Isenção de R$ 5 mil: Alívio para agora, armadilha para depois

Publicado 26.03.2025, 11:30

A recente proposta do governo federal de ampliar a isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas que ganham até R$ 5.000 mensais tem gerado comoção e, para muitos, a falsa sensação de avanço. No entanto, quando analisamos esse anúncio de forma técnica e com visão de longo prazo, fica evidente que estamos diante de uma medida com forte caráter eleitoreiro e limitada eficácia estrutural. O que parece, à primeira vista, uma conquista, pode, na verdade, representar uma armadilha fiscal e política cuidadosamente construída.

Em um cenário de inflação persistente e perda real do poder de compra, é comum que benefícios pontuais sejam recebidos com entusiasmo. No entanto, a realidade econômica exige uma análise mais profunda. A comparação com décadas passadas ilustra bem a distorção: veículos que antes custavam R$ 10 mil hoje ultrapassam os R$ 100 mil. O mesmo vale para o salário mínimo e para os preços básicos de consumo. Essa evolução natural da economia, aliada ao avanço inflacionário, torna inevitável que quem hoje está na faixa de R$ 5.000 mensais, em poucos anos, esteja inserido em uma faixa superior — e, portanto, atingido por uma tributação mais severa.

O ponto mais crítico, contudo, é o fato de a medida não contemplar uma correção estrutural da tabela do Imposto de Renda. A tabela está defasada em mais de 140%, segundo dados da Câmara dos Deputados e do Sindifisco Nacional. Isso significa que, se houvesse atualização compatível com a inflação acumulada desde 1996, a faixa de isenção não estaria em R$ 2.112 — nem mesmo em R$ 5.000 — mas sim em um valor estimado entre R$ 6.500 e R$ 7.000 mensais. Ou seja, a medida anunciada hoje está muito aquém do que seria justo. Trata-se, na prática, de um alívio artificial, que ignora o desequilíbrio fiscal acumulado ao longo de mais de duas décadas.

Além disso, o governo já sinalizou a criação de uma nova alíquota de 10% adicionais para contribuintes com rendimentos mensais acima de R$ 50 mil. A princípio, trata-se de uma taxação sobre os chamados “super ricos”. No entanto, considerando a inflação ao longo dos próximos anos e a ausência de novas correções na tabela, é perfeitamente plausível que um número cada vez maior de pessoas passe a ser enquadrado nessa faixa. Trata-se de uma estratégia de arrecadação que mira, a médio prazo, uma camada cada vez mais ampla da população.

Outro fator preocupante é o congelamento das demais faixas. A proposta de isentar quem ganha até R$ 5.000 e parcialmente quem recebe até R$ 7.000 não é acompanhada de um reajuste proporcional das demais faixas da tabela. Isso significa que quem recebe mais de R$ 7.000 continua sendo tributado como antes, e agora passa a se enquadrar, proporcionalmente, em uma carga tributária ainda maior, já que ficou fora do “alívio”. Na prática, isso distorce a progressividade do sistema tributário, que deveria justamente tributar de forma mais justa e proporcional.

É importante observar também o timing político da proposta. A promessa está sendo cumprida apenas agora, em 2025, mesmo após o atual governo estar há vários anos no poder. Sua implementação coincide com o período pré-eleitoral de 2026, o que levanta questionamentos legítimos sobre a real motivação da medida. Se o objetivo fosse de fato corrigir injustiças, a tabela teria sido atualizada de forma integral e técnica desde o início da gestão.

Por fim, o alívio fiscal anunciado não virá sem consequências. A perda de arrecadação será compensada, inevitavelmente, por outros meios. O próprio governo já começou a aumentar impostos indiretos, como no caso da elevação do percentual de álcool na gasolina, e há previsão de novos tributos surgirem ou voltarem à pauta. Além disso, há movimentos que expõem ainda mais a fragilidade da população endividada, como o estímulo ao uso do FGTS como garantia de crédito e a possibilidade de se comprometer até mesmo o seguro-desemprego para pagar dívidas — medidas que, na prática, empurram os mais vulneráveis a situações de inadimplência ainda mais graves.

Em resumo, a proposta de isenção do IR para quem ganha até R$ 5.000 é muito mais uma ação política com prazo de validade do que uma reforma tributária real e estruturante. A ausência de correção da tabela, a criação de novas faixas punitivas no futuro, o impacto indireto sobre os demais contribuintes e o uso estratégico da medida às vésperas de uma eleição levantam dúvidas sérias sobre a honestidade fiscal da proposta. É necessário que os cidadãos estejam atentos e conscientes de que, em matéria tributária, benefícios pontuais quase sempre carregam consigo um custo oculto — e que a conta, mais cedo ou mais tarde, acaba recaindo sobre os ombros de quem produz, trabalha e consome.

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