelectual são reservados aos colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo e/ou bolsas de valores que fornecem os dados contidos nesse site.
A Fusion Media pode ser compensada pelos anunciantes que aparecem no site com base na interação dos usuários do site com os anúncios publicitários ou entidades anunciantes.
A versão em inglês deste acordo é a versão principal, a qual prevalece sempre que houver alguma discrepância entre a versão em inglês e a versão em português.
© 2007-2025 - Fusion Media Limited. Todos os direitos reservados.