Por *Otávio Figueiredo e **Daniel Plattek
O surgimento do termo ESG/ASG (Environmental, Social and Governance / Ambiental, Social e Governança) vem causando profundo impacto nas organizações do setor privado, público e nos mercados de capitais globais. Tal acrônimo surge em 2004 no relatório “Who Cares Win”, desenvolvido pelo United Nations Global Compact, braço da ONU voltado para o impulsionamento de boas práticas de Responsabilidade Social Corporativa. Desde então, a ideia de se incluir critérios não financeiros na análise e tomada de decisões de investimentos tem ganhado força entre investidores institucionais, gestoras de recursos e até mesmo entre investidores pessoa física. Para se ter uma melhor compreensão do impacto, de acordo com a Global Sustainable Investment Alliance, em 2020 os IS, Investimentos Sustentáveis, já representavam 35,9% de todos os ativos sob gestão em mercados desenvolvidos, o que representa um montante de USD35,3 trilhões.
No Brasil, ainda estamos “engatinhando” com a construção de uma taxonomia mais robusta que permita uma melhor definição e caracterização do Investimento Sustentável. Destaca-se o novo regulamento de fundos IS da ANBIMA voltado inicialmente para fundos de renda fixa e ações, cuja implementação começou a ocorrer ao longo de 2022. Nele, são estabelecidos critérios mais claros para que as casas de investimento possam destacar o termo “IS” na nomenclatura de seus produtos de investimento. Contudo, há uma outra classificação mais antiga desenvolvida também pela mesma entidade e existente desde 2008. São os fundos de Sustentabilidade / Governança, voltado para fundos de ações focados no mercado doméstico brasileiro. Tal classificação caracteriza os fundos com foco no investimento em empresas com altos padrões de Governança Corporativa ou que se destaquem entre seus pares no que diz respeito às boas práticas de Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Ao longo dos últimos anos, percebe-se um crescimento da quantidade destes fundos. Somente entre 2019 e 2021 houve um salto de 22 para 45 fundos nesta classe de investimento e um crescimento de ativos sob gestão da ordem de R$1,8 bilhão para R$2,9 bilhões no mesmo período.
Os fatores éticos que motivam a transformação gerada pelo conceito ESG são inúmeros e evidentes. Crise climática, transição energética, busca por maior igualdade de gênero e necessidade de atuação proativa contra a desigualdade social são alguns exemplos. Porém, quando se trata da alocação de recursos no mercado financeiro, o aspecto moral por si só pode não ser suficiente. É preciso que haja performance financeira destes produtos de investimento. Parte considerável destes recursos é pertencente a sociedade como um todo, por meio de fundos de pensão e fundos patrimoniais que gerem recursos de instituições públicas ou privadas sem fim lucrativo. É neste contexto que desenvolvemos o estudo “Sustainable and Governance Investment Funds in Brazil: a Performance Evaluation”, recentemente publicado no periódico suíço Sustainability, analisando a performance destes fundos de Sustentabilidade / Governança vis-à-vis fundos de investimentos convencionais também focados em ações e com perfil de risco semelhante.
A análise, que levou em consideração os meses entre janeiro/19 e dezembro/21, explorou duas janelas temporais. A primeira se refere à um período de alta ou como também pode ser conhecido na terminologia do mercado financeiro, Bull Market. Já a segunda janela é caracterizada por um período de choque econômico causado pela pandemia do COVID-19 entre os meses de janeiro/20 e dezembro/21, que é comumente conhecido como Bear Market. O objetivo desta divisão foi de tentar identificar possíveis diferenças na comparação de performance entre as duas classes de investimento de acordo com o momento de um ciclo econômico. Analisamos o retorno mensal de cada portfólio de fundos, a variação ou volatilidade destes retornos e a geração de valor frente à índices amplos de mercado, mais especificamente o Ibovespa e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE).
Alguns resultados interessantes podem ser destacados do trabalho. Os fundos convencionais obtiveram uma performance comprovadamente superior durante o período de Bull Market, porém com uma margem pequena, que variou entre 0,10% e 0,40%. No entanto, durante o período de Bear Market não foi verificada diferença entre as duas classes de investimento. Mais além, percebe-se uma variação menor de performance entre os diferentes momentos de ciclo econômico (Bull e Bear Market) para os fundos de Sustentabilidade / Governança, o que pode indicar uma performance mais consistente destes investimentos ao longo do tempo.
Outros estudos similares em mercados desenvolvidos apresentam resultados semelhantes. De maneira geral, fundos IS tendem a apresentar menor variação de performance, principalmente em momentos de crise econômica. Especula-se que a consideração de fatores como responsabilidade ambiental, boas práticas de relacionamento com fornecedores e desenvolvimento de talentos garantem uma longevidade saudável às organizações e por consequência aos seus investidores. Entretanto, a discussão dessa possibilidade deve ser tema de uma futura pesquisa. O importante a se destacar é que apesar de ainda ser uma classe de investimento incipiente, o investimento sustentável ou ESG já apresenta sinais de que é possível conciliar a geração de valor para o investidor com o impacto positivo na sociedade.
*Professor e Diretor do COPPEAD/UFRJ
**Analista Associado da JGP L6 e Pesquisador do COPPEAD/UFRJ