Joe Biden assumiu ontem o comando dos Estados Unidos e as bolsas de Nova York fecharam no azul, renovando recorde e registrando o melhor desempenho em quase 40 anos para o dia da posse de um novo presidente. Enquanto isso, o Ibovespa ficou no vermelho e perdeu os 120 mil pontos. O descolamento é um claro exemplo da influência da política no desempenho do mercado financeiro.
Afinal, decisões econômicas são questões de governos. Não se trata, portanto, de torcida nem ativismo. Se a Bolsa brasileira não foi convidada para a festa celebrada em Washington é porque o cenário em Brasília está encoberto, com sinais de que o vento pode virar. Uma série de indefinições dificultam os ativos locais de acompanharem o rali externo. E enquanto lá fora uma nova fornada de estímulos fiscais anima, aqui, preocupa.
Os investidores têm se dado conta de que os desafios impostos pela imunização da covid-19 no país, apesar da vacina, podem “furar” o “teto dos gastos” e ampliar os riscos inflacionários, diante da necessidade de uma nova rodada do auxílio emergencial, em um momento de perda de tração da atividade e de queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Há, ainda, uma disputa política pelas presidências da Câmara e do Senado.
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Aliás, muitos desses fatores foram citados ontem pelo Banco Central como justificativa para a retirada da ferramenta de orientação futura (forward guidance), conforme esperado. No comunicado que acompanhou a decisão de manter a Selic em 2% pelo quarta vez seguida, o BC citou a piora da percepção de risco no país no caso de um "prolongamento das políticas fiscais em resposta à pandemia". Citou também frustração com as reformas.
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O Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou-se preocupado com a trajetória da inflação acima da meta, fazendo com que o forward guidance deixe de existir. A partir de agora, a condução da taxa básica de juros seguirá a análise usual do balanço de riscos para o comportamento dos preços. Mas isso não significa que o aperto será já na próxima reunião, em março, pois a conjuntura econômica ainda carece de estímulos.
Ou seja, na ausência de uma atuação efetiva, concreta e agressiva do governo federal (e sua equipe econômica) para colocar o país de volta aos trilhos, aprovando pautas no Congresso, o Brasil permanecerá em situação frágil, com claras consequências negativas. Por isso, o dia de ontem pode em breve ser mais tendência do que exceção, com o mercado doméstico ficando mais sensível a questões locais e descolando-se do exterior.
Onda Azul
Lá fora, Wall Street festejou ontem a despedida de Donald Trump da Casa Branca não foi porque os investidores têm preferência por governos democratas. Ao contrário. A última vez em que os índices Dow Jones e S&P 500 tiveram desempenho expressivo com a posse de um presidente foi quando o republicano Ronald Reagan fez o juramento para seu segundo mandato, em 1985.
Aliás, alguém ainda se lembra que, no período eleitoral, as bolsas no mundo caíram justamente porque a "onda azul" aumentaria os gastos? Mas agora as ações são embaladas justamente por um governo Biden gastador, tendo demonstrado até certa frustração quando foi anunciado, na semana passada, um novo pacote fiscal na casa do trilhão - e não dos trilhões - de dólares.
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Agora com o Senado também democrata, nem mesmo a relutância republicana em aumentar os déficits nacionais deve impedir a aprovação de mais US$ 1,9 trilhão para limitar o impacto da doença em direção a uma recessão econômica. Somado a isso, os investidores veem oportunidades de ganhos adicionais entre os ativos de risco com as vacinas dando tração à recuperação da atividade dos impactos causados pela pandemia.
A expectativa, então, é de que a expansão de gastos nos EUA irá reviver o crescimento econômico global e impulsionar o lucro das empresas, com a retomada da demanda, em meio a um esforço do governo eleito em imunizar mais cidadãos. Esse otimismo sustenta os índices futuros das bolsas de Nova York em alta nesta manhã, embalando as bolsas europeias, após uma sessão igualmente positiva na Ásia.
O BC do Japão (BoJ) manteve sua política monetária e a expectativa é de que, logo mais, o BC da zona do euro (BCE) faça o mesmo. A decisão será conhecida às 9h45, seguida de uma entrevista coletiva da presidente, Christine Lagarde, às 10h30. Já o dólar segue enfraquecido, enquanto o juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos (T-note) afasta-se ainda mais da marca de 1,10%.
Diante desse ambiente internacional, o comportamento dos ativos brasileiros vem sendo mascarado pelos fluxos globais positivos, em meio à enxurrada de dólares injetados no sistema financeiro, por meio de estímulos monetários e fiscais sem precedentes. Na ausência de um ajuste fiscal mais amplo, o investidor não deve dar o benefício da dúvida ao Brasil, deixando os negócios locais vulneráveis a pequenas mudanças de humor global.
Afinal, com o dólar sendo “perdedor” em relação às moedas rivais, torna-se uma questão de tempo a possibilidade de aumento da inflação no mundo, que deve ser acompanhado de aperto das taxas de juros nos países desenvolvidos, impactando os mercados globais, em especial os ativos de risco relacionado ao crédito de países emergentes. É aí que o Brasil deve mostrar a cara!
Agenda segue fraca
Mais um dia sem indicadores econômicos em destaque, no Brasil e no exterior. Aqui, o calendário está esvaziado, enquanto lá fora serão conhecidos mais dados sobre o setor de moradias nos EUA em dezembro e os pedidos semanais de seguro-desemprego feitos no país, além do índice regional sobre a atividade industrial na Filadélfia em janeiro - todos às 10h30.