Saudações.
Semana passada eu mencionei um artigo que me foi enviado sobre o mercado de charlatões. A quem porventura interessar (recebi alguns e-mails perguntando a fonte), o mesmo encontra-se disponível aqui. Hoje queria falar mais um pouco sobre o tema, na ótica de quem está nesse negócio há um tempinho.
Contextualizando: caminho para completar onze anos de carreira como analista de investimentos. Salvo um brevíssimo período no qual atuei em private equity, sempre me dediquei parcial ou integralmente à análise de empresas de capital aberto.
Segundo a chefe mais formidável que tive, a vida útil de um analista é de quinze anos: depois disso, ou o sujeito vai cuidar do próprio dinheiro ou vai brincar de outra coisa. Ao que parece, então, não tenho muito tempo pela frente - e é este o motivo pelo qual, a despeito de ser relativamente jovem, me sinto autorizado a falar com alguma propriedade a respeito de como as coisas funcionam.
Por que este é um mercado propício ao surgimento de charlatões?Tenho algumas hipóteses:
Primeiro: as pessoas, em sua maioria, não têm memória. Alguns dos analistas mais bem-sucedidos que conheci do ponto de vista comercial (tenha em mente, desde já, que isso nada tem a ver com oferecer bons resultados em suas recomendações ou não) eram mestres na arte de começar uma frase dizendo uma coisa e terminar afirmando categoricamente o exato oposto, sem que o interlocutor sequer percebesse a inconsistência.
Acredite: é muito, muito fácil dizer uma coisa hoje e, daqui a algum tempo, afirmar o exato oposto sem que a grandessíssima maioria da audiência perceba. Sempre estivemos em guerra com a Lestásia, diria Orwell, e sempre desconfiamos que o preço minério de ferro ia cair subir cair subir cair. Se você quiser parecer sempre certo, sempre encontrará um contingente suficientemente grande de incautos que acreditará na sua narrativa. Isso vale tanto para previsões quanto para afirmações metodológicas: você pode perfeitamente declarar-se ateu hoje e prescrever dez Aves-Marias daqui a um mês sem sequer justificar a repentinaconversão.
Segundo: as pessoas, em sua maioria, não querem ouvir senão uma confirmação daquilo que já pensam. Era uma das primeiras vezes que eu falava com cliente, mais de dez anos atrás. O cara queria uma opinião a respeito de uma ação, e eu sinceramente não sabia nada a respeito. Fui sincero; não soube opinar.
O chefe, então, pediu que um colega me ensinasse como se fazia. Colocou-me para ouvir a ligação seguinte. Se não me falha a memória, a ação era de uma empresa de açúcar e álcool com nome de santo. O cara abriu o gráfico e, tendo falado de meia dúzia de indicadores e tendências, meio que sugeriu que podia tanto subir quanto cair. Ao ouvir o cliente sugerir que estava cogitando comprar, recomendou compra. E lá se foi uma boleta.
Terminada a ligação, questionei: mas afinal, você acha que é pra comprar ou pra vender? Se você sentir que o cara quer comprar, diz pra ele comprar; se você sentir que o cara quer vender, diz pra ele vender.
A banca sempre ganha. Na compra e na venda.
Terceiro: em momentos de euforia, pouco importa quem está falando.
Bolsa na máxima é o maior chamariz do universo para novos entrantes. Este é o momento no qual o neófito está disposto a ouvir a opinião de qualquer um, independentemente de onde este veio, do que fez, do que tem para mostrar, etc. Isto vale tanto para os especialistas de sempre que dão entrevista na Globo News - sem necessariamente terem ganhado um puto centavo com as próprias prescrições - até os anônimos com nomes engraçadinhos em fóruns de reputação suspeita e teorias mirabolantes sobre ações que vão bombar.
A promessa de ganhos astronômicos em curtos espaços de tempo com baixíssimo esforço e riscos virtualmente inexistentes é um verdadeiro canto da sereia. Na hora do oba-oba, poucos param para pensar se o vendedor realmente acredita naquilo que está vendendo - ou se, no fundo, aquilo tudo não passa de snake oil.
Talvez você esteja se perguntando: esse barbudo não tem espelho em casa?
Tenho. Tenho total consciência de que, para muitos recém-chegados, a leitura destas palavras possa representar um alerta contra a própria indústria da qual faço parte. Em alguma medida, isso é um tremendo tiro no pé.
Sabe qual é o meu ponto?
Eu estou mais preocupado em ajudar você a se tornar um investidor consciente do que um aventureiro tentando ganhar um dinheirinho fácil a qualquer custo. E isso envolve, dentre outras coisas, avisá-lo desde já que o mundo não é cor-de-rosa e você não pode confiar cegamente em ninguém - tampouco em mim.
É o seu dinheiro. Insisto: é do seu dinheiro, que muito provavelmente você comeu o pão que o diabo amassou para juntar, que estamos falando aqui. Invista-o com a mesma disciplina com a qual ele foi acumulado.
Se você tem mais pressa do que juízo, tenha a certeza de que aparecerá alguém oferecendo um "atalho". Se você demandar o impossível, tenha certeza que alguém aparecerá oferecendo-o como se fosse a coisa mais simples do mundo.
Vender é uma coisa; entregar é outra. Mas isso, você só descobre depois...
Esta edição é uma homenagem a um leitor que responde a todas as edições com um questionamento-reclamação sempre no mesmo sentido: " ok, e como eu ganho dinheiro com isso?". Toda a sorte do mundo para você, amigo.
E você? Está consciente do que está fazendo... ou se deixando levar por um sentimento de oba-oba? Está realmente confortável com suas decisões ou só está feliz porque, neste momento, está dando certo?
O que você faz se a maré virar? Digo isto porque, não me leve a mal, na maioria das vezes todo mundo acha que vai conseguir prever a hora de sair, mas, paradoxalmente, só meia dúzia consegue. Isso talvez seja sinal de que um pouco de humildade faça bem.
Pense nisso.
E cuide-se: tem uma guerra lá fora.
E também outra: pelo seu dinheiro e pela sua atenção.