Bancos digitais transformam o mercado com 100% do CDI e desafiam assessores

Publicado 05.07.2025, 09:02

Com Gerson Júnior

O Brasil vive uma transformação silenciosa, mas profunda, no mercado financeiro. Enquanto muitos ainda discutem se os bancos digitais são uma moda passageira, a realidade já se impôs: eles não apenas chegaram para ficar, como estão redefinindo completamente as regras do jogo. E no centro dessa revolução está uma oferta que parecia impensável há poucos anos: aplicações que rendem 100% do CDI ou mais, com liquidez diária e sem burocracia.

A conta é simples e devastadora para o modelo tradicional. Com o CDI próximo de 14,90% ao ano em 2025, um investimento de R$ 1.000 a 100% do CDI rende aproximadamente R$ 1.149 brutos em um ano, enquanto a mesma quantia na poupança não passaria de R$ 1.061. Mas, o diferencial não está apenas nos números – está na facilidade. O Nubank (BVMF:ROXO34), por exemplo, com mais de 100 milhões de clientes, popularizou o conceito de rendimento automático: basta deixar o dinheiro parado por 30 dias e pronto, sem aplicação manual, sem gerente, sem papelada.

Essa simplicidade é revolucionária porque democratiza o que antes era privilégio. Até recentemente, CDBs de 100% do CDI com liquidez diária eram produtos "premium", acessíveis apenas para clientes com patrimônio elevado ou através de assessoria especializada. Hoje, qualquer pessoa com um smartphone tem acesso imediato a essa rentabilidade. O C6 Bank oferece CDBs de até 109% do CDI, o Mercado Pago chega a 105% do CDI automático, e o PagBank surpreende com ofertas promocionais de 130% do CDI para novos clientes. O processo foi reduzido a um simples clique (one click)— em poucos segundos, o cliente ativa o rendimento automático.

A pressão sobre os bancos tradicionais foi inevitável e imediata. Instituições centenárias como Bradesco (BVMF:BBDC4), Itaú (BVMF:ITUB4) e Santander (BVMF:SANB11), que confortavelmente ofereciam CDBs entre 85% a 95% do CDI, se viram obrigadas a reagir. O Bradesco agora equipara sua oferta com CDB de 100% do CDI e liquidez diária, o Itaú criou o Iti com as mesmas condições, e o movimento se espalhou por todo o setor. Não é coincidência que essas mudanças tenham acontecido exatamente quando os bancos digitais ganharam escala.

Mas talvez o impacto mais interessante - e menos óbvio - dessa transformação esteja sendo sentido pelos assessores de investimentos. Durante muitos anos, esses profissionais construíram suas carreiras oferecendo acesso privilegiado a produtos que os clientes não encontravam facilmente nos bancos de varejo. Era um modelo que funcionava: o assessor agregava valor conectando investidores a CDBs mais rentáveis, fundos exclusivos e oportunidades diferenciadas.

Hoje, esse modelo está em xeque. Os assessores precisam agora focar em "abrangência de produtos" que vai muito além dos investimentos tradicionais. A simples oferta de um CDB de 100% do CDI não impressiona mais ninguém - afinal, está disponível gratuitamente no celular.

É uma mudança paradigmática que força os assessores a repensarem completamente sua proposta de valor. Os mais atentos já entenderam que o futuro está na consultoria personalizada, na educação financeira e na especialização em produtos complexos que exigem conhecimento técnico aprofundado - mas que podem estar completamente desconectados dos interesses dos clientes. Seguros, consórcios, planejamento sucessório, derivativos, investimentos no exterior - áreas onde a tecnologia ainda não consegue substituir completamente a expertise humana.

Paradoxalmente, essa "comoditização" dos investimentos básicos pode estar criando um mercado mais sofisticado. À medida que mais brasileiros se familiarizam com conceitos como CDI, CDB e liquidez diária através dos bancos digitais, cresce naturalmente o interesse por produtos mais complexos e rentabilidades superiores. O cliente que começa com 100% do CDI no Nubank eventualmente quer saber sobre fundos multimercado, ações ou investimentos internacionais. A questão é: esses clientes têm conhecimento para entender as estruturas de payoffs e os riscos desses investimentos mais sofisticados?

Os bancos tradicionais, por sua vez, não estão assistindo passivamente a essa transformação. O Santander comprou o controle da Toro Investimentos, o Bradesco reformulou sua plataforma Ágora, ... A estratégia é clara: se não conseguem vencer os bancos digitais na simplicidade, vão tentar vencê-los na diversidade e sofisticação de produtos.

Mas há algo mais profundo acontecendo aqui. Essa revolução dos 100% do CDI não é apenas uma questão de rendimento ou tecnologia - é uma mudança cultural sobre como os brasileiros se relacionam com o dinheiro. Uma geração inteira está aprendendo que deixar dinheiro parado na conta corrente é literalmente jogar dinheiro fora, que investir não precisa ser complicado, e que a rentabilidade real está ao alcance de todos.

O que vemos hoje é apenas o começo. As promoções que oferecem entre 170% e até 220% do CDI em vencimentos curtos não são apenas generosidade - são o novo custo de aquisição de clientes no mercado financeiro digital. Ao oferecer esse “brinde inicial”, os bancos digitais capturam leads valiosos, que passam a integrar suas bases e receber ofertas recorrentes por e-mail, notificações ou WhatsApp. Mais do que rentabilidade, é uma estratégia agressiva de expansão e fidelização. É uma guerra de preços que beneficia o consumidor no curto prazo, mas que levanta questões sobre a sustentabilidade desses modelos. 

Para os investidores, o cenário atual tem aspectos favoráveis. Nunca foi tão fácil ter acesso a investimentos rentáveis e seguros. Para os assessores, representa um desafio existencial que pode se transformar na maior oportunidade da carreira - desde que entendam que o valor não está mais no acesso a produtos, mas na capacidade de orientar, educar e construir relacionamentos genuínos.

O mercado financeiro brasileiro está se democratizando de forma irreversível. Os bancos digitais apenas aceleraram um processo que já estava em curso, mas fizeram isso de uma maneira tão disruptiva que forçaram todo o setor a se reinventar. E essa reinvenção está longe de terminar.

Contudo, é preciso um alerta importante nesse cenário aparentemente favorável. A facilidade de acesso aos investimentos básicos pode criar uma falsa sensação de conhecimento financeiro. Clientes que se acostumaram com a simplicidade dos 100% do CDI podem ser facilmente seduzidos por produtos mais sofisticados e arriscados que não compreendem completamente. Fundos estruturados, derivativos complexos, criptomoedas e investimentos internacionais exigem um nível de educação financeira que não se adquire apenas navegando em aplicativos intuitivos. Existe o risco real de que a democratização do acesso se transforme numa democratização das perdas, especialmente quando investidores iniciantes são direcionados para produtos de maior risco sem a devida orientação. A responsabilidade aqui é compartilhada: das instituições financeiras em oferecer produtos adequados ao perfil do cliente, dos órgãos reguladores em proteger o investidor menos experiente, e dos próprios investidores em buscar conhecimento antes de diversificar seus portfólios.

A revolução dos 100% do CDI é, na verdade, muito mais que uma questão de rentabilidade. É a democratização do acesso ao capital, a educação financeira em massa e a prova de que a tecnologia pode, sim, tornar o sistema financeiro mais justo e eficiente. Mas como toda revolução, traz consigo tanto oportunidades quanto riscos que precisam ser cuidadosamente administrados. Resta saber como o mercado reagirá aos próximos capítulos dessa transformação.

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