Quando as negociações tiveram início em abril, muitos investidores alimentavam esperanças de que o novo mês não seria tão volátil quanto março.
E, de fato, não foi. Poderia ter sido pior. Normalmente, abril é um dos melhores meses para as ações, mas acabou sendo deplorável para os investidores.
O índice Nasdaq Composite caiu 13,3%, seu pior desempenho desde outubro de 2008. Os índices Dow Jones Industrial e o S&P 500 tiveram seus piores resultados desde março de 2020, quando o vírus da Covid-19 começou a se espalhar para o mundo.
Como ressaltou o portal Marketwatch.com, o Dow e o S&P 500 sofreram, cada um, seus maiores declínios percentuais desde 1970 para um mês de abril.
O baque que as ações receberam no mês passado fez com que o Dow recuasse 9,3% no ano, e o Nasdaq, 21,2%.
O Nasdaq 100 não teve melhor sorte. O índice repleto de ações de tecnologia cedeu 13,4% no mês e 21,21% no ano.
De janeiro a abril, o S&P 500 acumulou uma queda de 13,3%, seu pior desempenho nos quatro primeiros meses do ano, desde pelo menos 1950.
Após um resultado tão deplorável, é justo que o investidor se pergunte se o pior já passou. Isso ainda não está claro.
O mercado continua enfrentando ventos contrários em 2022:
- A maior disparada inflacionária desde o início da década de 1980: os preços nos EUA registram alta anual de 8,5%, dado que as economias de todas as partes enfrentam dificuldades para satisfazer a alta demanda, diante das restrições de oferta e da escassez de frete marítimo, ferroviário e rodoviário. O barril de petróleo West Texas intermediate, referência nos EUA, encerrou o pregão de sexta-feira a US$ 104,69, uma alta de 4,4% em abril e de 39,2% no ano.
- Promessa do Federal Reserve de combater a inflação: o comitê de política monetária do banco central americano se reúne na quarta-feira, e a expectativa é que eleve sua taxa básica em meio ponto percentual. Também sinalizará mais aumentos de juros durante o resto de 2022 e em 2023.
- Guerra na Ucrânia: a invasão da Rússia em seu país vizinho, em 24 de fevereiro, já ceifou a vida de milhares de civis e militares de ambos os lados, além de forçar a fuga de cinco milhões de ucranianos de sua terra natal. A incursão devastou a economia da Ucrânia e fraturou a da Rússia. O mais importante é que o conflito gerou transtornos no comércio internacional de grãos. Rússia e Ucrânia exportam cerca de um quarto do trigo do mundo, o que acabou gerando receio em relação aos preços dos alimentos. O trigo saltou quase 40% apenas neste ano. (Mas a consultora agrícola Sarah Taber, em um artigo no site da revista Foreign Policy, ressalta que não há escassez: “temos trigo suficiente, dado que estamos acostumados com os silos repletos”).
- Covid-19 ainda é uma ameaça: a situação é melhor do que em 2020, quando ainda pouco se sabia sobre o vírus e suas variantes. As vacinas estão cada vez mais disponíveis, reduzindo as hospitalizações.
- Mas, ainda que os obstáculos tenham sido superados, leva tempo para que os mercados consigam recuperar as perdas. A favor do mercado: a economia dos EUA está sólida, e os juros, apesar da sua ascensão, não se comparam com as taxas vistas nas décadas de 1970 e 1980.
Queda ampla e violenta
A derrocada dos mercados acionários em abril (bem como no acumulado do ano) foi ampla e difícil de evitar. Apenas um dos onze setores do S&P 500 registrou ganhos no mês: consumo básico.
As ações do grupo foram lideradas pela Kimberly-Clark (NYSE:KMB), com alta de 12,7%. Entre os outros destaques do setor, podemos citar Walmart (NYSE:WMT), alta de 2,7%; Costco Wholesale (NASDAQ:COST), queda de 7,66%; Clorox (NYSE:CLX) alta de 3,2%; Coca-Cola (NYSE:KO), alta de 4,2%; Procter & Gamble (NYSE:PG), alta de 5,1%.
O setor com pior desempenho foi consumo discricionário, com um deslize de 13,6%. Entre as ações desse grupo estão: Amazon.com (NASDAQ:AMZN), Tesla (NASDAQ:TSLA), Ford Motor (NYSE:F), Target (NYSE:TGT) e a empreiteira Lennar (NYSE:LEN).
As ações de tecnologia mais visadas ou relacionadas ao setor deram um nó nos investidores. O CEO da Tesla, Elon Musk, comprou o Twitter (NYSE:TWTR) por US$ 44 bilhões, fazendo as ações da rede social dispararem 26,7% no mês, um dos melhores desempenhos no S&P 500.
Ao mesmo tempo, a Tesla se desvalorizou 19,2%. Isso pode refletir, em parte, a venda que Musk fez de US$ 4 bilhões de suas ações da Tesla.
A Amazon surpreendeu Wall Street na quinta-feira, ao reportar um raro prejuízo trimestral de 23,8%.
O papel afundou 14% na apenas na sexta-feira, seu maior recuo diário desde julho de 2006. O crescimento da receita está desacelerando, e a empresa de varejo eletrônico reduziu parte da sua participação de 18% na Rivian Automotive (NASDAQ:RIVN), fabricante de utilitários e caminhões elétricos.
As ações da Rivian cederam quase 40% no mês e acumulam queda de 71% neste ano.
E não poderíamos deixar de falar da gigante do streaming Netflix (NASDAQ:NFLX), que derreteu 49% no mês depois de anunciar a perda de 200.000 assinantes no primeiro trimestre, alertando que poderia perder mais dois milhões de assinantes no segundo trimestre.
