A China continua direcionando os mercados norte-americanos, com ou sem a ajuda de Donald Trump.
No primeiro mês de 2020, as ações americanas atingiram máximas recordes logo após os Estados Unidos e a China terem firmado a tão aguardada e quase interminável primeira fase do acordo comercial, no dia 15 de janeiro, reduzindo as tensões entre os dois países. Mas esse impulso teve vida curta.
Na segunda metade do mês, a virulenta disseminação do coronavírus, com suas origens na cidade industrial chinesa de Wuhan, vem derrubando os mercados acionários ao redor do mundo. Ainda não está claro quanto tempo levará para a contenção do vírus, que é responsável por infecções respiratórias capazes de levar à morte. Até agora, já foram computadas mais de 17.000 pessoas infectadas, em sua maior parte na China, com 361 mortes.
Isso pode fazer com que as ações encontrem dificuldade para definir uma direção no curto prazo. A sólida valorização de quase 3,3% até então registrada pelo S&P 500 e o Dow Jones foi inteiramente dissipada. Os dois índices encerraram seu primeiro mês de janeiro no vermelho desde 2016.
O S&P 500 caiu 0,2%, e o Dow, 1%.
O NASDAQ Composto, que registrava uma alta de 5,3% até 24 de janeiro, finalizou o mês com uma valorização de apenas 2%. Já o NASDAQ 100, dominado por grandes ações de tecnologia, subiu quase 3%, mas apresentava uma alta de 6,17% no mês até o dia 24 de janeiro.
Surpresa geopolítica provoca queda
Se a volatilidade de janeiro foi uma surpresa para muitos, sua motivação surpreendeu ainda mais. O governo chinês demorou para reconhecer o vírus. Mas a decisão de fechar todos os transportes públicos para dentro e para fora de Wuhan no dia 23 de janeiro foi um grande sinal de alerta tanto para os mercados chineses quanto mundiais.
O Dow caiu 219 pontos no início do dia, antes de se recuperar. No entanto, no dia seguinte, o índice recheado de “blue chips” perdeu 170 pontos e mais 454 pontos em 27 de janeiro.
Com a piora do noticiário, na sexta-feira, a American Airlines (NASDAQ:AAL) imediatamente suspendeu voos com origem e destino na China continental. A partir de quinta-feira, 6 de fevereiro, tanto a Delta Air Lines (NYSE:DAL) quanto a United Airlines (NASDAQ:UAL) também suspenderão todos os seus voos para a região. A Delta anunciou que a interrupção dos serviços duraria até 30 de abril, enquanto a United e a American disseram que retomarão os voos no dia 28 de março, embora cada uma delas tenha afirmado que continuará monitorando o desdobramento da situação. Suas ações caíram 6,4%, 4,7% e 15% respectivamente no mês.
Os papéis da operadora de cassinos Wynn Resorts (NASDAQ:WYNN), que possui um enorme investimento em Macau, despencaram 9,2% depois de terem subido quase 15% em dezembro.
Hotéis registraram um declínio nas reservas de quartos na China. Redes como a Hyatt Hotels (NYSE:H) e a InterContinental Hotels (NYSE:IHG) estão permitindo que os clientes cancelem as reservas sem penalidades.
A maior parte da queda de 10,6% da InterContinental em janeiro ocorreu durante a segunda metade do mês. A Hyatt se desvalorizou 5,8%.
A Disney (NYSE:DIS) decidiu fechar seus dois parques temáticos na região da Grande China: o Disneyland Hong Kong e o Shanghai Disney Resort. Os papéis da gigante do entretenimento se desvalorizaram 4,4% no mês.
Por outro lado, as ações da Lakeland Industries (NASDAQ:LAKE), que produz uniformes de segurança para ambientes industriais, saltaram quase 51% em uma semana, com os investidores especulando que haveria uma alta na demanda dos produtos da companhia. A Alpha Pro Tech (NYSE:APT), que fabrica máscaras faciais e outros equipamentos de proteção, viu suas ações saltarem 95%.
Volatilidade provocada não só pela China
Mas as oscilações do mercado em janeiro não se deveram inteiramente ao coronavírus. Muitas ações americanas, principalmente as de tecnologia, atingiram níveis sobrecomprados no final de 2019 e as contínuas compras em janeiro. A epidemia forçou as pessoas a vender e sair do mercado ou realizar lucro rapidamente.
Em janeiro, tanto a Alphabet (NASDAQ:GOOGL) quanto a Amazon (NASDAQ:AMZN) alcançaram a marca de US$ 1 trilhão em capitalização de mercado. A queda de sexta-feira, no entanto, fez com que o valuation de ambas as companhias ficasse um pouco abaixo desse patamar emblemático.
