O preço do petróleo tem experimentado uma queda recente, impulsionada por uma combinação de fatores globais e regionais. Entre os principais motivos estão:
- Aumento da Produção pela OPEP: O início deste ano foi marcado pela decisão da OPEP e seus aliados de elevar a produção de petróleo, contribuindo para a redução do preço internacional dos barris.
- Medo de Recessão e Tarifas: A incerteza gerada pelo aumento de tarifas, conforme aplicado pelo governo Trump, elevou o temor de uma recessão nos Estados Unidos, o que resultou em uma queda no consumo de energia e, consequentemente, ajudou a pressionar o preço do petróleo para baixo.
No entanto, no cenário brasileiro, mesmo com esses fatores internacionais, os preços dos combustíveis, especialmente da gasolina, permanecem elevados. Essa contradição pode ser melhor explicada quando examinamos a dinâmica interna das usinas de cana-de-açúcar, que produzem tanto etanol quanto açúcar.
A Lógica das Usinas de Cana: Açúcar vs Etanol
Nos últimos anos, as usinas brasileiras têm passado por uma transformação estratégica na linha de produção. Há duas tendências principais a serem observadas:
- Mudança no Mix Produtivo:Historicamente, muitas usinas priorizavam a produção de etanol, dada a demanda interna e as políticas de incentivos governamentais. Contudo, com o aumento dos preços do açúcar, impulsionado pelo valor dos prêmios ante a crescente demanda do produto — que tem apresentado alta significativa nos últimos anos —, algumas usinas passaram a direcionar parte de sua produção para o açúcar. Essa mudança é estratégica, pois os contratos de comercialização de açúcar, assim como os de etanol, são firmados em bases de médio a longo prazo. Assim, o preço do açúcar, que recentemente atingiu mínimas históricas em determinados mercados (como em Nova York), coloca as usinas em um momento decisivo: ajustar o mix de produção conforme as perspectivas de mercado.
- Expansão da Capacidade de Produção de Etanol:Paralelamente, há um movimento crescente de construção de esmagadoras de milho destinadas à produção de etanol. Essa expansão aumenta a oferta interna do combustível, criando um cenário de oferta relativamente abundante de etanol, enquanto a oferta de açúcar se mostra mais restrita devido à estratégia focada na valorização do produto.
Esses dois fatores combinados – a decisão das usinas de direcionar suas cadeias produtivas e a expansão de unidades de produção de etanol – refletem diretamente na formação dos preços dos combustíveis no país. Apesar de o petróleo e o dólar estarem em baixa, o preço da gasolina pode não acompanhar essa tendência devido a uma menor oferta de etanol (quando comparada com os períodos de maior produção para açúcar) e ao planejamento de longo prazo dos contratos de comercialização.
Gráfico 1: Açúcar NY nº 11
Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados do Yahoo Finance.
Este gráfico do Açúcar NY nº11 Futuros (2020–2025) destaca um ponto de decisão crucial para o mercado, que agora testa o importante suporte na faixa de ¢ 17,50, a mesma região que segurou o preço após uma queda de quase 38% desde a máxima histórica de ¢ 28,14. Esse valor máximo foi atingido em novembro de 2023, coroando uma alta superior a 214% iniciada em abril de 2020. Caso essa zona de suporte seja perdida, o mercado não apresenta um nível de suporte relevante até a mínima do movimento anterior, o que reforça o potencial de forte volatilidade e aponta para uma decisão estratégica para participantes do mercado.
Gráfico 2: Dólar Americano perante o Real Brasileiro (USD/BRL) – Câmbio
Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados do Yahoo Finance
O gráfico acima mostra a variação do câmbio do dólar em relação ao real (USD/BRL) entre dezembro de 2024 e abril de 2025. Observa-se uma tendência geral de queda no período, saindo de patamares acima de R$ 6,30 no início de janeiro para níveis abaixo de R$ 5,80 no final de março. Apesar de oscilações pontuais, como os picos registrados no início de fevereiro e começo de abril, o movimento predominante foi de desvalorização do dólar frente ao real, o que, em tese, favoreceria uma redução nos preços dos combustíveis importados — algo que, na prática, não se confirmou plenamente no mercado brasileiro.
Gráfico 3: Petróleo Brent (ICE London) e Petróleo WTI (ICE NY)
Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados do Yahoo Finance.
O gráfico acima mostra a evolução dos preços do petróleo Brent (linha azul) e do WTI (linha vermelha) entre outubro de 2024 e abril de 2025. Nota-se uma queda acentuada nos preços no início de abril, após o anúncio de um novo pacote de tarifas comerciais pelos EUA, apelidado de "tarifaço do Trump". O movimento gerou uma queda superior a 22% nos preços do petróleo em poucos dias, refletindo o aumento das tensões geopolíticas e a perspectiva de desaceleração econômica global.
