Vamos fazer um pequeno exercício mental. Digamos que você tenha R$10 mil investidos na ação X, e eu lhe proponha o seguinte: vamos vender R$2 mil dessa ação e, logo que o dinheiro cair na conta, comprar R$2 mil dessa mesma ação. Pois bem, se isso não faz sentido quando vendemos a ação, então por que isso faria sentido quando recebemos um dividendo, que é inteiramente descontado no valor das ações?
A resposta é simples, embora incômoda. Em nenhum dos casos isso faz sentido, com a diferença de que o dividendo não é recebido por escolha própria, funcionando como um resgate forçado. Como foi recebido, pode ser consumido ou recolocado na carteira de investimentos, mas na prática é absolutamente igual ao dinheiro que se receberia vendendo parte das ações da carteira.
Isso significa que os dividendos são irrelevantes do ponto de vista da estratégia de investimento, porque não faz diferença escolher entre empresas que realizam ou não realizam essa distribuição. Cabe parar por um momento e apreciar o peso que está embutido nessa afirmação, porque uma das estratégias mais tradicionais de investimento é aquela que busca ações de “boas pagadoras de dividendos”.
Compreendendo a irrelevância dos dividendos
Para que a questão da irrelevância fique clara, precisamos entender alguns pontos. Primeiro, que dividendos são uma fonte de remuneração importante, mas distribuí-los ou não é algo que não tem qualquer relação com ganhos maiores, melhores ou mais estáveis. Por isso, não há razão para favorecer essas empresas ou essa característica numa carteira de investimentos, como tentarei mostrar aqui.
Começando pelo começo, um dividendo é um pagamento feito a acionistas com o lucro gerado pela empresa, e esse valor será necessariamente descontado no preço de cada ação. Se você tinha R$10 mil em ações e recebeu R$1 mil de dividendos, possui agora R$9 mil em ações e R$1 mil em dinheiro. Sim, exatamente como se tivesse vendido R$1 mil em ações e mantido outros R$9 mil aplicados.
Um questionamento comum é que caso a empresa não distribua dividendos, ela está impedindo acionistas de acessarem os lucros obtidos. Acontece que o questionamento está errado. Ao divulgar seu balanço, com ou sem dividendos a serem distribuídos, os lucros da empresa são integrados ao preço da ação, cujo preço depois voltará a oscilar conforme oferta e demanda.
Nessa medida, quem quiser acessar os lucros obtidos pela ação precisa apenas vender a porção equivalente ao resgate que deseja fazer, enquanto no caso do dividendo haverá um resgate forçado e um corte no preço da ação equivalente ao valor pago. Mais uma vez, no fim das contas não há nenhuma diferença relevante no que diz respeito ao dinheiro recebido no fim.
Isso também ajuda a desfazer uma noção muito errada, mas muito comum, de que a distribuição de dividendos está associada com a qualidade das empresas em si. Para ficar em um exemplo, as Americanas são uma empresa pagadora de dividendos, e o rombo de R$43 bilhões (em estimativas atuais) mostram que isso não tem relação com a qualidade do negócio.
Embora se trate de um caso extremo, mesmo quando a análise das ações é feita com o devido aprofundamento e rigor, buscar as proverbiais “melhores pagadoras” de dividendos não traz grandes vantagens. Isso porque tal análise irá ignorar uma parcela gigantesca das ações disponíveis, incluindo excelentes empresas, por se prender num critério que não tem relevância concreta.
O benefício tributário vale a pena?
Atualmente, o Brasil é um dos únicos países do planeta que não coleta tributo sobre dividendos, e isso é frequentemente usado como argumento em defesa de uma carteira focada nesses proventos. Entretanto, o tamanho desse benefício é questionável, especialmente considerando o limite de isenção mensal de R$20 mil sobre lucros obtidos com a venda de ações no geral.
Nos casos em que o dividendo seja superior a esse limite, é bom lembrar que não se trata de um dinheiro “novo”, mas simplesmente de um resgate forçado. Se esse dinheiro for ser reinserido no mercado financeiro, não se trata de nenhum ganho, mas simplesmente uma repetição do exercício mental que envolve vender ações para comprar ações. Enquanto isso, os lucros de ações que não distribuem dividendos seguiram livres de taxas, pois não foram resgatadas.
Quando esse dividendo é usado para custear a vida de quem investe, ele de fato veio como um lucro isento, mas há algumas questões a se considerar. O principal deles é que depender da renda gerada por dividendos é uma tarefa bastante complexa, visto que não se sabe quanto será distribuído ou quando.
Assim, é quase certo que a renda que deveria ser “passiva” se converterá num consumo ativo de capital, pois será necessário vender mais ações quando o resultado for inferior ao esperado. Por outro lado, envolverá uma gestão ativa de capital quando o resultado supera as expectativas, e exige que o valor seja colocado de volta no mercado. Ambos casos reforçam como o dividendo é um critério pouco útil na vida real.
