A narrativa macroeconômica mudou da recessão para o “soft landing”, ou “pouso suave”, nos EUA.
Na quinta-feira, a agência de análise econômica do país (BEA) divulgou os dados trimestrais do Produto Interno Bruto. Embora ainda possa ser revisado em agosto, o PIB do 2º tri apresentou um crescimento anualizado de 2,4%, acima do aumento de 2% na atividade econômica do primeiro trimestre.
O fato de o PIB americano ter ficado bem acima da estimativa de 1,8% reforça a narrativa de “pouso suave”. Por mais de um ano, os economistas temiam uma recessão, ou o chamado “pouso forçado”, após o mais forte ciclo de elevação das taxas de juros nos últimos 40 anos pelo Federal Reserve, banco central norte-americano.
Sinais macroeconômicos conflitantes
Ao mesmo tempo em que o Federal Reserve reduzia o valuation dos ativos, ao encarecer o crédito, não faltavam sinais de recessão, como demissões em massa no setor de tecnologia e graves problemas no setor bancário.
No entanto, houve também uma melhora surpreendente no crescimento do PIB, acompanhada por uma queda na inflação em junho, com o índice de preços ao consumidor (IPC) ficando em 3%, abaixo da estimativa de 3,1%. Além disso, os gastos com consumo pessoal (PCE, na sigla em inglês) recuaram para 4,1%, menor patamar em dois anos.
Com base nesses fatores positivos, o presidente do Fed, Jerome Powell, declarou na última quarta-feira que sua equipe de especialistas “não está mais prevendo uma recessão”. Mas a questão que fica é: será que o crescimento acima das expectativas do PIB dos EUA realmente indica um cenário de pouso suave?
A origem do crescimento positivo do PIB
Embora o crescimento positivo do PIB não dependa apenas de dois trimestres seguidos de crescimento negativo, tem um papel importante na decisão da agência nacional de estatísticas dos EUA (NBER) em declarar uma recessão.
Outros fatores também são levados em consideração, como o consumo real do consumidor, a taxa de emprego e a renda pessoal real. Os últimos dados do BEA mostram sinais ambíguos. Subtraindo impostos e outros pagamentos obrigatórios e ajustada pela inflação, a renda pessoal disponível real cresceu 2,5%, em comparação com um aumento de 8,5% no trimestre anterior.
Enquanto isso, a taxa de poupança pessoal subiu levemente de 4,3% para 4,4%. O consumo das famílias, que representa mais de dois terços da economia dos EUA, teve um aumento expressivo em junho, com 0,4% de crescimento ajustado à inflação, comparado a 0,2% em maio.
Além dos gastos dos consumidores, o crescimento do PIB também se deve a investimentos fixos não residenciais, investimentos privados em estoques e um aumento nas despesas do governo federal.
Dívidas impulsionam atividade econômica
O BEA contradisse a narrativa de um ‘pouso suave’ ao informar que tanto as importações quanto as exportações caíram em 6 de julho. Em comparação com o ano anterior, até maio de 2022, a média das importações caiu US$ 22,6 bilhões, ao passo que a média das exportações subiu somente US$ 0,3 bilhão, um sinal de economia mais fraca.
Imagem: BEA
Ao mesmo tempo, os consumidores e o governo federal acumularam dívidas em níveis recordes. No primeiro trimestre de 2023, as dívidas das famílias norte-americanas chegaram a US$ 17,05 trilhões, distribuídas entre hipotecas, cartões de crédito e financiamento de automóveis.
Um ponto positivo é a estrutura da dívida hipotecária, que é uma das principais razões para a recessão não se agravar. Isso ocorre porque a maioria das hipotecas familiares foi fixada com juros inferiores a 3%, totalizando US$ 13,5 trilhões, conforme o índice Bloomberg MBS (títulos lastreados em hipotecas).
Assim, esse enorme volume de dívida não foi impactado pelo cronograma agressivo de aumentos de juros do Federal Reserve. Por outro lado, os pagamentos de juros estão superando todos os níveis anteriores, pois as taxas estão em seu maior patamar em 22 anos.
Imagem: Federal Reserve
Em vez de estimular a produtividade, o governo está prestes a ultrapassar o limite de US$ 1 trilhão em pagamento de juros da dívida.
O rápido aumento do endividamento, responsável por um déficit orçamentário que se aprofunda para US$ 1,4 trilhão nos primeiros nove meses do ano fiscal de 2023, faz com que o governo tenha menos espaço para manobras. Isso se torna uma corrida na arrecadação de impostos para pagar a dívida, em vez de melhorar o crescimento econômico.
Não apenas o déficit orçamentário continua crescendo, mas as receitas estão 11% mais baixas, em comparação com o ano fiscal de 2022.
Força do mercado de trabalho ainda está em jogo
Além da resiliência mencionada no mercado imobiliário, o mercado de trabalho ainda está aquecido. Em várias reuniões do Fomc, órgão responsável pela política monetária dos EUA, Jerome Powell observou que seria necessário ver um arrefecimento das condições do mercado de trabalho (com perda de empregos), a fim de fazer a inflação convergir para a meta de 2%.
Embora o Fed tenha um duplo mandato de manter a estabilidade de preços e o baixo desemprego, o primeiro agora é a prioridade.
“Sem estabilidade de preços, a economia não funciona para ninguém. Em particular, sem estabilidade de preços, não alcançaremos um período sustentado de condições fortes no mercado de trabalho que beneficiem a todos”.
Presidente do Federal Reserve na coletiva de imprensa de quarta-feira.
E se houver um aumento do desemprego, estará configurada, oficialmente, uma recessão. Pelo menos, se a taxa de desemprego chegar a 4,5% no próximo ano, de acordo com Joseph Davis, economista-chefe do Vanguard Group:
“Trata-se de um aumento de cem pontos-base. Portanto, por definição, é uma recessão. Quem defender que isso é um pouso suave estará ignorando 150 anos de história”.
Força econômica em bases frágeis
Por fim, é preciso ressaltar que o Federal Reserve tem um histórico ruim de previsões. Na última coletiva de imprensa, Powell reiterou a “resiliência geral da economia”.
O problema é que esse tipo de formulação já foi usado antes, antes da Grande Recessão de 2008.
Imagem: Reuters
Em última análise, a natureza cíclica de uma economia baseada em dívidas aponta para um processo de desalavancagem. Se será um pouso suave ou forçado, ainda não é possível determinar com clareza.