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O anúncio, em 22 de maio, do bloqueio de mais de R$ 31 bilhões no orçamento federal de 2025 marca um ponto de inflexão na política fiscal brasileira. Em termos práticos, trata-se de um congelamento de despesas que afeta desde investimentos em infraestrutura até programas sociais, com a justificativa oficial de preservar o cumprimento do teto de gastos e sinalizar compromisso com a responsabilidade fiscal – mesmo o governo jogando contra nos últimos anos. Mas, ao olhar mais atento, esse movimento revela tanto riscos para a dinâmica econômica quanto oportunidades únicas para empresas e investidores que souberem antecipar o cenário.
No cerne da medida está o arcabouço fiscal - aquele mecanismo implantado em 2021 para limitar o crescimento real das despesas à inflação. Ao exigir ajustes tão drásticos já no primeiro ano do mandato, o governo confessa que a combinação entre a desaceleração econômica e o aumento de despesas obrigatórias, impulsionadas por reajustes de servidores, benefícios previdenciários e expansão de programas sociais, engessou o orçamento. O componente discreto, ou seja, as verbas de custeio e investimento, foi contemplado quase integralmente pelo bloqueio, indicando que serão esses os primeiros alvos de contenção – e que não são esses a prioridade do atual governo.
Para entender a gravidade, basta lembrar que o Congresso, em março, aprovou uma previsão de superávit primário de apenas R$ 15 bilhões - o menor desde 2015, e muito aquém dos R$ 30 bilhões porventura permitidos pelo teto fiscal. A necessidade de acomodar esse superávit “módico” implica aparar cortes que, em outras circunstâncias, seriam destinados a estimular o crescimento econômico e trazer mais base qualitativa para a sociedade – mas quem se importa com isso? Constrangidos por essa lógica, governos estaduais e municípios também sofrerão efeito cascata, reduzindo obras, paralisando concessões e pressionando fornecedores de bens, serviços e obras públicas. O resultado imediato tende a ser um arrefecimento da atividade econômica: menos infraestrutura em curso, menor demanda por materiais de construção, equipamentos e tecnologia.
No entanto, essa retração orçamentária não acontece isoladamente. Em abril, o governo apontou uma revisão para cima do PIB de 2025, agora projetado em 2,4%, e de inflação, estimada em 5,0%. Esse duplo movimento - crescimento ligeiramente mais forte, mas com preços em elevação - amplia o dilema: cortes necessários para cumprir metas fiscais, mas cuja intensidade pode sacrificar o próprio crescimento que se diz buscar. A consequência é uma economia pressionada a dois tempos: o monetário, com juros elevados para domar a inflação; o orçamentário, com limites rígidos para não violar o teto.
Para o mercado financeiro doméstico, o bloqueio de R$ 31,3 bilhões traz duas faces. No curto prazo, reforça o compromisso com a disciplina fiscal, elemento fundamental para manter ou retomar ratings de crédito e conter a volatilidade dos juros de longo prazo. Em um ambiente no qual cada ponto percentual de alta na Selic eleva o serviço da dívida em dezenas de bilhões de reais, demonstrar que o governo está disposto a cortar despesas dá ao investidor alguma segurança de que o arcabouço não será rompido.
Por outro lado, setores impactados diretamente pelo enxugamento de recursos - como infraestrutura, energia, saneamento e educação - enfrentarão forte desaceleração de novos contratos. Empresas desses segmentos precisarão buscar alternativas de financiamento privado, parcerias público-privadas ou reestruturações de projeto para não ter seus fluxos de caixa comprometidos. O mesmo vale para o mercado de papel corporativo, que verá prazos e spreads ajustados à nova realidade de menor liquidez fiscal.
É justamente nesse ponto que se abrem oportunidades para investidores com visão estratégica. Em um cenário de restrição tributária e orçamentária, cresce o apetite por concessões e privatizações, capazes de transferir ao setor privado a capacidade de execução das obras. Fundos de infraestrutura e private equity que já canalizam recursos para rodovias, ferrovias e portos estarão na linha de frente para captar ativos com valuation potencialmente atrativo, em função do backlog de investimentos represados. Além disso, empresas exportadoras e tradings podem encontrar maior previsibilidade em mercados internacionais, à medida que o real se estabilize diante do controle fiscal - um ambiente usualmente favorável a receitas em moeda forte.
Outro campo de oportunidades reside no segmento de crédito não bancário e fintechs de financiamento corporativo. Com bancos tradicionais calibrando prudentemente suas carteiras para lidar com menor oferta de papel público, surge espaço para plataformas de crédito privado, peer-to-peer lending e emissão de debêntures de menor porte. Startups de tecnologia financeira que acelerem o processo de captação e gestão de crédito podem atrair recursos buscando melhores retornos e diversificação de risco, compensando a restrição orçamentária governamental.
A nível macro, a estratégia mais eficaz não se limita ao bloqueio de despesas, mas ao redesenho de processos e à reforma tributária definitiva. A simplificação do sistema de impostos, a consolidação de benefícios fiscais e o estabelecimento de regras claras de despesa obrigatória são caminhos que, juntos, ampliam o espaço fiscal. Para o investidor de longo prazo, acompanhar não apenas o número do bloqueio, mas o avanço dessas reformas estruturais, será crucial para posicionar capital em ativos que ganhem com um Brasil mais competitivo e resiliente.
Em suma, o bloqueio de R$ 31,3 bilhões deixa claro que a era do “orçamento elástico” acabou: o Estado busca urgentemente se ajustar a limites físicos de despesa e a rigorosas expectativas de mercado. O custo político dessa medida é elevado - haverá pressão por serviços, investimentos sociais e pagamentos em atraso -, mas o crédito internacional e a confiança dos investidores exigem demonstrações claras de comprometimento. Nessa conjuntura, negócios que operam na linha tênue entre o público e o privado, bem como aqueles ancorados em receitas em dólar ou atrelados a commodities, despontam como apostas mais seguras. Posicionar-se antecipadamente, portanto, não é apenas uma estratégia de proteção: é o caminho para colher os frutos de uma fase de transição rumo a um ambiente fiscal mais equilibrado e sustentável.