A renda passiva é uma ilusão
O foco nos dividendos traduz de uma forma muito clara uma certa ilusão com aquilo que se costuma chamar de “renda passiva”. O termo designa a capacidade de arcar com a maioria, ou totalidade dos custos de vida com o rendimento obtido em investimentos. Entretanto, na medida em que o dividendo sai diretamente da conta de investimentos, ele é um passivo e representa um consumo de capital.
Entretanto, como as finanças pessoais são uma área fértil para os vieses de pensamento, quando recebemos os dividendos temos a impressão, errada, de que esse dinheiro surgiu de lugar nenhum. Não só ele saiu do nosso próprio bolso como não houve nada de passivo na sua produção, pois o risco que incorremos com nosso investimento e o trabalho feito pela empresa é que tornaram possível um lucro.
Análises mais simples tendem a reforçar vieses de pensamento comuns no campo dos investimentos. A principal (e uma das mais danosas) envolve olhar para os dividendos passados e esquecer que eles não são garantias de dividendos futuros. Isso é bastante claro em casos de dividendos extraordinários, quando empresas vão muito bem em um determinado trimestre e distribuem um dividendo “extra”. Isso é particularmente danoso porque não sabemos, nem há como saber, se essa empresa terá um desempenho tão bom no futuro.
Isso nos leva a um outro problema comum entre quem investe com foco em dividendos, que é pensar que sua distribuição envolve uma geração sustentável de riqueza no longo prazo. Isso está errado pois ignora que as ações da empresa, ou grupo de empresas que forma a carteira, é onde estará aplicado a vasta maioria do capital disponível. Que estará também sujeito a fortes oscilações para baixo, sem mencionar o risco de perdas irrecuperáveis em carteiras pouco diversificadas.
Outro ponto que vale o destaque é o retorno dos dividendos em relação à inflação. É comum que investidoras e investidores não comparem o dividend yield (percentual do dividendo) com a inflação vigente. Logo, a ilusão de ter as “contas pagas” pelos dividendos se torna um engano caso esses rendimentos estejam abaixo da inflação. Tudo mais constante, no longo prazo a sua “renda passiva” de dividendos não conseguirá arcar com seus custos, porque o dividend yield é menor que a inflação.
O caso do índice de dividendos (IDIV)
Um argumento válido contra a irrelevância dos dividendos diz respeito a performance histórica do IDIV, que produziu retornos muito superiores aos do IBRX, IBOV e SMLL. Algo que, diga-se de passagem, ocorreu ainda nos EUA, com o índice de dividendos obtendo uma performance muito superior ao S&P 500 em diversos períodos temporais. Fica a pergunta: na medida em que índices que incluem as melhores e maiores pagadoras de dividendos produzem retornos superiores, como podemos dizer que os dividendos não foram relevantes?
A resposta, mais uma vez, é bastante simples. Ao filtrarem o mercado pelo crivo dos dividendos, esses índices acidentalmente capturam o prêmio das empresas de valor. No caso, ele consiste daquelas que possuem uma série de indicadores específicos, como lucros robustos e recorrentes, P/L ou P/E baixo em relação a média, Book-to-Market Value mais alto, alto grau de consolidação no mercado em que atuam, etc.
Todos esses fatores funcionam como pré-requisitos para que essas empresas consigam distribuir dividendos de forma frequente, mas é importante notar que existem muitas outras que tem essas características e não distribuem dividendos. Além disso, como se trata de um critério que acerta o fator valor por uma coincidência, os dividendos não são a forma mais confiável de conseguir exposição a esse prêmio – embora, no Brasil, essa seja a única alternativa viável no momento.
É importante que fique claro que essa colocação, a respeito do fator valor, não é feita de forma trivial. A comunidade científica se debruçou profundamente sobre essa questão e, com base em incontáveis estudos de modelagem estatística, comprovou que são os fatores de valor – e não a distribuição ou não de dividendos – que explicam a diferença entre carteiras que são, de resto, igualmente diversificadas.
Considerações finais
Embora sejam uma fonte importante de remuneração, os dividendos simplesmente não possuem relevância quando a questão é construir uma boa carteira de investimentos. Afinal, existem boas empresas que não pagam dividendos, e péssimas empresas que pagam dividendos – como foi o caso das Americanas.
Na maior parte dos casos, os dividendos acabam atrapalhando seus investimentos por passarem a impressão de que não foram descontados do dinheiro que você já tinha em ações. Essa ilusão, de uma renda passiva que na verdade é consumo ativo, pode ter o efeito de gerar um rendimento total muito abaixo do previsto, além de incorrer em uma diminuição do grau de diversificação da carteira.
Mesmo quando os dividendos funcionam a favor de quem investe, como no caso do IDIV e seu ETF, o DIVO11 (que não distribuiu dividendos desde que foi criado), isso é feito de forma acidental. Isto é, captura-se o prêmio das empresas de valor de uma forma menos eficiente e excluindo da composição uma enorme quantidade de empresas de valor que simplesmente não distribuem dividendos.
Esse texto possui caráter meramente educativo e não deve, sob nenhuma hipótese, ser considerado uma recomendação de investimentos. André Salmeron é consultor e pesquisador na Portfel, a consultoria de investimentos do Grupo Primo.