A debacle da Netflix prejudicou as ações da Walt Disney (NYSE:DIS), cujo serviço de streaming, o Disney+, apesar de crescer, ainda não gera lucro. Os papéis da Disney recuaram 18,6% em abril, segundo pior desempenho entre as ações do Dow. As ações da Casa do Mickey Mouse acumulam queda de 28% no ano. O pior é que os papéis estão 45% distantes do pico alcançado em março de 2021.
Além disso, o mercado de entretenimento por streaming enfrenta dificuldades para se justificar. A CNN gastou US$ 300 milhões para desenvolver sua própria plataforma, o CNN Plus. Mas sua nova proprietária, a Warner Brothers Discovery (NASDAQ:WBD), resolveu acabar com o serviço de forma quase imediata, por causa do baixo volume de assinaturas. As ações da WBD caíram 27% por causa disso.
Até mesmo os papéis da Apple (NASDAQ:AAPL) e da Microsoft (NASDAQ:MSFT) não conseguiram se esquivar da derrocada. A Apple cedeu 9,7% no mês, e a Microsoft, 10%. Mas ambas mantiveram suas capitalizações de mercado de mais de US$ 2 trilhões.
O famoso ETF ARK Innovation (NYSE:ARKK), de Cathie Woods, sofreu uma queda de 28,9% em abril.
No ano, o ETF acumula queda de 51,3%.
As ações da indústria de chips também foram afetadas. A Intel (NASDAQ:INTC), integrante do Dow, desvalorizou-se 12%. A Nvidia (NASDAQ:NVDA), que fabrica chips gráficos e de processamento de ponta, usados em videogames e aplicações de moedas cibernéticas, despencou 32%.
Seu desempenho foi o segundo pior do mês entre as ações dos S&P 500.
O setor de energia teve leve declínio, mesmo com os preços do barril de petróleo se firmando acima de US$ 100. A Chevron (NYSE:CVX) recuou 3,8%, enquanto a Exxon Mobil (NYSE:XOM) subiu 3,2%. Ainda assim, a Chevron acumula alta de 33,5% no ano. Já a Exxon sobe 39,3%.
Mesmo com o recuo de 2,91% em abril, a Occidental Petroleum (NYSE:OXY) ainda é uma das melhores ações do S&P no ano, com alta de 9%.
A alta das taxas de juros foi um denominador comum na correção das ações. O rendimento da nota de 10 anos do Tesouro dos EUA começou o ano um pouco acima de 1,5% e encerrou abril a 2,887%. Trata-se de uma alta de cerca de 80%. O movimento de ascensão começou depois que o Fed anunciou que deixaria de injetar dinheiro no sistema bancário para respaldar a economia dos EUA. (Os bancos centrais ao redor do mundo fizeram movimentos similares).
Até agora, o ambiente de alta de juros não gerou transtornos econômicos de forma geral.
Esse movimento das taxas reduzirá os preços dos títulos e das ações e pode pesar sobre as economias vulneráveis, com dívidas indexadas aos juros, ou empresas desesperadamente em busca de injeção de caixa para manter as portas abertas, como as startups de biotecnologia.
Outro setor que pode sentir o peso das altas de juros é o mercado imobiliário americano.
As taxas hipotecárias vêm subindo de forma silenciosa, segundo Freddie Mac (OTC:FMCC), a Corporação Federal de Empréstimos Hipotecários Residenciais, uma das duas maiores fornecedoras de crédito do setor.
Como o Fed manteve os juros perto de zero para dar suporte à economia em 2020, a hipoteca de 30 anos se manteve em níveis baixos, a 2,66%, em dezembro de 2020. Mas, no fim de 2021, a taxa já havia subido para 3,11%. Até a semana passada, seu nível havia alcançado 5,1%.
O pagamento do principal e dos juros de uma hipoteca de US$ 250.000 por 30 anos aumentaria cerca de US$ 1.006 para US$ 1.357, um aumento de 35%.
Vamos encerrar com a questão em relação ao fundo do mercado. Será que já tocamos um?
- Ainda não é visível: nas últimas seis sessões, o número de ações que registraram novas máximas de 52 semanas nunca excedeu 43, ao passo que o número de ações que tocaram novas mínimas de 52 semanas nunca foi menor que 410. Nenhum dos dois é um sinal de alta.
- Um conjunto de indicadores técnicos bastante baixistas: indicadores técnicos, como o índice de força relativa e o MACD, ainda sugerem que o mercado está em forte modo de venda. Um IFR que se firma abaixo do nível de trinta é um sinal de fundo à vista. Na sexta-feira, o S&P 500, o Dow, o Nasdaq, o Nasdaq 100 e o Russell 2000 estão em torno de 34 e 35. (Confira mais indicadores técnicos do S&P 500 aqui.)
- Guerra na Ucrânia precisa acabar: o estabelecimento e a manutenção de fronteiras estáveis seria algo positivo. Ninguém deseja que o conflito se estenda, digamos, para a Polônia ou os países bálticos.
- Evidências adicionais de redução dos problemas na cadeia de fornecimento mundial: há menos de 40 navios à espera para descarregar em Los Angeles, uma queda de mais de 100 no início do ano, de acordo com o relatório de logística Supply Chain Brain.
- Dólar está ficando muito caro para uma recuperação: o Índice Dólar era negociado acima de 103, uma alta de 4,7% em abril, 7,7% neste ano.
- No fim, é preciso aguardar o Fed: o objetivo do banco central dos EUA é arrefecer a inflação da economia, sem, contudo, provocar uma recessão. Trata-se de um desafio no mínimo delicado e complexo. Talvez isso também ajude a explicar por que as ações estão sendo esmagadas.
É certo que vamos atingir o fundo. Mas talvez seja necessário mais tempo e paciência.