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Distritão: O Que É e Porque Você Não Deve Confiar Nele

Publicado 16.08.2017, 14:11

No processo para redigir esse texto, me peguei contando quantos documentos possuo em meu computador que incluem palavras derivadas do substantivo “distrito”. Encontrei artigos datando desde fevereiro de 2015 a abril deste ano. Variações do substantivo incluíam voto distrital, voto distrital misto, e claro, o mais novo favorito do mundo político – o tal do distritão.

A anedota descrita acima não indica um fanatismo inexplicável da minha pessoa com essa oxítona, muito menos mera coincidência. O fato é que a discussão sobre o sistema eleitoral que inclui distritos não é novidade nas Terras Tupiniquins. Rejeitado em meados de 2015 pelo Congresso, seguindo proposta do então deputado (e então livre) Eduardo Cunha, o chamado distritão foi aprovado no dia 10 de agosto na comissão que discute a Reforma Política na Câmara dos Deputados. Para valer para as eleições de 2018, o texto precisa ainda ser aprovado em dois turnos antes de seguir para o Senado.

Nesse contexto, é possível que estejamos usando um outro sistema eleitoral da próxima vez que nos encontrarmos frente a frente com as urnas, em outubro de 2018. Porém, você sabe o que mudaria se aprovada a atual proposta?

Atualmente, a eleição para o poder legislativo no Brasil (incluindo deputados federais, deputados estaduais e vereadores) se dá por meio do voto proporcional. Tal modelo prevê que eleitores possam votar diretamente no candidato de preferência ou na legenda (ou seja, no partido), sendo as vagas de cada casa legislativa preenchidas de acordo com o número de votos recebidos pelo partido ou coligação (seja via votos diretos em candidatos ou na legenda). Tal divisão é feita a partir de um cálculo, chamado quociente eleitoral, baseado nos votos válidos. A partir desse cálculo, são estipuladas as vagas a que cada partido (ou coligação) tem direito - os candidatos do partido ou da coligação com mais votos ficam com as vagas. O impacto deste sistema é o conhecido “voto do Tiririca”, famoso palhaço profissional que conquistou 1,3 milhão de votos nas eleições de 2010 no Estado de São Paulo e carregou consigo outros três candidatos menos votados de seu partido, o PR, à Câmara dos Deputados.

No sistema conhecido como distritão, o quociente eleitoral deixaria de existir, e as votações para deputados e vereadores migrariam do sistema proporcional para o majoritário – o mesmo que temos hoje para senadores e cargos do Executivo (prefeitos, governadores e presidente). Desta forma, seriam eleitos apenas os mais votados em cada “distrito”, e a "sobra" dos votos individuais não iriam para outro candidato. No Estado de São Paulo, por exemplo, que tem 70 cadeiras na Câmara, seriam eleitos os 70 candidatos com o maior número de votos individualmente. Note que aqui faço uso das aspas para me referir ao distrito – retomarei esse ponto mais adiante.

À princípio, tal sistema pode não parecer tão danoso. Afinal, se elegemos representantes do Executivo e do próprio Senado de forma direta, por que dificultar o voto para as Câmaras de deputados e vereadores? Para defensores de tal sistema, o distritão daria maior transparência ao voto, mais espaço para prestação de contas entre eleitor e eleito (já que o primeiro saberia quem colocou na Câmara, podendo então cobrá-lo diretamente), além de evitar o “efeito Tiririca”.

Porém, o sistema não é tão bom quanto pode parecer. Se o fosse, não seria adotado apenas por quatro países no mundo atualmente: Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes Unidos e Vanuatu.

Primeiro, este tende a favorecer a permanência de candidatos já conhecidos do grande público, os famosos “caciques partidários”, em detrimento de rostos novos ou representantes de minorias. Dada a “peculiar” situação de grande parte da casta política brasileira, apavorada até o último fio de cabelo por investigações da Lava Jato, este argumento tem sido fortemente destacado por especialistas no debate atual. Evitar a renovação de seus pares no Congresso parece uma boa saída para aqueles que procuram se manter seguros na lentidão do foro privilegiado, além de encontrar aliados para defender medidas como a limitação da atuação e independência de juízes e um fundo bilionário para financiamento de campanhas – que os manterão no poder.

Segundo, o modelo proposto deve incentivar a personalização de campanhas, em oposição ao fortalecimento de programas partidários (em teoria) mais coerentes, além de tornar as campanhas mais caras, uma vez que só serão eleitos os candidatos mais votados. Ou seja, apesar de nos livrarmos do “efeito Tiririca”, estaríamos ganhando o efeito “Zé BBB” ou ainda “Maria Melancia”, em que os partidos seriam incentivados a apresentar candidatos com forte base regional, apelo individual, posições extremas, e capacidade de arrecadar fundos. Aqui, vale lembrar a semelhança de tais características com o bom e velho populismo – aquele fantasma travestido de esquerda ou direita à espera apenas de terreno fértil para colher os frutos da desordem econômica.

Por fim, mas não menos importante, o chamado distritão não se trata de um sistema distrital de fato – este sim, adotado por diversas democracias consolidadas, como Estados Unidos e Reino Unido. Estados não são distritos, muito menos os brasileiros. No Reino Unido, por exemplo, para um total de 65,5 milhões de habitantes, há 650 distritos (as chamadas constituencies), cada qual elegendo um representante no Parlamento Britânico. Ou seja, por volta de 1 distrito para cada 100 mil habitantes. Bastante, mas pequeno o suficiente para funcionar razoavelmente bem. Em mais uma anedota pessoal, confirmo ter ouvido de um membro do parlamento britânico que este responde a todos os e-mails de seus constituents pelo menos uma vez por semana, evitando assim prováveis e-mails raivosos.

Já no Brasil, caso cada Estado se torne um distrito (conforme a proposta atual), cada qual com sua representação proporcional (com um mínimo de 8 e máximo de 70 deputados na Câmara), isso já provavelmente invalidará na prática a ideia de maior prestação de contas entre eleitorado e representante. Tirando Estados com uma população tão pequena quanto o Acre (que teria a mesma proporção britânica), é possível imaginar que um deputado eleito majoritariamente em Estados como São Paulo, com mais de 600 mil habitantes por representante, estará próximo o suficiente de seus eleitores para prestar-lhes contas, aumentando a transparência e representatividade? Difícil... O mais provável nesse contexto seria um conjunto de parlamentares difusos e “insulares”, que não mais se preocupariam em responder ao partido, pois este não lhe garantira a vitória, nem aos eleitores – que continuariam distantes.

É claro que o sistema atual tem falhas – e muitas. A começar pela complexidade, passando pelo “efeito Tiririca” e pela super-representação de alguns Estados e a sub-representação de outros, à falsa identidade partidária e ao formato das coligações. Uma possível alternativa seria o voto distrital misto, a partir do qual metade das vagas é preenchida por voto proporcional e o restante a partir do sufrágio direto em candidatos distribuídos em distritos a serem definidos. Segundo alguns deputados defensores da medida, como o Presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB), o plano é usar o distritão apenas como transição para a implementação do voto distrital misto, dada a dificuldade de o TSE definir os distritos a tempo para as eleições de 2018.

Entretanto, como diria o ditado, de boas intenções o inferno está cheio. Portanto, enquanto não encontro saídas que não me parecem mais que atalhos mal desenhados para destinos duvidosos, prefiro prevenir a remediar, e unir-me ao coro do não ao distritão.

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