A Apple (NASDAQ:AAPL), cujos papéis subiram 86% em 2019, atingiu o pico de US$ 327,85 na quarta-feira, e depois caíram 5,6% nos dois dias seguintes.
O interessante é que a fabricante de veículos elétricos Tesla (NASDAQ:TSLA) saiu ilesa de tudo isso, depois de superar as expectativas de resultado para o quarto trimestre, na semana passada. As ações da companhia encerraram o mês com uma impressionante valorização de 55,5%, superando a alta de 26% no quarto trimestre. Seus papéis agora estão sendo vendidos a 48 vezes o lucro projetado para 2020.
Outra empresa vencedora em janeiro, por razões completamente alheias a eventos geopolíticos, foi a Beyond Meat (NASDAQ:BYND), fabricante de hambúrgueres vegetais com sabor de carne.
Suas ações, que haviam caído forte depois de atingir a máxima de 52 semanas a US$ 239,71 em meados de 2019, tiveram um salto de 48%. Duas razões explicam o movimento: a rede de restaurantes Denny’s ampliou seus testes dos produtos da BYND, que estavam restritos à região de Los Angeles, para 1.700 estabelecimentos, e o McDonald’s também começará a testar os hambúrgueres da empresa em seus restaurantes no Canadá. Dito isso, a ação vem recebendo recomendações de venda de analistas que acreditam que ela esteja cara.
As construtoras estiveram entre as empresas com melhor desempenho de mercado em janeiro, graças às boas expectativas para a economia americana (sem efeito direto do coronavírus). A forte demanda principalmente de clientes de alta renda e taxas de juros extremamente baixas devem impulsionar os movimentos. Lennar (NYSE:LEN), PulteGroup (NYSE:PHM) e DR Horton (NYSE:DHI) ficaram entre as seis ações com melhor desempenho no S&P 500 em janeiro, subindo 21,5%, 20,7% e 16,4%, respectivamente.
Fraqueza setorial aumenta na falta de outros vetores para o rali
A fraqueza de vários setores também aumentou consideravelmente durante o mês.
O maior baque até agora ocorreu em energia. O setor de energia do S&P 500 se desvalorizou 11% no mês com a derrocada dos preços do petróleo. O West Texas Intermediate, referência do petróleo nos EUA, despencou mais de 15,5%, encerrando janeiro a US$ 51,56 por barril. Já o barril de Brent caiu 14,2%, para US$ 56,62, no encerramento do mês.
O número de sondas de óleo e gás operando nos Estados Unidos sofreu uma redução de 26% desde 2018, caindo mais que a metade em relação a 2008.
A Exxon Mobil (NYSE:XOM) e a Chevron Corp (NYSE:CVX) estiveram entre as ações com desempenho mais fraco no Dow durante o mês, caindo 7,4% e 7,8%, respectivamente. Gigante no setor de serviços petrolíferos, a Schlumberger (NYSE:SLB) afundou 16,6%. As empresas produtoras de óleo e gás viram suas ações caíram 15% ou mais. A Noble Energy (NASDAQ:NBL) caiu cerca de 20%.
Varejistas tradicionais também enfrentaram dificuldades com a concorrência de varejistas digitais, principalmente da Amazon. A Macy's (NYSE:M) caiu 6,2% no mês, depois de um rali de 10,9% em dezembro. A Target (NYSE:TGT) despencou 13,6% depois de um ganho de 25% no mês anterior.
A perspectiva daqui para frente requer uma visão mais ampla. Boa parte do rali do mercado acionário em 2019 foi uma recuperação da forte queda registrada no quarto trimestre de 2018. Esse catalisador já não existe mais.
Além disso, a China ainda está tentando conter o coronavírus. Se a doença não for controlada logo, os investidores podem aumentar a corrida em busca de segurança, como o ouro ou os títulos do tesouro americano, Também é importante ressaltar a vulnerabilidade do mercado a uma queda provocada estritamente pelos preços elevados, principalmente entre as grandes e caras ações de tecnologia, que capturam a maior parte da atenção dos investidores.
Mas, apesar de tudo, o cenário econômico continua favorável. A Europa parece estar pelo menos estável, embora possa haver tensões à medida que o continente e o Reino Unido pós-Brexit aprendem a lidar um com o outro.
A economia norte-americana está crescendo, ainda que modestamente, com o desemprego na mínima recorde. Além disso, o salário vem aumentando um pouco. O mercado também está apostando na ideia de que as taxas de juros não vão subir.
Isso é bom para o financiamento de produtos caros, como carros, caminhões e imóveis. E, evidentemente, Trump não quer nem pensar em uma recessão.