Já Combinaram Com o Mundo?

Publicado 15.08.2017, 09:15

Nos últimos dias, uma guerra de palavras elevou a tensão entre Donald Trump e o regime de Pyongyang. Já faz algum tempo que o clima de beligerância entre as partes se acirra, depois de vários testes de mísseis promovidos pelos norte coreanos, o que provocou uma crescente escalada de reações contra Kim Jong-Un, inclusive com imposição de sanções econômicas por parte da ONU.

Tenho lido muitos textos de jornalistas especializados em conflitos geopolíticos e analistas internacionais, abordando a baixa probabilidade de ocorrer um conflito armado entre EUA e Coreia do Norte. A maior parte dessas opiniões está fundamentada na “Teoria dos Jogos”. Queria comungar dessa visão, mas não consigo.

“Teoria dos Jogos” é um tema fascinante. Tornou-se mais conhecido do grande público com o filme “Uma mente brilhante”, de Ron Howard, que contava a história de John Nash, um gênio matemático, estudioso da abordagem racional dos agentes econômicos, que tomam decisões influenciados pelas decisões de outros agentes, de uma forma interdependente. Explicando para o leigo, no limite, os agentes (jogadores) procuram otimizar suas escolhas/ganhos, evitando um “conflito” que possam lhe prejudicar. Nesse sentido, há o famosíssimo “dilema dos prisioneiros”, que ajuda no entendimento. Nele, dois prisioneiros precisam optar se irão ou não confessar seus crimes para se beneficiar dessa decisão. Todavia, suas escolhas precisam ser racionais, levando em conta a escolha do comparsa.

Aqui no Brasil, existem alguns especialistas em “Jogos”, como o professor Paulo Vicente dos Santos Alves, que editou vários livros sobre o assunto. A hipótese de que empresas concorrentes tomam decisões de forma racional e interdependente motiva cada vez mais os altos executivos a investirem tempo e recursos em atividades (cursos, workshops) que possam ajudar a raciocinar de forma cooperativa.

Voltando à questão atual, não consigo crer que a esse caso especificamente seja aplicável a “Teoria dos Jogos”. Como já mencionado, para tal, as decisões necessitam ser impulsionadas pela racionalidade (na maioria das vezes econômica) dos agentes. Convenhamos que, pelo menos da parte coreana, a sensação não é essa. Há, no caso em tela, uma motivação muito mais geopolítica, de proeminência e ocupação de espaço na Península da Coreia, querendo aumentar o protagonismo junto à China, contrapondo-se ao histórico antagonismo japonês no Oriente.

Pelo lado de Trump, o presidente americano pode querer acreditar que se vê diante de uma excelente oportunidade de engrenar seu governo. Afinal, já se foram seis meses desde sua posse e ele, até o momento, não conseguiu sucesso algum em suas empreitadas. Pelo contrário, está envolvido num emaranhado de problemas, que vão desde as rusgas com a imprensa local, até as tensões com a Rússia. Assim sendo, sua frase “Fire & Fury” pode não ser somente retórica. Pode ser que esteja considerando a ação militar para reunificar as Coreias do Sul e Norte e capitalizar para si essa impensável hipótese.

Os mercados financeiros globais parecem ainda não considerar como real a hipótese de um conflito. As bolsas, por exemplo, permanecem inebriadas pela liquidez global, negociando perto de suas máximas históricas. Como está todo mundo “comprado”, não consideram que uma guerra possa interromper a “festa”. Já li analistas afirmando que se o conflito eclodir “irá aumentar a demanda de ferro e concreto” para a reconstrução, e isso é bom para bolsa. Visão (minimamente) estapafúrdia!

Apesar, repito, de acreditar que a “Teoria dos Jogos” nesse caso não possa ser aplicada, creio que um possível conflito militar não necessariamente será nuclear, pelo menos por parte dos americanos. Nesse sentido seria menos doloroso em termos de vidas ceifadas, mas não menos trágico para a paz global.

Quando o assunto é “Teoria dos Jogos”, me lembro da célebre frase de Garrincha junto ao técnico da Seleção Vicente Feola: “Já combinou com os russos”?

É preciso saber se Trump e Kim Jong-Un já combinaram com o mundo, pois, se não estiverem blefando, pode “dar ruim”.

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