Termina amanhã à noite o prazo de 48 horas dado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a defesa de Sergio Moro se manifestem sobre o sigilo do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, citada pelo ex-ministro como prova.
A notícia de que a gravação teria um conteúdo “devastador” penalizou os mercados domésticos ontem, tirando o Ibovespa da casa dos 80 mil pontos e içando o dólar para novo topo recorde, colado à faixa de R$ 5,90. E esse prazo dado pelo STF tende a manter os negócios locais em suspense nos próximos dias.
Afinal, não se sabe se a publicação do vídeo será na íntegra ou se serão divulgados apenas trechos correspondentes à acusação de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Por mais que os investidores vejam como pouco provável a possibilidade de um impeachment, o cenário político tornou-se o principal risco para os ativos locais.
Mas as preocupações se avolumam. O recorde de 881 mortes por Covid-19 ontem só faz lembrar que ainda é preciso combater a disseminação do coronavírus no Brasil, que já registra quase 180 mil casos e 12,4 mil óbitos. Além disso, o mercado financeiro segue preocupado com a piora dos gastos públicos em tempos de pandemia.
Tensão externa
Em meio a essa lista crescente de focos de tensão, o mercado doméstico se volta para o exterior, que tem fôlego curto para ampliar o rali recente. Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram na linha d’água, alternando altas e baixas, enquanto as praças europeias exibem quedas aceleradas, de até 2%, ajustando-se às fortes perdas da véspera em Wall Street, após uma sessão mista na Ásia, onde Xangai subiu, mas Tóquio caiu.
Lá fora, o temor também aumenta, o que mantém a busca por proteção no dólar e enfraquece as commodities. Os investidores parecem começar a se dar conta de que os mercados globais estão fora da realidade, pois tudo indica que levará tempo para que as economias consigam se reerguer, passadas as medidas de isolamento social. Há também o receio de que a reabertura seja precoce, diante dos riscos de uma segunda onda.
Além disso, a escalada da tensão geopolítica entre Estados Unidos e China volta a incomodar. A relação entre as duas maiores economias do mundo não é nada amistosa, com Pequim adotando a postura de rebater as acusações feitas por Washington e abrindo mão da tática de recuar.
Com isso, os investidores já se preparam para uma nova fase da guerra sino-americana, que começou no front comercial, ganhou contornos de disputa tecnológica e caminha, agora, para um confronto no âmbito financeiro, em meio às investidas dos EUA contra à posse de dólares (operação Twist) e títulos soberanos (Treasuries) nas mãos dos chineses.
Assim, o cenário pós-pandemia de coronavírus tende a se tornar um fenômeno disruptivo entre o poderio ocidental e a potência asiática, em um ambiente já marcado por finanças globais fragilizadas pelos juros negativos no mundo, excesso de liquidez, crescimento econômico baixo e com o fantasma da deflação se aproximando.
E nada disso está embutido nos preços dos ativos, que vinham apostando em uma recuperação firme da economia global, em um formato em “V”. Por ora, a letra “D”, de depressão, continua ganhando força, pois as mudanças no cenário econômico devem se materializar de forma mais profunda e com uma duração maior que uma simples recessão.
Atividade e inflação seguem na agenda
Mais um indicador sobre a atividade doméstica será conhecido hoje, desta vez, referente às vendas no varejo em março. A previsão é de queda, nas duas bases de comparação, com o comércio sentido o impacto das medidas de isolamento social adotadas em algumas cidades brasileiras no fim daquele mês.
Os resultados efetivos serão conhecidos às 9h. Depois, às 14h30, é a vez dos dados do Banco Central sobre a entrada e saída de dólares (fluxo cambial) do país até o início deste mês. Os números devem continuar mostrando retiradas expressivas de capital externo pela via financeira.
No exterior, logo cedo, sai o desempenho da indústria na zona do euro em março. Já nos EUA, o destaque fica com um discurso do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell (10h). Entre os indicadores econômicos, saem o índice de preços ao produtor (PPI) norte-americano (9h30) e os estoques semanais de petróleo bruto e derivados (11h30).