Divisão entre Açúcar e Etanol nas Usinas (últimos anos)
Nos últimos anos, a divisão da moagem de cana entre açúcar e etanol tem sido aproximadamente assim:
Tabela 1: Evolução do mix de produção das usinas de cana- de-açúcar
Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados do Cepea/SP, ANP.
Como funciona essa escolha?
As usinas têm flexibilidade limitada para alternar entre açúcar e etanol, mas as chamadas usinas flex podem ajustar sua produção conforme a rentabilidade. Isso é feito com base em:
- Preço do açúcar na Bolsa de NY (ICE)
- Preço do etanol no mercado interno (Cepea/SP ou ANP)
- Câmbio (USD/BRL), que influencia diretamente o valor do açúcar exportado
- Custo logístico e estoque
- Gráfico 4: Evolução do mix de produção das usinas de cana-de-açúcar
Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados do Cepea/SP, ANP.
O gráfico acima mostra a evolução do mix de produção das usinas de cana-de-açúcar no Brasil entre as safras de 2020/21 e 2024/25, destacando a porcentagem de açúcar (vermelho) e etanol (cinza) em cada período. Percebe-se que, em safras onde o açúcar atingiu preços mais atrativos no mercado internacional, as usinas tenderam a destinar uma fatia maior de sua cana para a produção de açúcar. Já quando as cotações do açúcar recuaram ou houve incentivos para os biocombustíveis, o etanol ganhou representatividade no mix.
Essa dinâmica é estratégica para as usinas, pois reflete os ganhos possíveis tanto no mercado de exportação de açúcar quanto no mercado interno de etanol. Ao mesmo tempo, essas decisões influenciam o preço dos combustíveis, visto que a oferta de etanol pode ficar mais escassa ou mais abundante conforme as usinas recalibram seu mix de produção.
O Papel da Petrobras e os Desafios da Cadeia de Suprimentos
Outro fator crucial é a política de preços da Petrobras (BVMF:PETR4), que, devido a margens de refino, altos impostos estaduais (como um ICMS fixo) e o conhecido "custo Brasil", não reflete integralmente a baixa dos preços internacionais do petróleo. Essa desconexão contribui para manter a gasolina a preços elevados, mesmo quando outros insumos caem. Assim, além das decisões das usinas, o refinamento e a distribuição dos combustíveis, sob uma política interna que muitas vezes não acompanha a volatilidade global, influenciam de forma direta o preço final ao consumidor.
Fontes e Evidências
Mercado Internacional de Petróleo: Diversos relatórios da Reuters e Bloomberg apontam para o aumento da produção pela OPEP e para as recentes incertezas econômicas que afetam o consumo de energia.
(Exemplo: "Global oil prices drop amid rising production and recession fears", Reuters – disponível em fontes especializadas).
Preços do Açúcar: Dados do mercado de commodities mostram que o açúcar negociado em bolsas internacionais tem testado um suporte importante, mas ainda resistindo. Com a demanda mundial aquecida, o adoçante apresenta elevação em seu valor no mercado físico (prêmios e diferenciais de polarização), o que incentiva as usinas a priorizarem sua produção para maximizar lucros.
(Fonte: Yahoo Finance, Relatórios da Bloomberg e Infomoney sobre o mercado de açúcar).
Investimentos em Etanol: Notícias do setor agrícola, como publicadas pelo Agências como a Agência Brasil e Olhar Digital, destacam o investimento em nova capacidade produtiva de etanol, com a construção de novas unidades de esmagadoras de milho no Brasil, o que vem alterando a oferta desse combustível.
(Fonte: "Crescimento do setor de etanol impulsionado por novas instalações", Olhar Digital).
Política de Preços da Petrobras e Impacto dos Contratos: Reportagens recentes da Agência Brasil e do Valor Econômico apontam para os desafios enfrentados pela Petrobras na definição dos preços dos combustíveis, evidenciando que fatores internos, como margens de refino e custos logísticos, também influenciam esse cenário
Conclusão
Em síntese, o preço do açúcar surge como o principal protagonista na dinâmica decisória das usinas de cana-de-açúcar. Historicamente, o aumento dos preços do açúcar tem levado muitas usinas a ajustar seu mix produtivo, favorecendo a produção de açúcar em detrimento do etanol. Contudo, a recente queda nos preços do açúcar, que agora testa um suporte estratégico na faixa de ¢ 17,50 — patamar que foi decisivo na última realização após uma queda de quase 38% desde a máxima histórica de ¢ 28,14 — coloca o setor diante de uma encruzilhada. Esse momento de decisão crítico questiona se a tendência de diminuição da participação do etanol se mantém ou se o preço atual do açúcar perderá sua atratividade, forçando as usinas a reavaliarem suas estratégias de produção para equilibrar a oferta e atender à demanda dos combustíveis. Para investidores, essa volatilidade ressalta a importância de uma análise aprofundada e de uma consultoria especializada para identificar oportunidades e mitigar os riscos associados às oscilações desse cenário estratégico.